Em um episódio ao vivo recente sobre pecados veniais (abaixo), Padre Paulo Ricardo explicou a importância do combate a essas faltas que, por “leves” que sejam — e, portanto, não chegarem a ferir de morte a vida da graça em nós —, são verdadeiras ofensas a Deus, com as quais não podemos “brincar”, pois, como se nada fossem. 

Para entender melhor a gravidade de um só pecado venial, talvez nos fosse necessário sair de nossos raciocínios carnais e consultar um pouco a sabedoria dos santos, os quais, justamente pelo muito que amaram a Deus, tinham horror à menor das coisas que pudessem desagradá-lo.

Esses homens e mulheres viviam da fé (cf. Rm 1, 17); suas existências estavam ancoradas nas realidades sobrenaturais, invisíveis a olhos humanos. Nós, porém, movidos como somos pelos sentidos, damos mais valor às tragédias deste mundo do que às que se passam no interior de nossas almas. Assim é porque pequena, fraca, quase insignificante, é a nossa fé.

Mas um Cardeal Newman, por exemplo — cuja canonização a Igreja já confirmou para o próximo dia 13 de outubro —, assegurava que, para a Igreja Católica, “é preferível o sol e a lua caírem do céu, a terra desaparecer, os milhões de seres humanos que a povoam morrerem de fome na pior das agonias, até onde possa chegar a aflição temporal, a admitir que uma só alma, não digo, se perca, mas cometa um único pecado venial” [1]. Nisso crê a Igreja, de fato, ciente de que “nada acontece no mundo exterior que não tenha acontecido dentro de uma alma” [2]. É aí que se passa o verdadeiro drama da humanidade; é aí que acontece a mais importante de todas as batalhas; é aí que se decide deveras o futuro do homem. 

E se muitos de nós, dizendo-nos católicos, não mais cremos nisso; se muitos de nós achamos a preservação das florestas ou do mico-leão dourado mais importante do que a salvação das almas; o respeito às culturas humanas, mais do que o cumprimento do mandato de Nosso Senhor de evangelizar todos os povos; o combate das catástrofes e misérias naturais, mais do que o combate à desgraça espiritual do pecado… somos nós que nos distanciamos do que é a Igreja. Não foi ela que mudou — porque a Igreja, em sua essência, sendo continuação da Encarnação do Verbo de Deus na história, é a mesma ontem, hoje e pelos séculos (cf. Hb 13, 8) —, mas nós que miseravelmente mudamos, abandonando a fé que nos legaram os Apóstolos, os mártires e os santos de todos os outros séculos.

Vejamos, por exemplo, com que zelo a grande Santa Teresa de Jesus pedia a suas irmãs que se preservassem das mínimas faltas, por amor a Deus. Cuidando antes de distinguir “entre (i) os pecados veniais de pura fragilidade, cometidos por surpresa ou com pouca advertência e deliberação, e (ii) os que se cometem friamente, dando-se perfeita conta de que com isso se desagrada a Deus” [3], ela não deixava de deplorar profundamente essa última espécie de faltas:

Quanto aos [pecados] veniais, cuidai muito para não fazê-los. Refiro-me aos que se cometem com advertência, pois, de outra maneira, quem estará livre de cometer muitos? Mas há uma advertência irrefletida. E há outra tão rápida que, na prática, cometer o pecado venial e refletir sobre ele são uma única coisa. Sequer chegamos a entender o que fazemos. 

Deus nos livre de pecado plenamente deliberado, por menor que seja! Tanto mais que não pode ser pequena coisa, já que se volta contra tão grande Majestade e uma vez que sabemos que Ele está nos observando! Isso me parece pecado premeditado, como se alguém dissesse: “Senhor, farei isto mesmo que vá contra Vós; sei que o estais vendo, que não o desejais e o compreendo, mas quero antes seguir o meu capricho e o meu apetite do que a Vossa vontade.” Não creio que haja pouco em coisas deste teor, por mais leve que seja a culpa, mas muito, e muitíssimo [4].

I. Concentremo-nos, primeiro, nos pecados veniais inadvertidos, a respeito dos quais se perguntava Santa Teresa: “Quem estará livre de cometer muitos?” A distinção é importante contra a ilusão de que o ser humano, na sua ascensão até Deus, pudesse desenvolver uma espécie de impecabilidade, como se deixasse de ser “livre” à medida que crescesse na união com Ele, ou como se pudesse ter, já nesta vida, a plena segurança de não mais o ofender. 

Contra essa ideia, o Concílio de Trento alerta que “nesta vida mortal, também se santos e justos, alguma vez os cristãos caem ao menos em pecados leves e quotidianos, que se chamam também veniais, sem por isso deixar de ser justos” [5], ajuntando que dessas faltas inadvertidas, cometidas por fragilidade, só “por especial privilégio de Deus” os homens podem ser poupados, como o foi a Virgem Maria, e como o pode ter sido, também, São José, seu Esposo castíssimo [6]. 

Esses pecados, explica ainda o Pe. Royo Marín, nós “nunca o poderemos evitar de todo, e Deus, que conhece muito bem o barro de que somos feitos, apieda-se facilmente de nós”. Só o que nos cabe fazer com relação a eles é “tratar de diminuir seu número até onde seja possível e evitar o desalento, que seria fatal para o avanço na perfeição e que supõe sempre um fundo de amor próprio mais ou menos dissimulado” [7].

Essa verdade lança uma luz extraordinária sobre nossa própria vida, porque nos recorda que a graça de Deus é um tesouro precioso que trazemos em vasos de barro (cf. 2Cor 4, 7). Embora seja, de fato, muito mais difícil para um santo “de sétima morada”, por exemplo, cometer um pecado mortal, ou mesmo um pecado venial plenamente advertido e deliberado — dado o progresso espiritual em que se encontra —, nesta vida ninguém pode se sentir absolutamente seguro nesse ponto. 

É por isso que, respondendo se a caridade nesta vida pode ser perfeita, no sentido de o coração do homem estar elevado sempre e atualmente para Deus, Santo Tomás de Aquino explica tratar-se de uma perfeição possível apenas na pátria celeste (cf. STh II-II 24, 8 c.). Noutro lugar ele explica ainda que, no estado de viator em que nos achamos (isto é, de viandantes, a caminho do Céu), a caridade pode, sim, ser perdida (cf. STh II-II 24, 11 c.). “Essa segurança não a teremos em vida”, advertia Santa Teresa, “porque constituiria grande perigo” [8]. Em outras palavras, o ser humano, por mais luzes e graças que tenha recebido de Deus, nesta vida ainda pode enganar-se, fazer mal a si mesmo e perder a glória do Céu.

Isso é importante para andarmos sempre desconfiados de nós mesmos e não nos esquecermos que, se viermos a nos salvar, será por pura misericórdia de Nosso Senhor, ao mesmo tempo que, se nos perdermos, será por nostra culpa, nostra maxima culpa, e de mais ninguém.

II. Voltando, porém, aos pecados veniais cometidos com pleno juízo do que se está fazendo, prestemos atenção ao realismo com que Santa Teresa os descreve. Esta santa Doutora diz que é como se nos aproximássemos de Deus e lhe disséssemos: “Senhor, farei isto mesmo que vá contra Vós; sei que o estais vendo, que não o desejais e o compreendo, mas quero antes seguir o meu capricho e o meu apetite do que a Vossa vontade.”

Explicado assim o pecado venial, não há como não nos saltar aos olhos a sua malícia. Se à pessoa que ama contrista o mínimo ato ofensivo à pessoa amada, as faltas “leves” que de propósito fazemos questão de cometer contra Nosso Senhor nada mais são do que sinais de pouco amor… Dentro de um casamento, atitudes assim, repetidas e não reparadas, vão pouco a pouco minando o relacionamento e tornando impossível a união própria do sacramento, e na vida espiritual não é diferente. O Pe. Royo Marín explica que “quando os pecados veniais se cometem friamente, dando-se perfeita conta, com plena advertência e deliberação”, eles “representam um obstáculo insuperável para o aperfeiçoamento da alma” e torna-se como que “impossível dar um passo firme no caminho da santidade” [9].

Por isso, só o que nos resta é exclamar com Santa Teresa: “Deus nos livre de pecado plenamente deliberado, por menor que seja!” Talvez, agora, sintamo-nos meio que forçados a dizer essas palavras, sem conseguir penetrar muito a profundidade delas. A nossos sentimentos talvez parecerá um “exagero”, uma “extravagância”, lidar assim com as faltas que tantos de nós já transformamos até em “pecados de estimação”, por assim dizer. Mas isso só acontece — convençamo-nos de uma vez para sempre — porque estamos muito distantes do que somos chamados por Deus a ser, e é para essa direção (a mesma que seguiram os santos), que devemos olhar, não para nós mesmos, não para nosso egoísmo.

Peçamos, pois, a Deus que nos envie sem cessar as suas graças, para irmos compreendendo cada vez mais a malícia do pecado — não só do pecado mortal, mas também a malícia das “pequenas” ofensas, dos “pequenos” descuidos, das “pequenas” negligências. Pois é só na aparência que essas coisas são insignificantes: não pode ser realmente pequeno um pensamento, uma palavra ou uma ação que ofenda a um Deus tão grande.

Referências

  1. Card. John Henry Newman, Apologia pro vita sua (c. 7). London: Oxford University Press, 1913, p. 339.
  2. Fulton Sheen, A paz da alma. Trad. port. de Oscar Mendes. São Paulo: Molokai, 2015, p. 7.
  3. Pe. Antonio Royo Marín, Teología de la perfección cristiana. Madri: BAC, 2015, pp. 288-289.
  4. Caminho de Perfeição, XLI, 3.
  5. Concílio de Trento, Decreto sobre a justificação, s. VI, 13 jan. 1547 (DH 1537).
  6. Ibid. (DH 1573).
  7. Pe. Antonio Royo Marín, op. cit., loc. cit.
  8. Caminho de Perfeição, XLI, 9.
  9. Pe. Antonio Royo Marín, op. cit., loc. cit.

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