Há alguns anos, J. K. Rowling era uma das mulheres mais populares do mundo, adorada por milhões graças à série de livros Harry Potter, adaptada depois para o cinema. Era também politicamente correta o bastante para ser admirada pelos figurões mais importantes. Rowling era, numa palavra, imune ao erro.

J. K. Rowling

Mas as coisas já não são assim. Atacada com frequência nas redes sociais e injuriada pela imprensa, por políticos e especialistas de toda casta, Rowling foi considerada persona non grata para a celebração do aniversário de 20 anos do primeiro filme de Harry Potter.

Que crime cometeu ela? Fez experimentos com cãezinhos, como o Dr. Fauci? Coordenou uma rede de tráfico sexual, como Ghislaine Maxwell? Ou matou alguém por acidente, como Alec Baldwin?

Pois nada disso. Tudo o que Rowling fez foi “acreditar na ciência”. Em concreto, no dado óbvio de que homem é homem e mulher é mulher. Culpada de tão hediondo crime, ela foi expulsa do círculo das “pessoas dignas de respeito”, além de ser tratada como extremista, uma espécie de “leprosa social”.

A reputação de Rowling começou a mudar em dezembro de 2019, quando defendeu Maya Forstater, especialista em negócios que perdeu o emprego por conta de supostos tuítes “transfóbicos”. Mais tarde, em 6 de junho de 2020, Rowling respondeu pelo Twitter a um artigo em que se lia a frase “pessoas que menstruam”:

“Pessoas que menstruam”. Tenho certeza de que há uma palavra para designar essas pessoas. Alguém me ajude. Wumben? Wimound? Woomud?

Uma simples afirmação sobre gramática e biologia revelou ao mundo que Rowling era com certeza “transfóbica”. Naquela altura, muita gente (eu, inclusive) pensou que ela cederia à pressão das turbas, publicando um covarde mea culpa pelo terrível pecado que cometeu. Afinal, é o que fazem as celebridades metidas a justiceiras sociais, não?

Pois Rowling não baixou a cabeça. Na verdade, dobrou a aposta, argumentando que o movimento transgênero era, ainda por cima, nocivo às mulheres. Por isso a tacharam de “feminista radical trans-excludente” (TERF, na sigla em inglês). Noutras palavras, trata-se de uma feminista para quem apoiar as mulheres significa, bom… apoiar mulheres de verdade, não “mulheres” de mentira.

Em seu site, Rowling teceu uma longa apologia de suas opiniões, e embora tenha afirmado crer na existência de mais de duas “identidades de gênero”, só uma coisa importava às súcias tuiterias: o fato de ela não ter se curvado ao bezerro de ouro transgênero, nem “forçar” o mundo a tratar os “transgêneros” como se fossem biologicamente mulheres. Urgia, pois, “cancelá-la”.

Mas que importância tem isso? Afinal de contas, Rowling é bilionária, não precisa preocupar-se com o emprego, nem com o sustento da família. Não lhe faltam condições para viver luxuosamente outras dez vidas. Por que os reles mortais deveriam se importar com o “cancelamento” dela?

Na verdade, a forma como trataram Rowling traz à tona a já bem conhecida cultura do medo em que vive hoje o Ocidente, promovida e imposta pela união incestuosa entre meios de comunicação de massa, empresas da Big Tech, grandes corporações, universidades e governos. Também conhecido como Eixo dos Justiceiros Sociais, esse grupo tem uma visão unificada de futuro, e ai de quem ousar colocá-la em xeque!

Quando jovens, sentíamos pena dos cidadãos soviéticos por não terem a liberdade de manifestar-se. Qualquer palavra menos prudente dita à pessoa errada poderia trazer para jantar em casa um agente da KGB. Quem quer que questionasse o governo comunista corria o risco de perder o sustento, e talvez a vida, por mínima que fosse a questão.

Algo parecido sucede hoje, menos sob os punhos de ferro de um governo autoritário (embora a cultura do medo dê poder também a governos autoritários) que sob as “luvas de pelica” do Eixo e das turbas “democráticas” prontas para obedecer às suas ordens. 

Se você disser ou compartilhar algo “errado” nas redes, seja ressaltando um fato sobre sexo, condenando uma prática imoral ou mesmo expressando dúvida quanto ao que se noticia sobre a Covid-19 —, porá em risco emprego e amizades. Sua vida poderá vir abaixo como a de uma família soviética, cujo pai “desapareceu” no meio da noite. Se algum informante do Eixo tornar público um “crime de pensamento”, a vida do “culpado”, tal como ele a conhecia até então, poderá muito bem chegar ao fim.

Opressora, a cultura do medo não pára de crescer. No início, eram os tuiteiros de plantão que iam atrás de você; hoje, é o próprio Twitter que tapa a boca de seus usuários. A Big Tech é o tentáculo mais conhecido do Eixo, mas todos os outros trabalham conjuntamente para desacreditar e silenciar qualquer um que ouse desafiar a “narrativa” oficial em matéria de sexualidade, medicina e ciência, enquanto a maioria das pessoas não tem nem de longe os recursos de J. K. Rowling  para conseguir recorrer.

A cultura do medo põe nas mãos de um pequeno grupo a capacidade de impor à população em geral uma mudança profunda de pensamento. Uma pesquisa recente indicou que 75% dos norte-americanos acreditam que só existem dois sexos. A notícia pode parecer boa, mas se a mesma pesquisa tivesse sido feita dez anos atrás, sabemos que o resultado seria muito mais próximo dos 100%. Creio até que muitos se surpreendam com um número ainda tão elevado (75%), já que o Eixo passa a impressão de que só um punhadinho de gente retrógrada se nega a aceitar sua “Nova Biologia”. E é justamente isso o que faz cair pouco a pouco a porcentagem. Afinal, ninguém quer pertencer a um grupo de ostracizados.

Ao rotular de intolerante e se esforçar por banir da sociedade qualquer voz dissonante, os radicais do Eixo alargam na Janela de Overton [i] os parâmetros do que se considera “normal”, e as pessoas, vencidas pelo cansaço, passam a acreditar que, de fato, preto é branco, que se pode descer para cima e subir para baixo.

Como frear a cultura do medo e resistir ao Eixo dos Justiceiros Sociais? A resposta mais óbvia é: seguir as palavras de Nosso Senhor: “Não tenhais medo” (Mt 14, 27). É certo que há um poder maior que o do Eixo, um poder que não governa pelo medo, mas pelo amor. Cristo disse: “Não temais os que matam o corpo, e não podem matar a alma. Temei antes aquele que pode lançar na geena a alma e o corpo” (Mt 10, 28). Por enquanto, o Eixo só pode matar carreiras e reputações, mas nunca será capaz de matar nossa alma.

Na prática, isso significa que podemos resistir diretamente à cultura do medo. Devemos falar mais alto em nosso meio social e profissional quando se quiser vender mentira por verdade, mas sem nos escondermos atrás de nomes ou perfis falsos. Temos de ajudar espiritual e financeiramente os que perderam seu sustento por terem dito a verdade. Não podemos endossar as mentiras que permeiam nossa cultura.

E temos de resistir ao Eixo dos Justiceiros Sociais fazendo tudo o que estiver ao nosso alcance para não apoiar as entidades que o compõem — meios de comunicação, Big Tech, grandes corporações, universidades e governos. Isso não é fácil, já que são tentáculos de longo alcance. Mas é o que temos de fazer, se quisermos derrubar a cultura do medo. 

Apesar de seus erros, não deixa de ser louvável que J. K. Rowling tenha confrontado a cultura do medo e encarado o Eixo dos Justiceiros Sociais. Mas para derrotá-lo, é necessário que milhões de pessoas se recusem a ter medo. Só assim poderemos voltar a viver em liberdade, sem a necessidade de estar o tempo todo olhando por cima dos ombros, imaginando se simples declarações de fatos óbvios levarão um dia ao nosso próprio “cancelamento”.

Notas

i. Nota de Tradução: “Janela de Overton” é um conceito formulado por Joseph P. Overton para designar o grau de aceitabilidade de uma opinião na sociedade. O termo “janela” remete justamente à faixa que abrange o que é aceitável.

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