Não é preciso ser lá muito observador para se dar conta de que o mundo que nos rodeia está saturado de sexo. Mas estará também saturado de amor?

Em certo sentido, parece até que as duas coisas são inversamente proporcionais: quanto mais desimpedido, livre e hiperativo se vive o sexo, menos espaço se encontra para o amor pessoal, ou seja, para a amizade entre duas pessoas, queridas em si mesmas, e não pelo prazer que podem oferecer. A castidade (ou seja, a virtude de contrariar os desejos sexuais com o fim de construir relações humanas maduras) é valiosa justamente por proteger e potencializar a capacidade de amar as pessoas como elas merecem.

No matrimônio, o poder de amar os outros que a castidade torna possível engloba não só o próprio esposo, mas os filhos que Deus quiser confiar ao casal, ou seja, as futuras pessoas que estão como que “escondidas”, à espera, no amor do presente.

No Livro de Tobias, do Antigo Testamento, encontramos um ícone da nobreza do amor matrimonial entre Tobias e Sara. Tobias assim reza no dia de seu casamento:

Somos filhos dos santos (patriarcas), e não nos devemos casar como os pagãos que não conhecem a Deus […]. Ora, vós sabeis, ó Senhor, que não é para satisfazer a minha paixão que recebo a minha irmã como esposa, mas unicamente com o desejo de suscitar uma posteridade, pela qual o vosso nome seja eternamente bendito (Tb 8, 5.9).

São cinco as lições que podemos aprender neste denso par de versículos:

Primeiro, os que pertencem ao Povo de Deus (para Tobias e Sara, a nação de Israel; para os cristãos de hoje, o novo Israel, o Corpo de Cristo) são “filhos dos santos” e devem viver guiados pela lei de Deus, a qual, como nos recorda João Paulo II na Veritatis Splendor, é promulgada sempre para o nosso maior bem, e nunca para o nosso mal. Nós, portanto, não devemos comportar-nos como os pagãos, que desconhecem por completo a própria dignidade aos olhos de Deus e o profundo respeito que se devem uns aos outros.

Segundo, rezar ao Senhor é condição sine qua non para crescer na amizade, especialmente dentro do matrimônio. Notemos que Tobias não está “obcecado” por Sara, por mais que a ame; ele se volta para Deus, de quem sabe que há de receber as graças necessárias para amá-la sem egoísmo. É um paradoxo: se queremos amar de verdade uma pessoa, não podemos ficar obcecados ou aficionados por ela, sob o risco de sufocarmos e destruirmos o amor. O relacionamento deve abrir-se à presença de Deus, que traz consigo eternidade e infinitude.

Terceiro, Tobias chama à esposa “minha irmã”. Ao falar nestes termos, ele mostra a natureza íntima do seu amor, como se fosse entre irmãos em concórdia. Seu amor não é absorvente, possessivo, que suga seu objeto e depois o cospe fora quando já está seco; antes, é um amor terno, cavalheiresco, que olha mais para o que ambos têm em comum e quer descobrir como cada um deles pode dar o melhor de si.

A expressão “minha irmã” também nos traz à mente as palavras do Esposo à esposa no Cântico dos Cânticos: “Tu me fazes delirar, minha irmã, minha esposa, tu me fazes delirar com um só dos teus olhares, com um só colar do teu pescoço” (Ct 4, 9). Este versículo revela um amor que, sem deixar de ser erótico, está permeado da reserva e do respeito próprio de um amor familiar.

Quarto, Tobias jura ao Senhor que não é “para satisfazer a paixão” que ele recebe Sara como esposa, “mas unicamente com o desejo de suscitar uma posteridade”. Isso parece quase inacreditável: ele ama mesmo Sara ou a quer apenas como meio de deixar descendentes? No entanto, o contraste que se percebe em suas palavras expressa o que ele, de fato, tem em mente.

Para Tobias, há uma diferença marcante entre, de um lado, desejar a mulher por luxúria, o que a reduz a um simples meio, e, de outro, amá-la inteiramente tal como ela é, o que abarca também o misterioso dom da fertilidade, isto é, a sua capacidade de tornar-se mãe. Quando um homem ama sua esposa tendo em vista os filhos que podem gerar, ele a ama ainda mais, porque ama nela algo a mais: ama-a na plenitude daquilo que ela pode e deseja oferecer.

Noutras palavras, Tobias testemunha aqui a verdade, ensinada pelas encíclicas Casti Connubii e Humanae Vitae, de que a finalidade procriativa do matrimônio é o que define e justifica a união dos esposos, tornando-o diferente de qualquer outra forma de relação humana. Sem essa abertura aos filhos, a existência mesma dos sexos masculino e feminino (para não falar da mútua ordenação de um ao outro) careceria totalmente de sentido.

Por fim, Tobias afirma que tanto ele como sua esposa desejam uma posteridade “pela qual o vosso nome seja eternamente bendito”. Aqui, em tons belíssimos, vemos que o fim último do matrimônio não é apenas trazer filhos ao mundo, mas trazê-los ao mundo para o Senhor, a fim de que eles possam amá-lo e glorificar o seu nome.

Para nós, cristãos, esta finalidade apresenta uma dimensão ainda mais profunda, na medida em que os trazemos ao mundo de forma natural a fim de, através do Batismo, os fazermos nascer para a vida sobrenatural, pela qual se tornam filhos adotivos do Pai, participantes da natureza de seu Filho unigênito, Jesus Cristo.

Eis a insondável fecundidade física e espiritual a que os cristãos têm acesso!

Mas que resposta os “discípulos” modernos têm às palavras do Mestre: “Deixai vir a mim estas criancinhas e não as impeçais” (Mt 19, 14)? Respondem: “Não, preferimos não ter filhos”.

Não é assim que pensavam os judeus; não é assim que deve agir um cristão. Quem quer que vá se casar ou já está recém-casado deve fazer seu coração palpitar no ritmo desta maravilhosa oração de Tobias, que tanto nos ensina com tão poucas palavras. É uma oração que não se resume apenas ao desejo de “ter muitos e numerosos filhos”. É uma oração sobre o amor aos filhos, sobre a abertura ao dom que eles representam e, acima de tudo, sobre aceitar humildemente a vontade do Senhor, que os envia quando e como lhe aprouver.

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