A mensagem do Natal não é que a paz virá automaticamente porque Cristo nasceu em Belém; aquele nascimento em Belém foi o prelúdio do nascimento dele em nossos corações por meio da graça, da fé e do amor. A paz pertence só aos que querem tê-la. Se não há paz no mundo hoje, não é porque Cristo não veio; é antes porque não o deixamos entrar (Venerável Fulton Sheen).

A partir da noite bendita de Natal, todos os homens deveriam repetir, antes de dormir, as palavras do profeta Simeão: “Deixai, agora, vosso servo ir em paz, conforme prometestes, ó Senhor. Pois meus olhos viram a vossa salvação, que preparastes ante a face das nações”. A oração das Completas, na Liturgia das Horas, proclama justamente esse hino de louvor e ação de graças pelo Verbo que se fez carne e veio a este mundo para trazer a paz.

A paz do Menino Jesus, porém, não é simplesmente uma ausência de conflitos ou um estado de ataraxia, por assim dizer. Ela exige um empenho do coração. Trata-se, como diz S. Paulo, de uma perseverança na tribulação, que “leva a uma virtude comprovada, e a virtude comprovada desabrocha em esperança” (Rm 4, 4), na certeza de que Deus é capaz de realizar o que prometeu, ou seja, “um novo céu e uma nova terra”, onde não haverá mais morte, nem luto, nem grito, nem dor (Ap 21, 1.4). Por isso, seguimos lutando para preservar o dogma da fé e a lei moral, mesmo quando tudo parece perdido e condenado à desolação. Si vis pacem, para bellum: “Se queres a paz, prepara-te para a guerra”.

Nosso Senhor advertiu, na pregação do Evangelho, que é do coração dos homens, ferido pelo pecado original, que se originam as guerras mundiais ou civis. Porque se uma pessoa não consegue vencer as próprias inclinações egoístas e desordenadas, a chance de ela vir a se rebelar contra o seu irmão é altíssima. Durante a década de 1990, o mundo assistiu horrorizado à guerra fratricida que se desencadeou na região dos Bálcãs, antiga Iugoslávia. Um cenário que parecia ter ficado para trás, depois dos tratados de paz e do julgamento de Nuremberg, voltou a se apresentar com toda a crueldade: campos de concentração para uma “limpeza étnica” e civis mortos nas frentes das câmeras. É que não existe acordo diplomático capaz de apaziguar as paixões humanas se estas não tiverem sido purificadas pela graça.

Nesse contexto, o Papa João Paulo II foi uma das poucas vozes mundiais a dirigir uma palavra de sabedoria aos responsáveis pelas guerras. No dia 18 de dezembro de 1994, quarto domingo do Advento, poucos dias antes do Natal, ele clamou da janela de seu quarto: “Parem, parem diante do Menino”. Quase como um Arcanjo Gabriel, o Santo Padre quis dirigir o olhar dos pastores de seu tempo àquele que veio trazer a paz para os homens de boa vontade. Mas notem a locução adjetiva: homens de boa vontade. A paz do Menino Jesus só é dada a quem faz guerra contra as más inclinações e se detém diante da criança, a fim de contemplá-la. Homens de vontades desenfreadas, por outro lado, são como uma locomotiva que avança loucamente contra tudo o que está em seu caminho. E ela só para quando cai em um precipício, ou seja, no inferno.

Esse clamor do Papa João Paulo II é especialmente oportuno para nossa época também. Após um ano conturbado pela pandemia de Covid-19 e outros problemas, chegamos a dezembro na mesma condição descrita pelo profeta Jeremias: “Esperávamos paz, mas não veio nada de bom, um tempo de cura, e eis o terror” (8, 15). Nos meses de espera por uma solução, populações inteiras se trancafiaram em casa, mas não para contemplar o Menino. Na verdade, apenas um “pequeno resto” manteve como pôde a oração e outras práticas de piedade, mesmo longe dos sacramentos. Os demais, porém, se dedicaram aos prazeres da carne, deleitando-se em lives, séries, comilanças e impurezas, esperando não de Deus, mas do faraó do Egito a libertação e a paz. E o que receberam foi apenas decepção, ansiedade, depressão e medo da tal “segunda onda”, consequências funestas para a saúde mental que já são avaliadas pelos especialistas como uma “pandemia oculta”.

Mas a locomotiva desgovernada, mesmo assim, não quer parar diante do Menino. Ela segue estabanada em busca de um “grande recomeço” para a civilização, em cujo centro não esteja mais Deus nem o ser humano, mas uma pequena elite autoritária que arrogou para si a “salvação do mundo”. E essa elite já não esconde a que veio: é para implantar a “Nova Era”, a “Era de Aquário”, onde todos viverão supostamente livres e em paz para ser e fazer o que quiserem, de mudança de sexo a aborto. Só que essa liberdade virá apenas, insinuam eles, se nós, homens de pouca monta, aderirmos, com religioso obséquio da vontade e da inteligência, a tudo o que disserem e ensinarem as suas instituições mundanas. Do contrário, o coturno e o punho de ferro do Estado nos aguardam.

É claro que essa Babilônia não deve durar mais que uma hora de pé. A ela bem se aplica a advertência do Papa Pio XI aos líderes de sua época: “Os males vão se agravando a cada dia, [...] sobretudo porque as diversas propostas e as repetidas tentativas dos homens de Estado para remediar a situação foram até agora inúteis e inclusive contraproducentes” (Ubi Arcano Dei Consilio, n. 11). O Santo Padre falou essas palavras num contexto diferente do nosso, é verdade, mas do qual podemos tirar lições bem pertinentes, a julgar pelos efeitos negativos da I Guerra Mundial sobre a moral e a religiosidade das pessoas e o modo como os políticos quiseram remediá-los.

Pio XI viu que os homens queriam superar o período anterior construindo uma nova civilização, um “novo normal”, por assim dizer, em cima de acordos frágeis e de uma moral débil, que não tivesse mais Cristo como medida. Por isso, o Papa recordou-lhes as palavras do profeta Isaías: “Aqueles que abandonam o Senhor, perecerão” (1, 28), uma sentença divina verificada em todos os tempos, afirmou o Santo Padre, “mas realizada agora com maior evidência aos olhos de todos”  (Ubi Arcano Dei Consilio, n. 27). Porque os homens que querem construir um mundo sem Deus “fracassam com frequência em todos os intentos realizados para reparar os males e salvar os restos de tantas ruínas” (Id.). Quando olhamos para a forma como as autoridades querem enfrentar a crise atual, com muitos se aproveitando da situação para guerras políticas, ideológicas e, inclusive, biológicas, não nos soam verdadeiramente proféticas essas admoestações do Bispo de Roma? De fato, a única coisa que esses homens conseguem produzir é mais perturbação em vez de paz.

“Sem mim, nada podeis fazer”. Por isso, aproveitando o tempo do Natal, é urgente que atendamos àquele clamor de S. João Paulo II, detendo-nos diante do Menino e deixando que Ele gere em nosso coração “as virtudes comprovadas” e “a esperança que não decepciona”, das quais nos fala S. Paulo (Rm 5, 3-5). Apenas corações virtuosos podem permanecer em paz no interior de suas almas enquanto aguardam pacientemente o triunfo definitivo do Senhor. E são esses corações virtuosos que devem tomar a peito o cuidado pela próxima geração.

Pior que a pandemia de Covid-19 é a pandemia de pecados que se instalou dentro dos homens, dos quais se espera a direção das próximas décadas. Se estes, portanto, e não aqueles corações virtuosos, vierem a assumir o controle dos governos e instituições, devemos nos preparar para um futuro muito sombrio e “a humanidade, que já agora corre grave risco, chegará talvez desgraçadamente, apesar da sua admirável ciência, àquela hora em que não conhecerá outra paz além da horrível tranquilidade da morte” (Gaudium et Spes, n. 82).

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