Você já se perguntou como seria se, além do dízimo em dinheiro que nós, cristãos, já estamos acostumados a entregar para o Senhor (e que nós, católicos, entregamos como forma de ajudar a Igreja em suas necessidades), nós déssemos a Ele também o dízimo daquilo que é mais precioso para nós, muito mais do que ouro ou prata — ou seja, o dízimo do nosso tempo?
Ainda que alguns digam sem hesitar que “tempo é dinheiro”, na verdade, tempo é muito mais importante do que dinheiro. Tempo é vida: eis a verdadeira equação. Aquilo com que gastamos nosso tempo é aquilo com que gastamos nossa vida. Cada momento dado por Deus a nós tem de ser gasto com alguma coisa e, uma vez gasto, ele não pode ser tomado de volta.
Mesmo que a maior parte do nosso tempo venha a ser gasta em atividades terrenas como dormir, trabalhar, comer, tomar banho, dirigir e cuidar dos que dependem de nós, também sabemos, por meio das Sagradas Escrituras e da Tradição, que todos os dias nós temos uma dívida de tempo para com Deus — mais do que isso, na verdade, o melhor tempo de que dispomos deve ser entregue a Ele. Ao dizer isso, eu me refiro especialmente ao começo do nosso dia, bem como aos últimos momentos que temos antes de dormir.
Pois bem, se Deus é a fonte de nossa própria vida, se Ele é a nossa alegria, o próprio fim a que aspiramos ao longo de nossa peregrinação terrestre, e ainda se Ele é o Juiz que nos pedirá contas por cada “palavra ociosa” que houvermos pronunciado (cf. Mt 12, 36), disso se segue que quanto mais tempo gastarmos com Ele, melhor.
Por gastar tempo com Deus entenda-se simplesmente oração. A oração inclui os quatro atos típicos de adoração, contrição, ação de graças e impetração, bem como a meditação da Escritura, uma leitura espiritual ou qualquer outra atividade que tenha Deus como sua razão de ser. (Dizendo de outra forma, qualquer atividade que não fizesse sentido algum se Deus não existisse é uma atividade que a Ele diz respeito; qualquer atividade que você realizaria, Ele existindo ou não, é uma atividade terrena.)
Se nós nos decidíssemos a dar este grande passo, de dar o dízimo de nosso tempo — ou, para ser mais justo com a natureza humana, o dízimo do tempo que passamos acordados —, como isso seria? Bem, se um dia tem 24 horas, supondo que você durma 8 horas por dia, um décimo das 16 horas restantes equivaleria a 1,6 hora, ou 96 minutos. Isso soa como uma quantidade muito maior de tempo do que a maioria das pessoas, inclusive cristãos que se gabam de ser “praticantes”, costuma gastar diariamente com oração.
No entanto, se olharmos para os séculos passados, quando a prática cristã era muito mais forte, nós veremos algo exatamente como esse dízimo ser esperado tanto de católicos quanto de protestantes. Como o lado católico é muito mais familiar para mim, darei preferência a ele.
Um católico, por exemplo, que assista a uma Missa diária de 30 minutos, com 10 minutos de ação de graças depois; que reze o Rosário em cerca de 20 minutos; e que gaste cerca de meia-hora em um ou dois momentos do dia com a lectio divina, com uma leitura espiritual, com oração mental ou com alguma parte do Ofício Divino, um católico assim terá dado ao Senhor 90 minutos de seu dia (o que é quase um décimo mesmo das horas que ele passa acordado). Isso não só pode ser feito, como deve ser feito. Os frutos serão perceptíveis a todos os que tentarem se submeter a esse plano de oração.
É claro que, a menos que alguém receba uma graça especialmente poderosa, que a disponha de uma só vez a abraçar esse plano completo, o mais prudente é ir crescendo até esse nível, adquirindo um bom hábito por vez, ao invés de tentar fazer muito no começo e terminar desistindo de tudo... É possível começar com a Missa diária, ou com o Rosário diário, ou com o Ofício Divino diário e, estando este hábito solidamente estabelecido, ir acrescentando outros compromissos, até que todo o nosso dia esteja fermentado com oração.
À clássica objeção de que “Ah, mas eu sou muito ocupado para dedicar tanto tempo à oração, eu tenho trabalho para fazer, e tenho minhas obrigações familiares etc.”, a resposta é dupla.
Primeiro, nós precisamos da graça de Deus mais do que Ele precisa de nossas obras, e nossas próprias obras não terão frutos se não nos voltarmos com frequência a Deus. Conta-se que, sempre que uma irmã das Missionárias da Caridade dizia a Madre Teresa estar “muito ocupada” para fazer uma Hora Santa diária, a santa lhe mandava fazer uma segunda Hora Santa diária e ainda advertia: “Quanto mais responsabilidades se tem, mais necessidade há de rezar, não menos”.
Em segundo lugar, se você trabalha tanto a ponto de não ter tempo para a oração e a meditação, então não há outra alternativa: você tem de diminuir seu trabalho. Às mães é particularmente importante que não negligenciem as próprias necessidades espirituais: seus maridos devem se oferecer para cuidar das crianças ou seus filhos mais velhos devem ficar no comando dos menores de tempos em tempos, a fim de que as mães possam dar, ao Senhor aquilo que lhe é devido, e às suas almas o devido descanso em Deus.
Os religiosos, por sua vez, são homens e mulheres consagrados à oração litúrgica pública ao longo do dia e a uma vida de meditação e mortificação. Assim como eles fazem voto de pobreza renunciando a todas as suas posses (e não apenas a 10% delas), igualmente, por seu estado de vida, eles devem dar a Deus muito mais do que um décimo das horas que passam acordados. A meta da vida religiosa é rezar sem cessar, como São Paulo nos urge a todos a procurar fazer ao máximo de nossa capacidade (cf. 1Ts 5, 17). Por isso, a fim de levar uma vida que seja entregue totalmente a essa atividade, os monges e monjas cortam tudo o que os poderia distrair ou impedir de perseguir essa meta.
Nesta vida, nós não podemos sacrificar completamente a nossa rotina diária, mas podemos, sim, simplificá-la cada vez mais, a fim de abrir espaço e tempo em nosso dia para Deus. E é por essa razão que na vida religiosa está o próprio coração da Igreja: ela é a garantia de que, em algum lugar e em algumas pessoas, o primado absoluto de Deus e do seu Reino está se cumprindo aqui e agora; é o sinal de que alguns cristãos estão confiando completamente nas promessas divinas e satisfazendo assim o mandamento do Senhor que diz: “Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6, 33).
O que acontece se nós dermos a Deus o dízimo do nosso tempo, assim como damos do nosso dinheiro? Fazendo isso, nós estamos dizendo ao Senhor que, por ser Ele o princípio e o fim da nossa vida, nós fazemos questão de lhe entregar uma parcela significativa do nosso tempo (assim como lhe entregamos da nossa renda), retribuindo assim um pouco, apenas um pouco, do tudo que Ele nos dá.
Sim, porque a meta de todo dízimo, no fim das contas, é habituar-nos a um espírito de generosidade, de modo a nos preparar para a vida consagrada do Céu, onde Deus será “tudo em todos” (1Cor 15, 28). Na hora da minha morte, em meu juízo particular, ou eu estarei preparado e disposto a me entregar completamente a Deus na alegria do Céu, ou me apartarei dEle rumo ao poço frio e escuro de egoísmo em que consiste o inferno. Se não nos treinarmos nesta vida para dar, e dar muito, para dar até que nos doa, para dar até que amemos fazê-lo, não devemos esperar uma transição fácil para o lugar onde, sem posses, nós tudo possuiremos (cf. 2Cor 6, 10).
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