Quase um ano atrás, pouco depois de os pais do bebê Charlie Gard tomarem a difícil decisão de deixar o próprio filho partir, nós deixamos registrada aqui a seguinte frase: “Esses pais que perderam o seu filho, infelizmente, não foram nem serão os primeiros”.

Com isso, não pretendíamos ser “profetas da desgraça”. Nosso diagnóstico partia simplesmente de um exame realista dos fatos. Charlie Gard morreu por causa de uma condição genética rara, é verdade; transferi-lo para outro hospital e tentar outro tratamento poderia até não dar em nada, também é verdade; mas os pais tinham o direito de fazê-lo, e os médicos não tinham direito nenhum de impedi-los. Em casos como esse, é a família a “primeira instância” responsável por uma decisão, não os juízes ou uma junta médica. Era isso o que estava em jogo naquela circunstância, muito mais do que uma discussão bioética sobre “o uso proporcionado dos meios terapêuticos”.

Hoje, mais uma vez, as atenções de todo o mundo se voltam para o Reino Unido, onde uma nova batalha judicial põe em xeque a vida de uma criança.

Trata-se do pequeno Alfie Evans, portador de uma “condição neurológica degenerativa” para quem, segundo a equipe do Hospital Pediátrico Alder Hey, de Liverpool, qualquer tratamento seria inútil. Os pais da criança, Tom Evans e Kate James, “lutaram em todas as instâncias do Judiciário para que o suporte artificial à vida de Alfie não fosse descontinuado e o bebê pudesse ser transferido para outro hospital, na esperança de ter sua condição diagnosticada com exatidão”, mas, até o presente momento, todas as suas tentativas foram em vão.

As semelhanças com o caso Charlie Gard são impressionantes e parecem indicar uma nova tendência, mais do que uma simples coincidência.

As poucas diferenças que existem entre as duas crianças, na verdade, só tornam ainda mais revoltante a situação de Alfie: para este, “até agora os médicos não chegaram a um diagnóstico definitivo, e por isso nem todos os tratamentos possíveis foram empregados”. A única coisa que esses pais desejam, portanto, é procurar uma opinião diferente, na esperança de salvar o próprio filho. Mas médicos e juízes juntos, sob o pretexto de estarem agindo “no melhor interesse” de Alfie, decidiram dar ao menino, simplesmente… uma sentença de morte. Não querem deixá-lo sair do hospital. Não queriam sequer fornecer a alimentação necessária para a sobrevivência da criança. Às favas a vontade — e o desespero — dos pais.

Aqui não há por que se falar, portanto, nem mesmo de “obstinação terapêutica”. Não chegaram a se esgotar sequer todas as possibilidades de tratamento médico. A decisão do Hospital Alder Hey e das mais altas instâncias do Judiciário inglês, que têm o caso nas mãos, é mais despótica do que se poderia pensar.

Para entender em que tudo isso nos afeta, basta pensar como o Estado tem tomado arbitrariamente das famílias o poder natural que elas detêm sobre as crianças.

Tome-se como exemplo o que acontece na educação em nosso país. Há ideólogos — filósofos, pedagogos, professores — que, mesmo com decisões legislativas recentes rejeitando a “teoria de gênero” nos planos de educação (tanto a nível nacional quanto a nível municipal), insistem em que não deixarão de abordar esse assunto em sala de aula, não importa o que pensem e o que digam pais e mães. Assim como os médicos do caso Alfie Evans, certas classes de “especialistas” já têm certeza do que é melhor para os nossos filhos.

Se o que esses “especialistas” acham entra em choque com o desejo dos pais, pior para estes, pois o Judiciário, no mundo todo, vai se alinhando cada vez mais à tendência de se sobrepor às famílias em questões fundamentais para a vida e o futuro dos nossos filhos. Assim, pais e mães ficam de mãos atadas, como está acontecendo no Reino Unido, comprovando uma famosa frase de Rui Barbosa: “A pior ditadura é a do Poder Judiciário; contra ela, não há a quem recorrer.”

É exatamente isso, os pais de Alfie não têm mais a quem recorrer. A justiça dos homens não está do seu lado, e a medicina humana já desistiu de salvar-lhes o filho. Só o que resta, a essas mais novas vítimas do “Estado total” — o Estado que está “para além do bem e do mal” e que fagocita seus cidadãos e suas famílias —, é esperar um milagre. A insistência de Alfie em sobreviver, por mais de 48 horas, sem o suporte respiratório que os médicos pensavam ser “vital”, pode ser o começo de um.

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