Lembro-me do estado de choque e incredulidade que me acometeu quando nossa diocese fechou todas as igrejas. Parecia impossível (e ainda parece) que os leigos pudessem ficar sem os sacramentos. Como isso pode ser aceitável? Numa época de pandemia e em meio a tanto medo e incerteza, parece que os sacramentos são aquilo de que mais precisamos! Mesmo assim, sabemos que, se Deus permite que algo nos seja tirado, é para nos ensinar alguma coisa, o que, em última instância, serve para gerar um bem maior por meio do sofrimento de sua Igreja. Mas que bem poderia vir da ausência dos sacramentos?

Creio que são muitas as razões pelas quais Deus permitiu essa pandemia, mas no campo específico da fé católica Deus deseja suscitar maior devoção e amor pelo que é sagrado e reservado — a saber, os sacramentos, particularmente a Sagrada Eucaristia. Sabemos que a Igreja em geral ficou, no mínimo, acostumada ao imenso e inimaginável dom do Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Cristo. Sabemos isso não somente pela falta de reverência a Deus no santo sacrifício da Missa, mas também pelo recente estudo do Pew Research Center, que mostrou que apenas um terço dos católicos [norte-americanos] crê na Presença Real.

Não é necessário ser teólogo ou membro do clero para saber que a Eucaristia é a fonte e o  ápice da fé católica e, portanto, deve ser defendida e protegida custe o que custar. Por isso, quando ela não é protegida e devidamente adorada no coração de muitos de nossos pastores, não é de estranhar o efeito multiplicador que a falta de devoção deles tem sobre os leigos. Muitos fiéis são desleixados e preguiçosos na preparação para o santo sacrifício da Missa e não fazem nenhum esforço para preparar sua alma para receber a sagrada Comunhão. Não posso afirmar que necessariamente os considere culpados. Talvez eu estivesse na mesma situação se não tivesse tido a sorte de receber uma boa catequese. 

Isso, porém, revela um problema estrutural. De regra, as pessoas não estão em busca da beleza e do conhecimento de sua fé. Se estivessem, isso seria evidente. Nossas capelas de adoração estariam cheias. Os idosos não seriam os únicos a assistir diariamente à Missa. E talvez, quando chegasse o momento de receber em nosso corpo o maior dom e milagre de nossas vidas, o Deus do universo (o próprio Amor), poderíamos agir de um modo que tornasse aparente a realidade, a profundidade e a seriedade do que está ocorrendo.

É o momento de todo católico buscar a Deus como nunca antes o buscou! Se o fechamento das igrejas não for um alerta para os católicos, não sei o que será. Devemos lutar com um fervor ainda maior para permanecer perto de Jesus nesta época de tanta carência espiritual e de tantos pecados dentro e fora da Igreja. O Venerável Servo de Deus Fulton Sheen disse certa vez:

Quem salvará nossa Igreja? Não serão os bispos, os sacerdotes nem os religiosos. Caberá a vocês, o povo. Vocês possuem as mentes, os olhos e os ouvidos para salvar a Igreja. Sua missão é garantir que os sacerdotes ajam como sacerdotes, os bispos como bispos e os religiosos como religiosos. 

Agora é o momento de os leigos se unirem e fazerem reparação a Deus pelos pecados dos líderes da Igreja que permitiram o crescimento e a multiplicação da semente da irreverência com a Sagrada Eucaristia, e pelos pecados do mundo em geral, de pessoas que rejeitaram e condenaram completamente algumas das mais básicas leis de Deus.

Creio que Deus tenha permitido a falta de acesso aos sacramentos a fim de nos alertar para o fato de muitas pessoas desprezarem e não amarem sua Presença Real. Quantas vezes por dia Ele é recebido de forma indigna na sagrada Comunhão? 

Portanto, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será culpável do corpo e do sangue do Senhor. Que cada um se examine a si mesmo e, assim, coma desse pão e beba desse cálice. Aquele que o come e o bebe sem distinguir o corpo do Senhor, come e bebe a sua própria condenação. Essa é a razão por que entre vós há muitos adoentados e fracos, e muitos mortos (1Cor 11, 27-30) [1].

Quantas vezes fragmentos visíveis da Eucaristia caem no chão sem que os fiéis se importem ou percebam, por termos descartado as patenas e aderido à Comunhão na mão?

Por essas e outras razões, eu gostaria de recomendar uma devoção específica para remediar a falta de amor e reverência a Jesus, que nos ama tão profundamente a ponto de assumir a forma de pão a fim de que possamos, literalmente, consumir todo o seu ser.

Minha inspiração para essa devoção vem de um homem que considero santo: o Venerável Fulton Sheen. Ele era conhecido por fazer uma hora de adoração todos os dias. No entanto, quando tinha de viajar e não achava tempo para adorar quando as igrejas ainda estavam abertas, durante a noite ele se dirigia à igreja mais próxima, parava o carro no estacionamento e fazia ali mesmo sua hora de adoração (o mais perto que podia estar de Jesus).

Bem… nossas igrejas estão fechadas, mas seus estacionamentos não estão!

O fato de nossas capelas de adoração estarem fechadas não significa que devamos deixar de adorar por causa de uma ou duas paredes que nos separam da Presença Real de Jesus. Ele reconhece o sacrifício que estamos fazendo. Sabe que desejamos profundamente estar em sua Presença. Aqueles que realizavam sua hora de adoração semanal… por que deixá-la de lado? Por que não poderíamos fazer esse sacrifício para ficar tão perto quanto possível dEle?

Não foi para ficar perto do Corpo de Jesus que Maria Madalena foi até o túmulo onde o haviam depositado após a crucifixão? Ela não chorou porque seu corpo já não estava lá? E nós? Choramos pelas portas de nossas igrejas (onde Cristo habita) terem sido fechadas? Se Maria Madalena visitou o túmulo de Jesus com o objetivo de reverenciar seu Corpo sem vida, quanto mais não deveríamos nós ir até nossas paróquias para ficar tão perto quanto possível de Jesus vivo? Não deveríamos implorar a Deus que retire a pedra que nos mantém afastados do alimento espiritual dos sacramentos, principalmente do Pão da Vida? 

Mas, antes de Deus mover a pedra que fecha nossas igrejas, talvez devamos entender o que ela representa. Ela poderia representar o peso esmagador de nossos pecados? Se ela está lá por causa dos nossos pecados, devemos reparar as ofensas feitas contra Deus, especialmente as ofensas contra sua Presença Real. Não nos esqueçamos da parábola do amigo persistente que lemos em Lc 11, 5-8, na qual Jesus conta a história de um homem que aparece na casa de seu amigo tarde da noite a fim de pedir pão para um hóspede inesperado. No final da história, Jesus diz: “Eu vos digo: no caso de não se levantar para lhe dar os pães por ser seu amigo, certamente por causa da sua importunação se levantará e lhe dará quantos pães necessitar.”

Assim como o homem que foi até a casa de seu amigo e bateu à porta para pedir pão insistentemente e obter alimento físico para si e para seus amigos, também nós deveríamos nos aproximar com insistência da casa de Deus e bater espiritualmente à sua porta para implorar o pão que alimenta espiritualmente a nós e a nossos amigos com a vida eterna de Jesus Cristo.   

O fechamento das igrejas por causa do horário normal de expediente não impedia que Fulton Sheen fizesse sua hora de adoração no estacionamento da paróquia. A rocha não impediu que Maria Madalena visitasse o Corpo de Cristo. Tampouco uma pandemia deveria impedir os fiéis de chegarem o mais perto possível de Jesus. Na verdade, isso deveria ser motivo para o buscarmos ainda mais! 

Nesta época sem precedentes, rezo para que, como católicos, possamos pôr em prática o nome “católico” (que significa “universal”) e ir juntos, universalmente, até as portas de nossas igrejas fechadas, onde Jesus está presente, para que juntos possamos a uma só voz clamar: “Senhor, nós cremos e pedimos misericórdia por todos os que não creem.”

Notas

  1. Sobre a omissão desse trecho da Carta de São Paulo aos Coríntios no novo Lecionário da Missa, v. Peter Kwasniewski, When the Yearly Biblical Readings of Immemorial Tradition Were Cast Away, 3f: “O alerta de São Paulo para que evitemos receber o Corpo e o Sangue do Senhor indignamente, isto é, para a nossa própria condenação, foi omitido de todas as Missas no Novus Ordo por quase meio século. E, no entanto, na Missa latina tradicional, esses versículos são escutados ao menos três vezes todos os anos: uma na Quinta-feira Santa [...] e duas em Corpus Christi [...]. Os católicos que frequentam o usus antiquior sempre terão essas palavras desafiadoras colocadas diante de suas consciências. Sejamos francos: o conceito de uma Comunhão indigna simplesmente desapareceu da consciência católica em geral” (Nota da Equipe CNP).

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