Ninguém gosta de receber más notícias, muito menos quando dizem respeito à morte. Segundo a psicóloga Elizabeth Kubler-Ross, as pessoas comuns tendem a apresentar ao menos cinco tipos de atitude na vivência do luto: a negação do problema, a raiva de si mesmo, a barganha com Deus, a depressão e, somente depois de tudo isso, a aceitação. É claro que esses estágios podem variar de um para outro e alguns até são capazes de experimentar tudo ao mesmo tempo.

Seja como for, não é preciso ser nenhum psicólogo renomado para perceber que essa é exatamente a condição da sociedade agora com relação ao novo coronavírus. Há de tudo um pouco: negacionistas, beligerantes, supersticiosos, depressivos, conformados… Quase todos doentes da “pandemia do medo” que se instalou nos corações, causando pânico até em bons cristãos. Para nós, católicos, especialmente, a vivência da quarentena tem sido ainda mais mórbida, dada a ausência dos sacramentos e da celebração comunitária do Corpo místico de Cristo. Se há alguns anos a Igreja já lembrava “uma barca que está para afundar”, hoje a impressão é que o navio afundou de vez, sem previsão de resgate.

Essa impressão é ainda mais realçada quando se sabe que, além da Covid-19, outro vírus muito mais agressivo flagela a fé católica: o relativismo. Os cristãos já não conhecem a própria doutrina de Cristo e têm medo de falar do Evangelho, sob o pretexto de não ofender a liberdade dos outros, ao passo que o mundo não hesita em proclamar seus “dogmas” infernais de cima dos telhados. Como dizia Bento XVI recentemente, “a sociedade moderna está em meio à formulação de um credo anticristão e, se alguém se opõe a isso, é castigado pela sociedade com a excomunhão”.

Mas que podemos fazer, afinal?

Entre a nostalgia das glórias da cristandade e o conformismo com uma Igreja moribunda, é possível lembrar um momento dramático da história de O Senhor dos Anéis, em que Frodo se lamentava e dizia: “Gostaria que isso não tivesse acontecido na minha época”. Nós também, certamente, não desejávamos ter de enfrentar uma pandemia, tendo uma Igreja em frangalhos, por conta de tantos problemas internos e externos. Mas, como responde Gandalf ao pequeno hobbit, “essa decisão não é nossa”, “tudo o que temos de decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado”.

É certo que estes que vivemos não são os piores tempos da história cristã. Já houve, de fato, situações muito mais dramáticas, que exigiram sacrifícios heroicos. Quando, por exemplo, o cristianismo ainda era, para muitos pagãos e judeus, apenas uma seita de um homem que supostamente teria ressuscitado, os cristãos tiveram a valentia de provar com o próprio sangue que aquela era uma fé fundada não em fábulas, mas, sim, numa rocha contra a qual as portas do inferno jamais prevaleceriam. E com esse espírito eles derrotaram um império, venceram várias heresias, fundaram uma nova civilização e espalharam a semente da boa-nova por todo o mundo.

Ainda assim, cai sobre as nossas costas a responsabilidade dos santos de outrora — de um São Francisco, só para citar, cuja humildade e fortaleza o levaram a reconstruir a Igreja de Nosso Senhor. “O preceito da hora presente”, portanto, “não é lamento, mas ação”, dizia Pio XII. Os cristãos devem estar “penetrados por um entusiasmo de cruzados” para combater pela libertação da terra santa espiritual, “destinada a ser a base e o fundamento das normas e leis imutáveis para as construções sociais de interna e sólida consistência”. Embora a Igreja não seja mesmo um Titanic, o seu casco pode, sim, sofrer grandes avarias, por causa de nossa própria negligência. É, pois, nosso dever consertá-lo.

Foi com esse espírito que Madre Angélica fundou a emissora católica EWTN, conclamando seus compatriotas a restaurar a fé num período crítico para a Igreja nos Estados Unidos. A fim de vencer os inimigos de Deus, ela insistia que os católicos precisavam ser corajosos e valentes. E de onde deveriam eles tirar essa coragem e valentia? Das próprias palavras de Cristo no Evangelho: “No mundo, tereis aflições, mas tende coragem! Eu venci o mundo” (Jo 16, 33).

Na hora mais terrível da humanidade, Nosso Senhor não poupou os discípulos das “más notícias”, da provação pela qual eles mesmos, em seus corpos, haveriam de passar. Todos os discípulos foram torturados pela fidelidade ao Evangelho. Mas foi justamente a consciência daqueles fatos, iluminados pela luz da graça, que os fez seguir até o Calvário, onde venceriam o mundo, a exemplo de Jesus.

É o que precisamos fazer hoje também. “Não há nada a temer”, explicava Madre Angélica, porque Cristo está do nosso lado e nos capacita com sua graça para cumprirmos a missão. Devemos, sim, lutar por nossa Mãe, a Igreja, que pode estar ferida, seja pelos ataques do mundo, seja pela traição de seus próprios filhos. Madre Angélica enfrentou muitos desgostos em seu apostolado por conta da má compreensão de alguns que, mesmo dentro da Igreja, trabalhavam por sua destruição. Mas nem isso a fez desistir do trabalho. Ao contrário, ela se dedicou ainda mais à evangelização, à caridade, à oração porque, explicava ela, “nós podemos curar a Igreja com nosso amor, nossa compaixão e com nosso zelo”.

A Igreja necessita de filhos zelosos, com o mesmo zelo que devorou Jesus no Templo e o fez lutar pela fé. Não se trata de distribuir pancadas, mas de “não dar aos outros a autoridade que eles não têm”, ensinava Madre Angélica à sua audiência. O Templo, na época de Jesus, estava dominado por uma autoridade profana, que se servia da religião em benefício próprio. Do mesmo modo, há quem queira isso hoje também, colocando a Igreja de joelhos diante de autoridades profanas, como se a lei dos homens estivesse acima da lei de Deus. É contra isso que devemos lutar, contra “os principados, as potestades, os dominadores deste mundo tenebroso, os espíritos malignos espalhados pelo espaço” (Ef 6, 12).

Décadas atrás, o jovem padre Joseph Ratzinger profetizava que a Igreja, um dia, diminuiria de tamanho, reduzindo-se a um pequeno resto. “Mas dessa provação sairá uma Igreja que terá extraído uma grande força”, complementava ele, e os habitantes deste mundo “descobrirão, então, a pequena comunidade de fiéis como algo completamente novo... Como uma esperança que lhes cabe, como uma resposta que sempre procuraram secretamente”.

Não podemos dizer se estes são ou não os tempos do cumprimento dessa “profecia”, mas, ouvindo o que disse anos atrás a destemida Madre Angélica, desde já podemos forjar o nosso coração.

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