Um jovem me escreveu uma carta para explicar que seu interesse pelo catolicismo tradicional também começara a influenciar o tipo de música que ele escutava. Ele começou a sentir que deveria evitar certos estilos musicais e gravitar na direção de outros estilos — ele estava se interessando pelos três compositores barrocos mais populares: Vivaldi, Handel e Bach —, e me perguntou se eu poderia ajudá-lo a entender por que estava passando por essa “conversão” inesperada e se eu tinha algum conselho para oferecer. (O nome dele foi alterado.)

Prezado Joãozinho,

Preciso dizer uma coisa: tomar conhecimento de sua conversão ao belo em geral e ao barroco em particular é como música para meus ouvidos. Ensinei música por muitos anos a estudantes universitários, e eu diria que ao menos 50% deles ficavam animados quando aprendiam que filósofos e Padres da Igreja concordam em que a música reflete e influencia em grande medida nosso estado moral. Além disso, muitos daqueles estudantes faziam uma séria resolução de escutar música de melhor qualidade —  sempre com excelentes resultados. Meses ou anos mais tarde, eles demonstravam ter muita gratidão, da qual tenho muitos testemunhos na forma de cartas ou cartões. Jamais conheci alguém que não tenha se apaixonado pelos grandes compositores depois de ter dado a eles uma justa oportunidade. A música deles é superior na profundidade do sentimento, na sutileza da expressão, no lirismo, na complexidade harmônica e na compatibilidade total com a vida intelectual e espiritual própria do homem.                 

Porém, as pessoas ainda têm dificuldade de compreender a objetividade do belo  — que x é mais belo em si do que não-x — por duas razões principais.

Primeiro, o belo é percebido por um sujeito, um indivíduo, que deve ter uma disposição adequada para isso. Uma pessoa com uma alma devota e bem ordenada, aberta a Deus e empenhada em buscar a sabedoria, será atraída por certas manifestações de ordem e beleza em qualquer domínio sensível e repelida por aquilo que for contrário a elas. E assim como acontece com a criação de hábitos em geral, podemos nos esforçar para viver uma vida mais bela — uma vida de virtude, oração e estudo — a fim de corresponder mais plenamente a uma liturgia bela e às belas-artes. Numa palavra, o objeto belo é reconhecido e celebrado por uma alma moralmente bela ou que trabalha ativamente para ficar assim.

Segundo, a beleza, assim como a verdade, sua irmã, requer um longo e paciente processo de familiarização, uma verdadeira disposição para aprender. A arte da música é extremamente profunda e sutil, mas os jovens que ficam o dia inteiro focados na lista das dez canções mais populares jamais perceberão isso. Só um tolo ignorante (ou pior, um ideólogo) diria que uma canção de rap é equivalente a uma fuga de J. S. Bach, a uma sinfonia de Beethoven ou a um movimento de Os Planetas, de Gustav Holst. Isso é o mesmo que comparar uma história em quadrinhos a um romance de Jane Austen ou de Dostoiévski, ou um lanche do McDonalds à comida de um bistrô francês. Como os ocidentais modernos são pessoas terrivelmente incultas em relação a quase todas as coisas, não podemos nos surpreender com o fato de seus juízos sobre a verdade e a beleza serem não apenas enviesados, mas ridículos. Eles nem sequer sabem do que estão falando.

Missa latina tradicional.

Lembro-me de um fenômeno muito parecido: católicos que só assistiram à Missa celebrada segundo o Novus Ordo e mesmo assim opinam sobre a Missa em latim. Ou aqueles que talvez tenham assistido a algumas Missas tradicionais, mas (ainda) não prestaram atenção nas orações, nas cerimônias, em todo o espírito do rito. Na verdade, levei duas décadas para entender o vasto abismo que separa a forma antiga do rito e a nova sob todos os aspectos e em todos os níveis; mas, como eu queria levar a sério o culto, persisti com seriedade, acreditando que valeria a pena — e valeu, de forma superabundante. Quando você percebe isso, não pode mais ignorá-lo. De modo semelhante, quando você escuta canto gregoriano com frequência suficiente para sentir, captar, a perfeição com que a música expressa a letra e o espírito da liturgia, não é mais possível voltar aos violões e aos teclados. Ao contrário, isso provocaria uma gastura em sua consciência, como se estivesse arranhando um quadro negro com as unhas.

Há um consenso entre os grandes intelectuais ocidentais — Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, Boécio, São João Crisóstomo, Friedrich Nietzsche, Arthur Schopenhauer, Josef Pieper e Roger Scruton, para citar apenas alguns — segundo o qual a música é uma força formadora do caráter de imenso poder e profunda influência, provavelmente a maior força a nível natural. Dadas as mudanças nos estilos musicais ao longo do último milênio, seria difícil encontrar muito consenso à medida que entrássemos cada vez mais nos detalhes. Quero dizer que é muito mais fácil responder à pergunta: “O que é melhor, música clássica ou rock?” do que à pergunta: “O que é melhor: o período barroco ou o romântico?”, ou: “Quem é o maior compositor: Bach ou Handel?” Assim, encontramos muita munição para argumentar a favor dos princípios mais gerais, mas fica mais difícil argumentar a favor da superioridade deste ou daquele período da música na história, e ainda mais difícil argumentar a favor da superioridade deste ou daquele compositor em relação a outros. Porém, a maioria das pessoas não se preocupa em saber se Mozart é melhor que Beethoven, mas em saber se música clássica é melhor que jazz ou pop, ou, no contexto eclesiástico, se o canto gregoriano e a polifonia são melhores do que os cantos de louvor e adoração ou hinos em vernáculo.   

A música sacra apresenta as características essenciais da arte da música com uma luminosidade particular e assim nos ajuda a entender de modo mais profundo o papel da música na vida. Cheguei à conclusão de que a música que escutamos deveria ser compatível com a música sacra ou harmonizar-se com ela. Isso não quer dizer que deveríamos escutar música sacra o tempo inteiro (seria algo estranho: às vezes é conveniente dançar!); ao contrário, significa que nossa vida secular não deveria ser um compartimento estanque sem nenhum tipo de relação com nossa vida espiritual e litúrgica ou, pior, que pudesse competir com ela, diluí-la ou prejudicá-la. A transição do exterior para o interior da igreja, do interior dela para o Santíssimo Sacramento e deste para a contemplação e a visão beatífica, deveria ser suave. Segundo a cosmovisão católica, nossa vida inteira deve ser oferecida como um sacrifício agradável a Deus, em união com Cristo numa peregrinação rumo ao Céu (cf. Rm 12, 1; Fl 4, 8; Col 3, 3). Na minha opinião, a autêntica música folk ainda é compatível com isso, mas quase tudo o que toca nas rádios hoje não é.

“A Aula de Música”, por John George Brown.

A música folk — a música folk verdadeira, que as pessoas têm cantado por séculos em todos os lugares no Ocidente — quase nunca é um problema ético ou espiritual. Isso é verdade por muitas razões. Primeiro, é uma música orientada pela melodia. É claro que o ritmo está presente, mas a melodia é a rainha. Somente a música bárbara enfatiza o ritmo como elemento principal ou equivalente aos outros. Segundo, ela é feita em grande medida para ser cantada em grupo, não para um exibicionismo solista. O acompanhamento instrumental pode ter um único tambor para marcar o tempo de forma modesta. Porém, normalmente ela é feita por violinos, cordas dedilhadas ou marteladas, harpas, flautas e outros instrumentos tradicionais alimentados pela mão ou pelo sopro. Terceiro, o ritmo em si é natural, isto é, enfatiza as batidas fortes nos tempos ímpares — num compasso comum ou 4/4, os tempos 1 e 3 —, não os tempos fracos ou pares (“contratempo” ou síncope). Muitas vezes a música folk é composta em compasso ternário, que raramente sai da ênfase no primeiro pulso. Infelizmente, hoje muitas composições de música folk recebem elementos de rock por meio de pulsos e instrumentos amplificados porque é o que atende ao gosto moderno. Isso perverte a natureza desse tipo de música.       

Se tiver interesse em leituras de aprofundamento, permita-me fazer algumas recomendações.

Um dos melhores filósofos da arte é Roger Scruton. Ele explica por que muito do que as pessoas dizem sobre as belas-artes é bobagem, e por que há — deve haver — graus objetivos de beleza. Isso também significa que há grandes artistas, bons artistas e maus artistas, e que podemos identificar suas características e as qualidades do seu trabalho. Scruton era um conservador. Embora não tivesse fé, era simpático ao cristianismo. Portanto, tem limitações. Veja suas obras “Beleza”, “Música como Arte” e The Aesthetics of Music [“A Estética da Música”, sem tradução portuguesa].

Para uma abordagem católica sobre as artes e o belo, eu recomendaria Dietrich von Hildebrand. Embora os tomistas tenham discordâncias com ele, seus insights sobre estética são extremamente valiosos e, diferentemente da maioria dos tomistas do século XX, ele percebeu o que estava em jogo nas reformas litúrgicas e resistiu a elas. Veja sua obra Aesthetics [“Estética”, sem tradução portuguesa e em dois volumes].

Sobre música em particular, recomendo a obra “Só quem ama canta: arte e contemplação”, de Josef Pieper. Ela contém o melhor texto que já encontrei sobre o que é a música e, portanto, é sempre recomendada aos meus amigos. Também dignas de nota são as seguintes obras: The Song That I Am: On the Mystery of Music [“A Canção que Eu Sou: Sobre o Mistério da Música”, sem tradução portuguesa], de Elisabeth-Paule Labat, The Sound of Beauty: A Classical Composer on Music in the Spiritual Life [“O Som da Beleza: Um Compositor Clássico Sobre Música na Vida Espiritual”, sem tradução portuguesa], de Michael Kurek, e Music and Morals: A Theological Appraisal of the Moral and Psychological Effects of Music [“Música e Moralidade: Uma Apreciação Teológica dos Efeitos Morais e Psicológicos da Música”, sem tradução portuguesa], de Basil Cole. Considero este último livro um pouco fraco sob alguns aspectos, mas o autor tenta levar a tradição a sério, e é um dos únicos livros que faz isso.

Com os meus cordiais cumprimentos, em Cristo, 

Dr. Peter Kwasniewski.

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