São Bernardo, ilustre em toda a cristandade por sua grande erudição, santidade e milagres, nasceu de pais muito piedosos, que tiveram, além dele, seis filhos e uma filha. Antes de seu nascimento, sua mãe sonhou que dava à luz um cão, que latia ainda no ventre materno. O sacerdote a quem ela contou o sonho disse: “Não temas: darás à luz um filho que entrará no estado religioso, protegerá a Igreja de Deus, combaterá seus inimigos e curará as feridas de muitos com sua língua.” A mãe ficou muito aliviada com a explicação e, quando seu filho nasceu, esforçou-se por educá-lo com todo o cuidado. 

Para sua grande alegria, percebeu que ele possuía desde a infância um amor muito terno a Deus e à Santíssima Virgem, um grande horror ao pecado, um cuidado muito vigilante para preservar sua inocência e pureza, um grande desprezo por todos os bens temporais e uma grande estima por tudo o que se relacionava a Deus e à salvação das almas.

Vitral retratando São Bernardo e sua mãe, a Beata Aliete.

Certo dia, ainda garoto e sofrendo intensamente com uma dor de cabeça, aproximou-se uma mulher para pronunciar sobre ele algumas palavras supersticiosas. A piedosa criança, então, percebendo suas intenções, pulou da cama e expulsou-a do quarto, dizendo que preferia morrer de dor a ser curado por uma prática pecaminosa. O Todo-Poderoso recompensou essa conduta heroica, aliviando imediatamente sua dor. 

Na juventude, foi visitado pelo Menino Jesus numa véspera de Natal, episódio que deu origem ao amor terno que São Bernardo sempre sentiu pelo Salvador. Tendo perdido muito cedo sua piedosa mãe, sofreu muito com pessoas perversas, por causa de sua beleza varonil. No entanto, ele sempre se mostrou corajoso e ora fugia, ora afugentava os que procuravam tentá-lo a pecar, ora se salvava pedindo socorro em alta voz. Um dia, uma pessoa indecente entrara em segredo no quarto do jovem para tentá-lo. Bernardo gritou imediatamente: “Assassinato! Assassinato!” Os que foram ajudá-lo, não vendo ninguém que quisesse matá-lo, perguntaram-lhe por que pedia ajuda. “Não são então assassinos os que tentam roubar-me o tesouro inestimável da pureza, privando assim a minha alma da vida eterna?”, disse o piedoso jovem. 

Para guardar esse tesouro com mais segurança, rezava com a maior devoção, controlava com todo cuidado os sentidos, sobretudo os olhos, castigava severamente o corpo e nutria um amor filial pela Santíssima Virgem. Um dia, contrariando sua resolução, olhou imprudentemente para algo impuro. Mal se deu conta de sua falta, atirou-se ao rio, apesar de ser pleno inverno, e lá permaneceu até ficar quase congelado. Assim castigou a si mesmo, e desde então Deus o livrou de todas as tentações impuras.

Este episódio foi um grande incentivo para que o jovem ingressasse o mais rápido possível no estado religioso, a fim de ficar mais afastado do perigo de perder a pureza. Seus irmãos e outros parentes tentaram dissuadi-lo, mas, com eloquentes descrições das vaidades deste mundo, ele persuadiu seu tio e quatro de seus irmãos a entrarem com ele na Ordem de Cister, fundada por São Roberto de Molesme. 

Quando se dirigia ao mosteiro com trinta dos seus companheiros, encontrou seu irmão mais novo, Nivard, que brincava com alguns companheiros da mesma idade. Guy, o irmão mais velho, disse-lhe: “Nivard, vamos agora para o convento e te deixamos como único herdeiro de todos os nossos bens.” Inspirado pelo Todo-Poderoso, Nivard respondeu-lhe: “Ah! Pretendeis ficar com o Céu para vós e deixar a terra para mim. Esta divisão é demasiado desigual.” Decidiu seguir os irmãos, então, e chegou ao convento alguns dias depois. 

São Bernardo de Claraval, retratado por Philippe de Champaigne.

São Bernardo tornou-se modelo de perfeição monástica logo que entrou para o noviciado. Poderíamos encher páginas e páginas com a descrição de suas virtudes, humildade e severidade para consigo, seu amor a Deus e aos homens, e sua devoção na oração. Não era menos notável pela sabedoria e pelos talentos de que era dotado. Por isso, seu abade, Santo Estêvão, enviou-o rapidamente para fundar e governar o mosteiro de Claraval. Ainda jovem, de saúde delicada e inexperiente nos deveres de um superior, Bernardo hesitou em aceitar o encargo, mas foi obrigado a obedecer.

No novo convento, entre outras tantas dificuldades, teve de lutar contra a pobreza. O Todo-Poderoso, porém, muitas vezes o socorreu milagrosamente seu servo fiel e inspirou inúmeras pessoas a tomá-lo por guia na vida religiosa. Entre eles estava o próprio pai de Bernardo. Henrique, irmão do rei da França, que visitou o claustro, foi persuadido a tomar o hábito após algumas palavras do abade. A irmã de São Bernardo era a única que ainda permanecia no mundo e, embora levasse uma vida de dissipação e prazeres, foi induzida por ele a tomar a mesma resolução. As orações que por ela oferecia o santo, além de suas fervorosas exortações, afastaram-na das vaidades do mundo e levaram-na a voltar o coração para Deus.

O santo abade, a princípio, governava seus subordinados com bastante severidade, mas, após receber uma admoestação divina, tornou-se mais brando. Ganhou o afeto de todos os que estavam sob sua responsabilidade e levou-os a obedecer-lhe, além de ser um exemplo para eles em todas as coisas. Por outro lado, manteve até o fim o rigor consigo mesmo, através de jejuns, penitências, flagelações e longas vigílias. Quando, ocasionalmente, percebia em si a menor indolência, reanimava-se dizendo: “Bernardo, por que estás aqui?” 

Enquanto isso, sua fama espalhava-se por todos os países, e todos os lugares falavam de seu grande conhecimento e experiência. Foram-lhe oferecidas várias sedes episcopais, que ele sempre recusou humildemente sob o pretexto de sua incapacidade para ocupar um cargo tão elevado. Na época de um grande cisma que se deu durante uma eleição papal, foi convidado a participar do Segundo Concílio de Latrão. Aí lhe coube dar a última palavra sobre a controvérsia: se era Inocêncio II ou Pedro Leão (que tomou o nome de Anacleto) que devia ser reconhecido como o legítimo Papa. Depois de uma profunda deliberação e de muitas orações fervorosas, o santo pronunciou sua decisão e todos se submeteram a ela. Henrique, rei da Inglaterra, partidário do antipapa, foi persuadido por São Bernardo a reconhecer e proteger Inocêncio II. Custou-lhe mais persuadir Guilherme, duque de Guiena, a fazer penitência por suas iniquidades e a obedecer ao verdadeiro Papa, mas acabou conseguindo. 

“São Bernardo pregando a segunda Cruzada”, por Émile Signol.

Ele decidiu muitas outras questões importantes, para grande benefício da Igreja. Um dos mais difíceis encargos que lhe foram impostos pelo Soberano Pontífice foi unir todos os monarcas da Europa numa cruzada contra os sarracenos. São Bernardo obedeceu à ordem do Papa. Quando exortou o povo a partir, Deus operou por seu intermédio milagres tão grandes, que todos se convenceram de que o projeto era agradável ao Todo-Poderoso. Fracassada porém a expedição, o santo homem foi caluniado, ridicularizado e perseguido em todos os lugares. Bernardo suportou tudo com muita paciência, e disse: “É melhor que murmurem contra mim do que contra Deus. Não me importa que prejudiquem a minha honra, contanto que permaneça intacta a do Todo-Poderoso.” Deus defendeu o nome de seu servo fiel por meio de muitos novos milagres, que não apenas silenciaram seus caluniadores, mas aumentaram ainda mais a estima que todos tinham por ele.   

Poucos são os santos que possuem um número tão grande de milagres, e tão bem documentados, como no caso de São Bernardo. Sabe-se que, em Constança, devolveu a visão a onze cegos, o uso das mãos a dez e o dos pés a dezoito pessoas. Em Colônia, três mudos, dez surdos e doze coxos foram curados milagrosamente. Em Espira, realizou milagres semelhantes. Inúmeros enfermos recobraram a saúde depois de comer o pão abençoado por ele. Além disso, tinha o dom da profecia e libertou muitos que estavam possuídos pelo Maligno. 

Mas devemos omitir os detalhes de todos esses milagres, a fim de dizer algumas palavras sobre seu trânsito bem-aventurado para a vida eterna. 

O santo homem, já completamente exausto por suas muitas viagens, penitências e enfermidades, foi acometido de uma dolorosa doença. Não conseguia reter nenhum alimento e, ao mesmo tempo, sofria de inchaço nos pés e outros males. Suportou tudo com paciência e alegria, e recebeu os santos sacramentos com grande devoção. Muitos prelados da Igreja e outras pessoas de destaque vieram visitá-lo e compadecer-se de seus sofrimentos, mas ele lhes respondia: “Sou um servo inútil, uma velha árvore estéril a ser cortada e arrancada.”  

Depois de fundar 160 conventos; depois de escrever muitas obras contra as heresias, em defesa da fé católica e para a instrução dos fiéis; e depois de realizar tantas outras obras pelo bem da Igreja e a salvação das almas, em meio às lágrimas de todos os presentes, Bernardo entregou sua alma a Deus aos 64 anos de idade, no ano do Senhor de 1153.

Em Espira, conserva-se ainda uma imagem milagrosa da Santíssima Virgem, perante a qual São Bernardo, um dia, dobrou três vezes os joelhos, exclamando: “Ó clemente, ó piedosa, ó doce Virgem Maria”; e ao dizer: “Eu vos saúdo, Rainha do Céu”, uma voz saiu do quadro dizendo com nitidez: “Eu vos saúdo, Bernardo.” Em outra cidade encontra-se um crucifixo diante do qual São Bernardo rezava fervorosamente, quando o Salvador estendeu os braços para abraçar o seu servo fiel. Muitos outros grandes favores concedidos por Deus a este santo encontram-se nos relatos de sua vida. Suas obras estão repletas dos mais salutares conselhos para todas as classes de pessoas. Muitas vezes, e de modo enfático, ele exorta todos a amarem a Deus, honrarem a Santíssima Virgem e pedirem sua intercessão, e praticarem boas obras.

Famoso milagre dos pães de São Bernardo, realizado em Toulouse. Pintura de Alejandro de Loarte.

Considerações práticas  

Muitas coisas na vida desse santo devem nos inspirar a imitá-lo. Apresento-lhe aqui alguns dos principais pontos:

I. Quando ainda era menino, São Bernardo não permitia que ninguém aliviasse ou curasse uma dor de cabeça por meios supersticiosos. Tenha o cuidado de jamais recorrer a práticas supersticiosas na doença ou em outras ocasiões, pois isso é um grande pecado contra Deus. Caso não saiba se determinada prática é ou não supersticiosa, consulte algum bom sacerdote antes de recorrer a ela.

II. São Bernardo considerava homicidas aqueles que o tentavam a pecar, e pedia ajuda como se sua vida estivesse em perigo. 

Que você trate dessa maneira os que procuram levá-lo ao pecado. Sim, eles são assassinos, pois intentam matar a vida espiritual de sua alma e colocam-no em perigo de perder a vida e a felicidade eternas. Trate-os como assassinos. Nós não rimos nem gracejamos com um assassino, mas pedimos ajuda e nos defendemos com todas as nossas forças. Devemos agir com zelo e coragem quando somos tentados a fazer o mal. No Antigo Testamento, Deus ordenou ao seu povo que apedrejasse uma mulher adúltera junto com seu sedutor. Por quê? “Porque, estando na cidade, não gritou” (Dt 22, 24). Ela deveria ter gritado, mas o fato de não tê-lo feito era um sinal de que não desejava realmente se defender.  

“Cristo abraçando São Bernardo”, por Francisco Ribalta.

III. Esse santo homem castigou um olhar imprudente direcionado a algo impuro, lançando-se ao rio e aí permanecendo quase até o congelamento. Assim quis ele mostrar que as pessoas que desejam uma vida casta devem guardar cuidadosamente o olhar. Que diremos, então, do olhar dirigido a uma pessoa do outro sexo, por curiosidade ou sem necessidade, ou a quadros obscenos, ou a certas cenas teatrais?

IV. Com seu exemplo e exortações, São Bernardo inspirou muitos a abraçar a vida religiosa. Um zeloso servo de Deus não se contenta em servir o Todo-Poderoso, mas procura também, por suas palavras e exemplos, levar os outros ao mesmo caminho. 

V. Quando era tentado pelo desânimo no serviço a Deus, ele se revigorava dizendo: “Bernardo, por que estás aqui?” Revigore-se de modo semelhante, recordando o destino para o qual nasceu, e pergunte a si mesmo: “Por que estou na terra? Para que fui criado?”

VI. Com grande paciência, São Bernardo suportou os escárnios e as perseguições que teve de padecer em virtude do trágico desfecho da guerra para a qual havia convocado e encorajado os príncipes cristãos. Não se aborreça muito se seus planos e projetos não forem bem-sucedidos como você esperava. Não fique perturbado se os outros zombarem de você e o perseguirem.

VII. São Bernardo considerava-se um servo inútil, uma árvore estéril que merecia ser cortada, tão profunda era sua humildade. Então, por que você fica tão satisfeito quando faz uma boa ação? Não deveria ter feito muito mais? Sua preguiça e negligência não deveriam humilhá-lo diante de Deus?

VIII. O santo homem, ao fundar 160 conventos, deixou muitos servos do Senhor, e com seus livros, muitas instruções salutares ainda hoje proveitosas a todos que as leem. Tome cuidado para, depois de sua morte, não deixar o espírito de Satanás em seus filhos, ou naqueles que você escandalizou ou provocou a fazer coisas erradas. De modo algum deixe livros ou imagens obscenas que possam ser ocasião de pecado para os outros. 

São Bernardo também era notável por sua devoção à Santíssima Virgem. Invocava-a em todas as provações e aconselhava os outros a fazer o mesmo, como atestam os seus sermões. “Veneremos Maria”, dizia ele. “Deus quer que recebamos tudo por meio dela. No perigo, na angústia, na dúvida, pensai em Maria, invocai-a.” E noutro lugar: “Que possamos chegar ao vosso Filho por meio de vós, dispensadora de graças, ó Mãe da vida, ó Mãe da salvação.” 

Siga o conselho e o exemplo do santo, e você viverá livre do pecado, sob a proteção de Maria; encontrará ajuda em todas as suas necessidades e certamente obterá a salvação.  

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 229ss.

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