A festa de hoje chama-se Apresentação da Bem-aventurada Virgem Maria, porque foi nesse dia que Ana e Joaquim, os santos pais de Nossa Senhora, consagraram sua filha ao serviço divino no Templo de Jerusalém, e que Maria se consagrou ao Todo-Poderoso.
Naquela época, havia dois modos de consagrar as crianças: um era estabelecido pela Lei, segundo a qual toda criança do sexo masculino deveria ser oferecida a Deus quarenta dias depois do nascimento, e toda criança do sexo feminino, oitenta dias depois. Essa cerimônia era chamada de consagração da criança e purificação da mãe. O segundo tipo de consagração era uma auto-oblação voluntária pela qual algumas pessoas se dedicavam ao Todo-Poderoso.
Havia também muitos pais que, antes ou imediatamente após o nascimento do filho, consagravam-no ao serviço do Senhor, às vezes por alguns anos, às vezes por toda a vida. Tendo em vista esse objetivo, foram construídas várias residências individuais junto ao Templo, para homens, mulheres, rapazes e moças, nas quais eles permaneciam durante o tempo estabelecido por eles mesmos ou por seus pais. Suas atribuições eram decorar o Templo e confeccionar as roupas que os sacerdotes e levitas usavam durante os ritos sagrados.
Com efeito, lemos no Primeiro Livro dos Reis que Ana, esposa de Elcana, fez o seguinte voto: se desse à luz um filho varão, ela o consagraria a Deus. O Senhor a abençoou, e ela deu à luz um filho, a quem chamou de Samuel e, mais tarde, consagrou ao Altíssimo pelas mãos do sumo sacerdote Heli. No Segundo Livro dos Macabeus, fala-se de virgens que viviam e eram educadas no Templo, ou seja, num edifício anexo a ele.
Conforme o sentir de vários Santos Padres, Ana e Joaquim, já em idade avançada e sem descendência, fizeram um voto a Deus de que, se Ele os abençoasse com um filho, tirando-lhes a desonra da esterilidade, eles o consagrariam ao seu serviço no Templo. Deus ouviu sua prece e os abençoou de tal modo que eles se tornaram pais da mais santa de todas as criaturas humanas: a Santíssima Virgem Maria.
Durante três anos, Ana e Joaquim conservaram em casa esse tesouro sagrado. Depois desse período, embora Maria fosse seu único consolo, renunciaram a ele com piedosa fortaleza, dando cumprimento ao seu voto. Por isso, foram com a filha até Jerusalém, apresentaram-na ao sacerdote no Templo e consagraram-na, pelas mãos dele, ao serviço do Todo-Poderoso.
Mas quem poderá descrever dignamente a devoção e veneração manifestadas por Maria durante a consagração? Ela não só consentiu alegremente na entrega: como, apesar da tenra idade, já estava na posse de toda a razão e conhecia melhor do que qualquer outra pessoa, no Céu ou na terra, a majestade daquele a quem se consagraria, ela ansiava pelo momento em que seria entregue a Ele. Por isso, dirigiu-se ao Templo cheia de alegria, com o coração pleno de devoção e amor a Deus e um desejo intenso de servi-lo.
A princípio, o sacerdote ficou muito admirado, não só com a beleza incomum da pequena criança, mas sobretudo com a devoção por ela demonstrada em tão tenra idade. Depois de recebê-la das mãos de seus pais, o sacerdote levou-a em direção ao altar e colocou-a no primeiro dos quinze degraus da escada que levava até ele. Depois de se despedir dos pais com algumas palavras, a menina subiu alegremente e sem ajuda, do degrau mais baixo ao mais alto e, prostrando-se diante do altar, consagrou-se ao Todo-Poderoso com tanta humildade e reverência, que todos os presentes ficaram profundamente comovidos.
A sua consagração foi muito diferente da de todas as outras crianças. Muitas eram levadas ao Templo apenas porque seus pais assim desejavam, e sem que elas mesmas soubessem as razões pelas quais era feito isso. Outras choravam amargamente ao se separarem de seus pais. Nenhuma outra, naquela tenra idade, compreendera a cerimônia, e nenhuma fizera a consagração com tamanha devoção ao Senhor. A Santíssima Virgem, porém, já dotada de razão, não só consentiu com o sacrifício que seus pais faziam a Deus, mas consagrou-se, inteiramente e com um coração feliz, ao seu serviço.
É impossível exprimir com palavras o quanto esse sacrifício deve ter sido agradável ao Senhor. É certo que, desde a criação do mundo até aquele momento, nenhum sacrifício fora tão agradável a Ele como o que Maria ofereceu em sua própria pessoa. Abel, Noé, Aarão e muitos outros sacrificaram ao Senhor os frutos da terra ou os animais selvagens, mas Maria ofereceu-se a si mesma. Muitos pais tinham consagrado seus filhos ao serviço de Deus, mas Maria excedeu a todos em graça e inocência, em virtudes e dons celestes; portanto, não se pode duvidar que seu sacrifício tenha superado todos os outros e sido mais agradável ao Todo-Poderoso.
Após a consagração, ela foi levada à residência das donzelas destinadas a servir o Altíssimo, e passou a ser contada entre elas. Lá permaneceu até o casamento com São José. É mais fácil imaginar que descrever sua conduta durante esse período, mas é certo que ela se parecia mais com um anjo que com um ser humano. Ocupava-se com a oração, a leitura, a meditação e o trabalho. Nas obras de São Jerônimo há um sermão sobre a Natividade da Virgem Santíssima, no qual se descreve assim a vida levada por ela no Templo: esforçava-se por superar em bondade todos aqueles com quem vivia; por ser a primeira nas vigílias noturnas, compreender mais profundamente a Sagrada Escritura, ser a mais humilde, cantar os Salmos de Davi com mais devoção, amar a Deus com mais fervor, ser a mais casta — numa palavra, ser a primeira em todas as virtudes, a fim de honrar o Todo-Poderoso e provar o seu amor por Ele.
Deus era o único tema de suas conversas. Ela rezava sem cessar e meditava na lei do Senhor. Santo Ambrósio, em suas instruções aos que tinham feito voto de castidade perpétua, apresenta-lhes Maria como exemplo, dizendo enfaticamente que sua vida tinha sido tal que poderia servir a todos de modelo. Diz ele:
Maria era virgem, não só no corpo, mas também no coração e na mente. Era modesta no falar e humilde de coração. Não ofendia a ninguém, tinha em mente o bem de todos, não era orgulhosa e amava a virtude. Nada havia de atrevido nem seu olhar, nada de frívolo em suas palavras, nada que fosse minimamente imodesto em todos os seus comportamentos. Seu corpo era o reflexo de sua mente, um modelo de piedade. Ela não descansava até que o exigisse a necessidade, e quando seu corpo descansava, sua alma permanecia desperta.
Isto e muito mais diz o referido Padre da Igreja em louvor da Santíssima Virgem. São Boaventura relata uma visão na qual a Mãe de Deus disse a uma pessoa santa: “Eu me levantava sempre de madrugada, ia até o altar do Templo e apresentava ao Todo-Poderoso meu louvor e meus desejos.” Tais desejos decorriam da graça de amar a Deus sobre todas as coisas e de todo o coração; de amar o próximo por amor a Deus; de guardar os Mandamentos do Senhor e de odiar tudo o que lhe fosse desagradável. O mesmo santo mestre acrescenta: “Maria empenhava-se muito em que nenhuma de suas companheiras ofendesse o Senhor, em que sempre o louvassem e jamais se dessem a conversas fúteis.” Diz ainda que Maria ocupava os pensamentos com santas contemplações e a boca com devotas orações, mas, ao mesmo tempo, empregava as mãos em trabalhos sagrados e aconselhava os outros a fazer o mesmo.
Muitos Santos Padres dizem que a Santíssima Virgem, logo depois de entrar no Templo, consagrou sua virgindade ao Senhor. Outros, com mais razão, afirmam que isso foi feito antes, e logo que ela foi concebida, pois já naquela ocasião era dotada do pleno uso da razão. Os Santos Padres Ambrósio, Jerônimo, Ruperto, Bernardo e muitos outros pensam que Nossa Senhora foi a primeira a fazer um voto de castidade, dando assim um exemplo a ser seguido por milhares de pessoas, desejosas de servir ao Senhor mais perfeitamente.
Certamente, a Santíssima Virgem, desde o primeiro uso da razão até o fim da vida, procurou sempre fazer aquilo que a tornaria mais perfeita e que a uniria mais intimamente ao Todo-Poderoso. Por isso é fácil concluir que ela acumulou um tão grande tesouro de méritos, como nenhum santo jamais possuiu ou possuirá. São Boaventura e São Bernardino de Sena aplicam-lhe as palavras dos Provérbios de Salomão: “Muitas filhas acumularam riquezas, mas vós superastes todas elas” (31, 29). De acordo com eles, muitas filhas refere-se a muitas almas, muitos santos, que juntaram riquezas em méritos, mas Maria supera a todas, tanto em graça como em virtudes e méritos. Conclui-se, portanto, que a glória dela no Céu ultrapassa a de todos os outros santos, razão pela qual a Igreja Católica lhe chama Rainha de todos os santos.
Nada mais justo do que honrarmos devidamente uma rainha tão excelsa e invocá-la com confiança, pois quanto mais elevada for a sua posição em relação à de todos os outros santos, tanto mais poderosa será a sua intercessão diante de Deus.
Considerações práticas
I. No terceiro ano de vida, a Santíssima Virgem Maria consagrou-se ao serviço do Todo-Poderoso, não apenas por dias ou anos, mas por toda a vida, porque jamais deixou de servir ao Senhor até a morte.
E você, como tem vivido? Também começou a servir a Deus desde a infância? A quem dedicou os seus primeiros anos de vida? Ah! Confesse com lágrimas nos olhos e com o coração arrependido: não ao Senhor, mas ao mundo, à carne e a Satanás você entregou os anos de sua juventude; e talvez ainda não tenha feito a resolução de servir ao seu Deus; ou mesmo chegue a pensar que terá tempo suficiente quando for velho, embora não saiba se viverá muitos anos.
Mas, ainda que tivesse certeza disso, diga-me se você não mereceria ser renegado como um segundo Caim, já que, como ele, sacrificou ao Todo-Poderoso apenas o que era de menor valor, e não o melhor, como fez o piedoso Abel. Deus amaldiçoou aquele que ofereceu o que de mais insignificante havia em seu rebanho. Você também merece essa maldição por não ter oferecido ao Senhor seus primeiros e melhores anos, reservando para Ele a sua velhice. Oh, você realmente tem motivo para lamentar essa loucura enquanto viver!
Suplique humildemente a Deus que o perdoe, e proponha-se, ao mesmo tempo, servi-lo a partir de agora com o máximo fervor e sem cessar, até a morte, como fez a Santíssima Virgem. É possível que não lhe reste senão um breve período de vida: portanto, empregue cada momento no serviço de Deus. O benefício será seu e perdurará por toda a eternidade.
II. Ao consagrar-se ao Todo-Poderoso, a Santíssima Virgem entregou-se a Ele inteiramente, sem qualquer reserva. Alma e corpo, todas as forças de sua alma, todos os membros de seu corpo, seu coração e sua vida, tudo foi entregue para sempre ao serviço do Altíssimo.
Não tenho dúvida de que, a partir de agora, você está decidido a servir com todo o fervor ao seu Deus. Portanto, consagre-se hoje ao serviço do Senhor, mas sem reservas: coração, vida e alma, todas as forças, todo o corpo com todos os seus membros. Sacrifique tudo de boa vontade e para sempre ao Senhor. Ele, que deseja o coração inteiro e não apenas uma parte, deseja também toda a sua alma, todo o seu corpo, toda a sua vida.
Quer dividir seu coração e dar uma parte ao Todo-Poderoso e a outra ao mundo e a Satanás? Servir a Deus com um membro de seu corpo e ofendê-lo com outro? Empregar sua memória em honrar a Deus com bons pensamentos, mas sujar sua vontade com desejos perversos? Então não pense que seu sacrifício lhe será agradável. Será antes um horror aos olhos daquele que nos manda servir somente a Ele e sacrificar tudo ao seu serviço.
Faça hoje um sacrifício perfeito, para que possa, ao menos em alguma medida, imitar a Santíssima Virgem. E tome cuidado para que, depois de algum tempo, não retroceda em seu sacrifício. Consagre hoje seus olhos, sua língua e suas mãos com a intenção de usá-los apenas a serviço de Deus. Tome cuidado, para, ao fim de algumas horas ou dias, não abusar deles, ofendendo o Senhor, pois isso seria o mesmo que roubar do altar o que você já ofereceu ao Altíssimo. Maria não agiu assim. Está escrito: “Porque eu, o Senhor, amo a justiça e aborreço o fruto das rapinas” (Is 61, 8).
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