São Domingos, o glorioso patriarca e fundador da famosa Ordem dos Frades Pregadores, nasceu na Espanha, de pais ilustres e piedosos. Antes do nascimento, sua mãe teve uma visão durante o sono, na qual teve a impressão de estar carregando um cãozinho, que levava na boca uma tocha acesa a iluminar o mundo inteiro. No momento de seu batismo, uma nobre governanta viu uma estrela brilhante na testa de Domingos. Com isso, Deus provavelmente quis prefigurar os futuros trabalhos de São Domingos e seus frutos: como, por seus sermões, ele poria em fuga os hereges — verdadeiros lobos no rebanho cristão — e como, iluminando o mundo inteiro com seus ensinamentos e virtudes, ao mesmo tempo o inflamaria com o amor de Deus. 

Desde a mais tenra idade, Domingos manifestou um amor à virtude muito incomum para sua idade. Acordava no meio da noite para rezar; era modesto em todos os seus gestos e extremamente moderado no comer e no beber. Detestava todos os divertimentos mundanos, evitava todo tipo de companhia duvidosa, era compassivo com os pobres e buscava seu prazer apenas na oração, na visita às igrejas e no estudo. Adquiriu conhecimentos adequados ao seu estado de vida e foi enviado para as mais renomadas universidades, onde jamais se afastou, em nada, de sua conduta piedosa. Preservou a inocência e a pureza até a morte, e os meios que utilizou para conseguir isso foram: fugir da ociosidade, evitar o trato com pessoas do sexo oposto e usar de temperança no comer e no beber. 

Retrato de São Domingos na Igreja de Birgu, em Malta. Obra de Manuel Farrugia, pintada em 2021. Foto: Pe. Lawrence, O.P.

Depois de ter concluído os estudos com grande mérito, Tiago Azevedo, bispo de Osma, recebeu-o no número dos cônegos regulares. Aos trinta anos de idade, começou a pregar, e assim continuou por dois anos, com grande sucesso. Depois disso, foi com o bispo para a França, muito conturbada na época pela heresia dos albigenses. Quando chegaram ao seu destino, alojaram-se em uma casa onde as pessoas estavam contaminadas pela heresia, mas Domingos logo as convenceu de seu erro, e elas voltaram à verdadeira fé. Estes foram os primeiros hereges convertidos, e com profunda gratidão Domingos consagrou as primícias de seu trabalho ao Todo-Poderoso, sentindo dentro de si um desejo cada vez maior de se dedicar inteiramente ao extermínio dessa nova heresia

Obedecendo à voz divina que lhe falava ao coração, pediu ao Papa a permissão necessária e preparou-se com outros sacerdotes zelosos para tão grande obra, por meio de orações, jejuns e outras penitências. Depois disso, com um cajado na mão, à imitação dos santos Apóstolos, percorreu descalço todas as cidades e aldeias onde os albigenses tinham lançado a semente de sua heresia, pregou com grande zelo as verdades da fé católica e refutou os erros daquela heresia, sem se deixar perturbar minimamente pelos delírios dos inimigos da Igreja. Historiadores confiáveis afirmam que ele converteu mais de 100 mil hereges à verdadeira fé. 

“Confronto de São Domingos com os hereges”, por Giuseppe Calì.

O dom de milagres concedido por Deus a este incansável apóstolo, de modo a confirmar suas palavras, fez com que sua influência aumentasse bastante. Os albigenses tinham escrito um livro cheio de doutrinas heréticas, que eles distribuíam para a leitura dos católicos. São Domingos refutou-o com outro livro e, para convencer o povo de que o seu era o verdadeiro, lançou ambos ao fogo, na presença de uma multidão de hereges e fiéis. O livro herético logo foi tomado pelas chamas e consumido, ao passo que a obra escrita pelo santo permaneceu intacta, ergueu-se, esvoaçou um pouco no ar e depois emitiu um raio de luz, para grande espanto dos espectadores. Este milagre repetiu-se uma segunda e uma terceira vez, e não só fortaleceu a fé dos católicos, mas confundiu os hereges. 

Em outra ocasião, quando o célebre conde Montfort, acompanhado de uma pequena tropa de 1.800 católicos, atacou um grande exército de albigenses, São Domingos, derramando torrentes de lágrimas, obteve de Deus uma vitória tão expressiva para os católicos, que 20 mil dos inimigos pereceram no campo de batalha, outros morreram afogados no rio e os demais bateram em retirada. Conta-se também que este santo homem aliviou muitos possessos, curou muitos doentes e ressuscitou os mortos. Estes e outros milagres semelhantes não podiam deixar de granjear para o santo a veneração dos homens, e foram meio para a conversão de muitos hereges. 

Para conservá-los na verdadeira fé e levar outros ao conhecimento da verdade, Domingos resolveu fundar uma Ordem, cujo principal objetivo seria pregar o Evangelho, levar os pecadores ao arrependimento, confirmar os católicos na fé e converter os hereges. De início, o Papa Inocêncio III recusou-se a consentir no projeto. Certa noite, porém, sonhou que as paredes da Basílica de Latrão pareciam cair, mas eram sustentadas por São Domingos e salvas da iminente destruição. Concluiu, então, que São Domingos fora eleito por Deus como pilar de sua Igreja e não mais negou seu consentimento à fundação da nova Ordem. Honório III, seu sucessor, confirmou a Ordem, para grande consolação do santo. Na verdade, podemos dizer que os dominicanos foram o instrumento usado por Deus para impedir a destruição que ameaçava o mundo inteiro através dos hereges e falsos mestres. 

Certa noite, quando rezava na igreja de São Pedro, Domingos viu Cristo sentado em um trono nas nuvens, cercado por um indescritível esplendor. Tinha na mão três lanças para punir o mundo com três castigos: a fome, a guerra e a peste, por causa da iniquidade dos povos. Nenhum dos santos ousou opor-se à ira de Deus com orações. Por fim, a própria Virgem Santíssima foi até Ele, prostrou-se aos seus pés e, humildemente, pediu misericórdia para aqueles que Ele redimira com seu Sangue precioso. Ela garantiu-lhe que São Francisco de Assis — que se achava em Roma a fim de obter a aprovação de sua Ordem —, São Domingos e seus irmãos fariam tudo o que lhes estivesse ao alcance para levar o mundo pecador à penitência e à reparação. As orações de sua Mãe santíssima apaziguaram Nosso Senhor, que ratificou as intenções dos dois santos homens. 

“Pintura de Nossa Senhora do Rosário com São Domingos e Santa Catarina de Sena”, por Marian Szczurowski.

Esta visão não foi apenas um grande conforto para São Domingos, mas um incentivo para que empregasse todos os seus esforços na realização do fim a que se propusera. Durante muitos anos, esforçou-se com zelo inigualável por cumprir o seu intento, até que o Todo-Poderoso enfim o chamou para receber o prêmio de seu incansável trabalho. Recebeu o anúncio de sua morte do próprio Senhor, que lhe apareceu em oração e disse: “Vem, vem desfrutar da verdadeira felicidade.” Depois disso, adoeceu e, tendo-se confessado, recebeu o Santíssimo Sacramento com tanto fervor e devoção, que arrancou lágrimas de todos os circunstantes. 

Antes de morrer, exortou seus discípulos a praticar a obediência, a pobreza, a castidade e o amor fraterno. Ordenou-lhes ainda que trabalhassem zelosamente pela salvação das almas, confiassem inabalavelmente em Deus, amassem o Pai celestial acima de todas as coisas, evitassem conversas ociosas e só falassem com Deus ou de Deus. Por fim, pediu que lessem para ele, em voz alta, as orações habituais pela alma que deixa este mundo. Quando chegaram às palavras: Subveníte, Sancti Dei, occúrrite, Angeli Dómini, suscipiéntes ánimam ejus, offeréntes eam in conspéctu Altíssimi — “Vinde em seu auxílio, santos de Deus; vinde ao seu encontro, anjos do Senhor: recebei a sua alma, levai-a à presença do Altíssimo”, fechou calmamente os olhos e, no ano 1221, 50.º de sua vida, entregou nas mãos de Deus sua alma cheia de méritos. 

Deixou para a posteridade não só a santa Ordem que fundou, mas um nobilíssimo exemplo de virtude. O coração dele estava cheio do amor de Deus. Por isso, empenhara-se com toda a diligência em levar os pecadores ao arrependimento e impedir novas ofensas à divina Majestade. Muitas vezes, passara a noite inteira rezando e castigando seu corpo, oferecendo-o a Deus pela conversão dos pecadores, dizendo que daria de bom grado cada gota de seu sangue, se com isso pudesse converter um pecador ou impedir um só pecado. Desejava sofrer e dar a vida por amor a Cristo. A humildade fez com que recusasse três vezes o episcopado. Não desejava senão trabalhar para a salvação das almas, sofrer e ser desprezado. 

“São Domingos em penitência”, de Luis Tristán.

Era extremamente severo consigo; sempre usava um tosco cilício preso em volta das costas, com uma corrente de ferro tão apertada, que cortava a carne. Dormia nos degraus do altar ou em tábuas de madeira. Açoitava-se três vezes por noite, primeiro por seus próprios pecados; segundo, pelos pecados dos outros homens; e terceiro, pelas almas do Purgatório. Além disso, sua vida foi um contínuo jejum. Jamais comia carne. Só queria viver de esmolas e ajudar os pobres. Quando ainda era estudante, vendeu mais de uma vez seus livros e roupas e deu o dinheiro aos pobres. A uma viúva que lhe pediu uma esmola para libertar o filho do cativeiro, ofereceu-se como resgate, para que o filho pudesse voltar a ela. 

Outros muitos exemplos esplêndidos de virtudes admiráveis devem ser omitidos aqui, por falta de espaço. Mas convém mencionar a grande devoção que Domingos sempre nutriu pela Rainha do Céu, fruto do grande amor que lhe tinha. Não começava nada sem invocar sua assistência com filial confiança, e difundia a veneração a ela por meio do Rosário, que o Todo-Poderoso se dignava confirmar com muitos milagres. 

Aconselhou Branca de Castela, a piedosa rainha da França, que não tinha filhos, a recorrer à Mãe de Deus e rezar o Terço devotamente em honra dela. Branca seguiu o conselho, até que deu à luz o santo e célebre Luís, rei católico e glória de sua terra. É também à devoção do Rosário que se atribui a já mencionada vitória de Montfort contra os albigenses, pois os soldados católicos, por ordem de São Domingos, usavam o rosário no pescoço e, assim, sob a proteção da Santíssima Virgem, atacaram e derrotaram o inimigo. 

Os milagres que o Todo-Poderoso realizou após a morte de Domingos, por sua intercessão, podem ser encontrados nas biografias mais detalhadas do santo. 

Considerações práticas

A vida de São Domingos está repleta de exemplos das mais perfeitas virtudes, das quais, no entanto, podemos agora selecionar ao menos algumas para nossa consideração prática.

Escultura de São Domingos, na Basílica de São Pedro, em Roma.

I. Para preservar sua inocência e pureza em meio a muitos perigos, três foram os meios usados por este santo homem: fugir da ociosidade, evitar o trato com pessoas do sexo oposto e usar de temperança no comer e no beber. Se ele tivesse se deixado levar pela ociosidade, se tivesse cultivado uma convivência desnecessária com mulheres e se tivesse sido menos temperante em suas refeições, sua pureza logo teria sido ameaçada e talvez perdida. 

Se você deseja ser casto e piedoso, recomendo estes três meios, pois a Sagrada Escritura e a experiência nos ensinam: as pessoas que não se ocupam de trabalhos adequados ao seu estado de vida; que, sem necessidade, convivem frequentemente com pessoas do sexo oposto; ou que não se moderam no comer e no beber, não permanecem por muito tempo piedosas, inocentes e castas. Tais pessoas caem facilmente em tentação e cedem a ela, porque dão a si mesmas a oportunidade para isso; enquanto outras, ou não sofrem tentações ou as vencem facilmente, pois o Todo-Poderoso as fortalece para o combate. 

Afinal, como diz um provérbio bem conhecido, “Deus ajuda aqueles que se ajudam”. Mas como pode quem não se esforça por ajudar a si mesmo (fazendo justamente o contrário) esperar do Todo-Poderoso graças particulares? 

II. São Domingos consagrou toda a sua vida ao serviço de Deus, à prática das boas obras e à salvação das almas. Usou todas as suas capacidades para corrigir os pecadores, converter os hereges e, assim, franquear a todos o Céu. O amor a Deus o levou a evitar todas as ofensas a Sua Majestade. Não é, pois, de admirar que Cristo o tenha convidado a vir e participar das alegrias eternas. 

Como você tem levado a sua vida? E a serviço de quem? A que se dirigem as suas súplicas? Você já foi instrumento para levar um pecador ao arrependimento, ou um herege à verdadeira fé? Já se esforçou por conduzir uma única alma no caminho da vida eterna? Já impediu alguma vez um único pecado, quando lhe era fácil fazê-lo, e que talvez, em seu ofício ou ocupação, fosse até seu dever impedir de acontecer?

De agora em diante, procure fazê-lo e, se nada mais puder ser feito, reze ao menos pela conversão dos pecadores e dos hereges, e ofereça suas boas obras ao Todo-Poderoso com esse propósito. Evite as ofensas a Deus sempre que puder. Deixe que o amor a Ele mova você a isto. “Se amas Jesus de todo o coração, como podes calar quando Ele é ofendido na tua presença?”, diz São Bernardo. “Como podes dizer que amas a Deus, se desprezas as suas leis?” E Santo Ambrósio: “Quem pode dizer: ‘Amo o imperador, mas não estimo as suas leis’?”. 

São Domingos e a Virgem do Rosário.

III. São Domingos, desejando promover a devoção à Santíssima Virgem, instituiu a récita do Terço, e Deus a confirmou com muitos milagres. Atualmente, há muitas famílias que rezam o Terço diariamente ou aos domingos e festas. Muitos católicos, tanto leigos quanto clérigos, fazem o mesmo diariamente. Só os hereges e os católicos que não honram a Igreja têm vergonha de ser vistos com o terço nas mãos. Que você não seja um deles! 

É fato conhecido que, para manifestar seu amor ao Salvador e à sua santíssima Mãe, muitos santos traziam nas mãos, na hora da morte, um crucifixo e um rosário. Se quiser morrer feliz, tal como eles, siga também seu exemplo durante a vida, para ter o direito de dizer:  “Ó Senhor, eu sou teu servo, eu sou teu servo e filho da tua escrava” (Sl 115, 16), isto é, filho daquela que, apesar de ter sido escolhida para mãe do Altíssimo, ainda assim chamava a si mesma “a escrava do Senhor” (Lc 1, 38).

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, pp. 162ss.

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