Este texto é uma continuação da postagem Não, protestantes: a Igreja de Cristo não é invisível. Pretende responder “de quais fiéis a Igreja é própria e verdadeiramente composta”.

I. Princípios. Antes de tudo é preciso estabelecer o que é certamente exigido para que o homem se torne membro da Igreja. Vejamos cinco princípios sobre este tema.

1.º Como a Igreja é o corpo místico de Cristo (cf. Ef 1, 23) e Cristo é a cabeça do corpo da Igreja (cf. Cl 1, 18), segue-se que, tanto mais alguém é membro da Igreja, quanto maior é sua união com Cristo.

2.º Os homens se unem a Cristo em ato ou em potência. Por isso, “os infiéis, embora não sejam da Igreja em ato, são da Igreja em potência. Tal potência funda-se em duas coisas: primeira e principalmente no poder de Cristo, que é suficiente para a salvação de todo o gênero humano; secundariamente, no livre-arbítrio” (Santo Tomás, STh III 8, 3 ad 1).

3.º Os homens se unem a Cristo, em ato, interna e externamente. Internamente, pela fé e pela caridade; externamente, pela profissão pública da fé, pela comunhão nos sacramentos e pela obediência à legítima autoridade.

4.º A união interna pode ser perfeita ou imperfeita. É perfeita quando a fé opera pela caridade; é imperfeita quando, à fé, falta a caridade, “pois a fé, se não estiver unida à esperança e à caridade, nem une perfeitamente a Cristo, nem constitui um membro vivo do seu corpo” (Conc. Trid., sess. VI, cap. 7). Não obstante, existe uma certa união, pois a fé é o início da salvação humana, o fundamento e a raiz de toda a justificação. Diz o Angélico: “Estes tais (que estão em pecado mortal) recebem de Cristo um certo ato de vida, que é crer; assim como um membro morto é movido de algum modo pelo homem” (loc. cit.).

5.º A participação externa dos homens na Igreja pode ser considerada: a) na medida em que a participação externa, em cada membro individualmente, é vivificada pela fé viva ou ao menos informe; b) na medida em que os membros estão unidos por um vínculo externo de vida social. Sob o primeiro aspecto, não pode ser considerado membro da Igreja alguém que não tenha fé, mesmo que isso seja oculto; sob o segundo aspecto, aqueles que estão unidos à Igreja pelo Batismo, pela profissão externa da fé e pelos outros vínculos exteriores, parecem ser de certo modo membros da Igreja somente com essa união, enquanto a Igreja não os exclui. A razão disso é que a forma externa social da Igreja está ligada a esses membros, embora estejam mortos, e porque esses mesmos membros são co-movidos por aquele movimento exterior que o corpo vivo recebe da alma da Igreja.

II. Conclusões sobre os membros da Igreja. 1.º Os que, tendo fé e caridade, professam sua fé em comunhão com a Igreja, são perfeita e completamente membros da Igreja. 2.º Estes mesmos, se perdem a caridade, são membros por completo, mas de modo imperfeito.

3.º As crianças nascidas numa seita herética, mas validamente batizadas, são consideradas completamente membros da Igreja até atingir o uso da razão, pois estão unidas internamente à Igreja pelo hábito da fé e entraram exteriormente na Igreja pela porta do Batismo, e nenhum ato contrário é praticado por elas.

4.º Os hereges e cismáticos, se estão de boa-fé, são incompletamente membros da Igreja: perfeitamente, se além da fé conservam a caridade; imperfeitamente, se possuem apenas a fé. Pois tais hereges e cismáticos, que obedeceriam explicitamente à Igreja se fossem instruídos, aderem à Igreja implicitamente. Por isso, Santo Agostinho diz: “Os que defendem sua opinião falsa e perversa sem nenhuma animosidade pertinaz, principalmente se a receberam por influência dos pais, porém buscam cuidadosamente e com solicitude a verdade e estão prontos para se corrigir quando a encontrarem, de modo algum devem ser contados entre os heréticos” (Ep. 43).

5.º Os excomungados inocentes, embora às vezes sejam privados da comunhão externa, contudo, não deixam de ser membros da Igreja pela comunhão interna. Que às vezes eles são privados da comunhão externa, o Angélico o ensina dizendo: “Se, por parte da sentença, houver um erro que torne a sentença nula, ela não tem efeito, porque não há excomunhão. Mas se tal erro não anula a sentença, ela tem seu efeito, e o excomungado deve humildemente obedecer, e isto lhe será fonte de mérito” (Suppl. 21, 4).

6.º Os catecúmenos parecem pertencer perfeitamente à alma da Igreja se já possuem a fé e a caridade; imperfeitamente, se só possuem a. E são membros do corpo da Igreja não real e propriamente, mas apenas proximamente e no desejo [in voto], pois não receberam o Batismo, que é como que a porta pela qual entramos na Igreja (cf. Conc. Trid., sess. XIV de Poen., cap. 2 [DH 1671-1672]).

7.º Os hereges formais e públicos não são membros da Igreja nem interna nem externamente; pois como não têm nem a caridade, nem a fé, nem o vínculo de comunhão externa, nada resta que os ligue como membros à cabeça e aos outros membros. Contudo, não deixam de ser súditos da Igreja. Com efeito, Santo Tomás afirma: “Como o caráter batismal, que torna cada um membro do povo de Deus, é indelével, por isso o batizado sempre pertence de certo modo à Igreja. E assim, a Igreja sempre tem o poder de julgá-lo” (Suppl. 22, 6 ad 1).

8.º Os cismáticos formais não são membros da Igreja, nem interna nem externamente: não o são externamente, o que é manifesto; nem internamente porque, à unidade interior que a fé por si produz entre os sinceros e bem dispostos, colocam eles o obstáculo de sua disposição contrária, isto é, a contumácia e a má-fé.

III. Sobre os hereges ocultos e os réus excomungados. 1.º Uma dúvida se apresenta: Os hereges ocultos e internos podem ser considerados membros da Igreja? Já está claro que tais hereges não são internamente membros da Igreja: pois não têm a caridade nem a fé, ou seja, não têm vida interna sobrenatural. Pergunta-se então: são [membros] externamente?

Billuart diz: “Julgamos mais provável… que (os hereges ocultos e internos) não pertençam à Igreja, nem sejam membros verdadeiros dela; assim como se um lobo vestido com pele de ovelha fosse encontrado entre as ovelhas, estaria no redil, mas não seria do redil enquanto verdadeira parte dele” (De regulis fidei, diss. III, art. 2, § 4).

Caetano (De author. papae et concilii, cap. 22), Cano (De locis theol., lib. IV, cap. 6 ad 12), Belarmino (De contr., III, 3), João de Santo Tomás (De auct. Summi Pontificis, disp. II, art. 3, n. 5) afirmam que tais hereges são membros ou partes da Igreja. Assim se expressa João de Santo Tomás: “Os hereges ocultos, enquanto não são condenados e removidos pela Igreja, são partes da Igreja, e estão unidos a ela na comunhão exterior, embora não o estejam no espírito interno” (loc. cit.).

Por outro lado, Billuart diz: “A controvérsia entre os teólogos parece ser mais sobre o modo de falar do que sobre a realidade” (loc. cit.). E, de fato, alguns parecem ter considerado a vida interna da Igreja: e como os hereges ocultos não a possuem, [tais autores] não os consideraram como membros da Igreja. Outros, considerando os vínculos externos da sociedade e a co-moção externa dos membros mortos com o corpo vivo, afirmaram que os hereges ocultos são membros da Igreja de certo modo. Confira-se acima, nos Princípios, o n.º 5.

Explicando isto, Cano diz: 

Quando um membro no corpo definha, perdendo a sensorialidade e a vida, mas mantendo a ligação com as outras partes, nós vemos que ele recebe da alma um certo movimento exterior, embora a alma não lhe comunique mais nada de interior e vital. Certamente, o espírito de Cristo mantém e observa essa regra no corpo da Igreja. Pois a algumas partes Ele anima de tal modo, etc.; a outras, porém, envia sua força e capacidade externas, de modo que, embora sejam membros totalmente mortos e áridos, contudo, como não foram removidos do corpo, são movidos pelo espírito juntamente com o corpo (loc. cit.).

2.º Os excomungados réus e de alma obstinada, depois que a Igreja os pune com a excomunhão plena e perfeita, e utilizando aquela fórmula de palavras que os torna absolutamente evitandos, não são considerados membros da Igreja, na opinião de muitos. No Catecismo Romano (parte I, cap. 9), entre os que “não estão contidos nas fronteiras da Igreja militante”, além dos infiéis, hereges e cismáticos, são contados os excomungados “que, excluídos da Igreja por julgamento desta, não pertencem à sua comunhão até que retornem”. E ainda que não tenham perdido a fé, contudo, são eliminados da comunidade dos fiéis por sentença da Igreja, a qual possui o poder de separar [um membro] totalmente. Cf. Santo Tomás, Suppl. 21, 1. Não obstante, os excomungados que se arrependem de ter sido separados da Igreja como delinquentes, são considerados membros da Igreja ao menos no afeto e no desejo [in voto]. Enfim, pela intenção e natureza da excomunhão, os excomungados não são excluídos mortalmente, mas medicinalmente. Cf. Santo Agostinho, Contra Parmeniani ep., lib. III.

IV. Adversários. João Hus († 1415), da Boêmia, só concedeu lugar na Igreja à totalidade dos predestinados. Ensinou que o predestinado permanece sempre membro da Igreja, nunca fica privado da graça da predestinação, embora o fique às vezes de uma graça adventícia. Esse erro foi condenado pelo Concílio de Constança.

Os donatistas, os valdenses, alguns protestantes, o parisiense Quesnel, falecido em Amsterdã em 1719, defenderam que somente os justos são membros da Igreja. Este erro foi condenado pelos Padres Tridentinos (sess. VI, cân. 28 [DH 1578]), por Clemente XI (Constit. Unigenitus, prop. 72 e seg. [DH 2472 ss]), por Pio VI (Const. Auctorem fidei, prop. 15 [DH 2615]) etc.

Tese A: Nem todos, nem somente os predestinados são sempre membros da Igreja.

Argumentos. — 1º Nem todos os predestinados são sempre membros da Igreja.

Arg. 1. Na Sagrada Escritura lê-se: “Não participáveis da cidadania de Israel nem das alianças da Promessa… já não sois estrangeiros nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e familiares de Deus” (Ef 2, 12 e 19). “Vós sois aqueles que antes não eram povo, agora, porém, são povo de Deus” (1Pd 2, 10). E novamente: “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Procedei como filhos da luz” (Ef 5, 8-9). Ora, estas passagens mostram clarissimamente que, entre os predestinados, muitos outrora não foram membros da Igreja. Logo.

Arg. 2. Santo Tomás diz: “Não se considera algo como membro em razão do que lhe pode acontecer, mas em razão daquilo que é” (In Sent. III, d. 13, q. 2, a. 2, q. 2). Ora, nos predestinados que ainda não possuem a fé, haverá o vínculo de união com a Igreja, mas não há. Logo. — De fato, não há razão para chamar de membro da Igreja os turcos e pagãos que, após se converterem, serão salvos, ou Saulo antes da conversão.

Não somente os predestinados.

Arg. 1. Cristo ensina que a Igreja é semelhante: às núpcias preparadas por um rei, nas quais também entrou aquele que foi lançado às trevas exteriores; a uma eira na qual, além de trigo, há palhas que serão queimadas no fogo após o trigo ser recolhido; a uma rede, na qual se encontram peixes ruins que serão jogados fora; etc. Tudo isso prova que alguns que estavam antes na Igreja, posteriormente serão condenados, como é evidente pelas expressões “ser lançado nas trevas”, “ser queimado”, “ser jogado fora”. Portanto, como nenhum dos predestinados é condenado, falsamente se diz que a Igreja compõe-se apenas dos predestinados.

Cristo ensina que a Igreja é semelhante a uma rede, na qual se encontram peixes ruins que serão jogados fora.

Arg. 2. Os livros sagrados, sobretudo as cartas dos Apóstolos, estão cheios de exortações e súplicas para que os fiéis não percam a coroa da glória eterna em razão de seus maus costumes e pecados. E não há dúvida de que os Apóstolos consideravam membros da Igreja aqueles fiéis aos quais dirigiam exortações. Mas, se só os predestinados fossem membros da Igreja, nenhum membro estaria em perigo de perder a coroa. Logo, não só os predestinados são membros da Igreja.

Tese B: A Igreja é composta de justos e de pecadores.

Argumentos.Arg. 1. Tomado das palavras e ensinamentos de Cristo. a) Cristo assemelhou sua Igreja a uma rede, na qual estão incluídos peixes bons e ruins; a uma eira, onde há palhas misturadas com o trigo; a dez virgens, dentre as quais cinco eram insensatas; a uma festa de casamento, na qual entrou um homem sem a veste nupcial, pois, como diz Santo Tomás, “pelas núpcias… designa-se a Igreja presente… Portanto, entra para as núpcias, porém sem a veste nupcial, aquele que tem fé na Igreja, mas não tem caridade” (Mt 13, 47; 25, 1; 22, 1; e, neste lugar, Santo Tomás in Catena Aurea).

b) Cristo ensinou os seus a rezarem: “Perdoai-nos as nossas ofensas” (Mt 6, 12), porque admite que há ofensas nos membros da Igreja. Os que pecam gravemente só devem ser expulsos da Igreja depois que, contumazes, tiverem se recusado a ouvir a Igreja: “Se nem mesmo à Igreja ele ouvir, seja tratado como se fosse gentio ou publicano” (Mt 18, 17). Cristo conferiu à Igreja o poder de perdoar os delitos dos irmãos que pecam (cf. Jo 20, 22).

Arg. 2. Tomado das palavras e ações dos Apóstolos. a) São Paulo diz: “Em uma grande casa não há somente vasos de ouro e de prata, há também vasos de madeira e de barro: uns para uso nobre, outros para uso vulgar” (2Tm 2, 20). Igualmente: “Todo sumo sacerdote é tomado do meio do povo e representa o povo nas suas relações com Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados” (Hb 5, 1). E igualmente São Tiago: “Alguém dentre vós está enfermo? Mande chamar os anciãos da Igreja… E se tiver cometido pecados, receberá o perdão” (Tg 5, 14-15). Logo, parece haver na Igreja vasos “para uso vulgar”, “sacrifícios pelos pecados” e homens que “cometeram pecados”, isto é, pecadores.

b) Lendo as cartas que São Paulo enviou aos coríntios, aos gálatas e a outros, não resta dúvida de que o Apóstolo encontrou na Igreja também [homens] carnais e pecadores. Pois ele diz: “Há entre vós muitos enfermos e doentes, e não poucos têm morrido” (1Cor 11, 30), e em outro lugar: “Irmãos, no caso de alguém ser surpreendido numa falta, vós que sois espirituais, corrigi-o, em espírito de mansidão; mas não descuides de ti mesmo, para não seres surpreendido, tu também, pela tentação” (Gl 6, 1). Novamente: “Aos que são culpados, repreende-os na presença de todos, para que os outros também sintam temor” (1Tm 5, 20). Finalmente: “Examine-se cada um a si mesmo e, assim, coma do pão e beba do cálice” (1Cor 11, 28). São João também repreende gravemente muitas igrejas da Ásia (Ap 2 e 3). Ora, tudo isso é dito a respeito daqueles que eram ao mesmo tempo pecadores e irmãos, ou membros da Igreja. Logo, os pecadores não estão excluídos da Igreja.

Arg. 3. Tomado dos Santos Padres. a) São Cipriano diz: “Vemos que há joio na Igreja” (Ep. 51). Santo Ambrósio: “Uma imagem da tua Igreja está naquela (Mt 9) que se aproximou por trás e tocou na ponta do teu manto, dizendo consigo: se eu tocar em seu manto, ficarei curada. Esta Igreja, portanto, reconhece suas chagas, e deseja ser curada” (De poen., I, 6). São Jerônimo: “Assim como naquela (arca) havia animais de todas as espécies, assim também nesta há homens de todas as nações e costumes: como lá havia leopardos e bodes, lobos e cordeiros, assim também aqui há justos e pecadores” (Dial. adv. Lucif., n. 22). Santo Agostinho: “A Igreja deste tempo é comparada a uma eira contendo grãos misturados com palha, contendo maus misturados com bons; após o Juízo, conterá somente os bons, sem nenhum que seja mau” (Serm. 223, n. 2). Igualmente: “Como o lírio entre espinhos, assim está minha amada entre as filhas. Acaso disse: entre as estrangeiras? Não, mas entre as filhas. Existem, pois, filhas más, e entre elas [a amada] está como lírio entre espinhos” (In Ps., 47, n. 8).

b) Para não me delongar, basta recordar: 1.º que desde o princípio a Igreja anunciou o perdão dos pecados aos seus membros, o que fica claro vendo a história do montanismo; 2.º que, por julgamento da Igreja universal, foram condenados os donatistas, que defendiam que apenas os justos pertenciam à Igreja; 3.º que não é possível conciliar a Igreja visível, comprovada pelo testemunho de todos os antigos (cf. acima), com uma igreja composta apenas de justos.

Objeções.Obj. 1. Lê-se em 1Jo 2, 19: “Eles saíram do nosso meio, mas não eram dos nossos, pois se fossem realmente dos nossos, teriam permanecido conosco”. Logo, os que não são predestinados e saíram, parecem nunca ter sido membros da Igreja.

Resposta. Distingo o antecedente: que este “não eram dos nossos” tenha sido dito em relação à predestinação, concedo; em relação à fé, nego. Ou seja, não poucos, “por um momento, creem, mas quando chega a tentação, desistem” (Lc 8, 13). Cf. Santo Agostinho, Tract. in Ioan., 61, n. 2.

Ademais: que “não eram dos nossos” como homens fortes, concedo; pura e simplesmente [simpliciter], nego. Com efeito, alguns que não estão plenamente imbuídos do espírito de Cristo, não resistem fortemente às tentações; assim como foi escrito daqueles homens que não tinham a coragem de Judas [Macabeu]: “Infelizmente, porém, não eram da têmpera daqueles homens pelos quais a salvação foi dada a Israel” (1Mb 5, 62).

Ilustração da arca de Noé em meio ao dilúvio.

Réplica. Só estavam na arca os que haveriam de ser salvos das águas. E a arca é considerada figura da Igreja. Logo, só estão na Igreja os predestinados.

Resposta. Distingo a premissa menor: que a arca seja considerada figura da Igreja, porque não se salvam os que estão fora da Igreja, concedo; porque salvam-se todos os que estão dentro, nego. Ademais, a semelhança não consiste apenas nisso, mas também na agregação de bons e maus, pois estavam juntos na arca animais puros e impuros. Cf. São Jerônimo, Dial. adv. Lucif., n. 22.

Obj. 2. A Igreja é santa e toda bela. Mas não é digna de tais louvores uma igreja cujos membros são, muitos deles, injustos. Logo.

Resposta. Distingo a premissa maior: que a Igreja seja santa em sua doutrina e em seus sacramentos, concedo; em todos os seus membros, subdistingo: finalmente na Pátria, concedo; enquanto está a caminho, nego. Sobre isso, Santo Tomás diz: “Ser uma Igreja gloriosa, sem mancha nem ruga, é o fim último para o qual somos conduzidos pela paixão de Cristo. Portanto, isto acontecerá no estado de pátria, não no estado de via: neste último, se dissermos que não temos pecados, enganamo-nos a nós mesmos, como se diz em 1Jo 1, 8” (STh III 8, 3 ad. 2). E deste modo se diz que a Igreja é: “toda bela” (Ct 4, 7); a Sião pela qual “nenhum impuro passará” (Is 35, 8); “santa e imaculada” (Ef 5, 27). Cf. Santo Agostinho, Retract., lib. II, cap. 18.

Réplica. São Jerônimo diz: “Portanto, quem é pecador e está manchado por alguma imundície, não se pode dizer que seja da Igreja de Cristo, nem que esteja sujeito a Cristo” (In Ep. ad Ephes.). Santo Agostinho e outros Santos Padres ensinam coisas semelhantes. Logo, somente os justos são membros da Igreja.

Resposta. Distingo o antecedente: que não se pode dizer que os pecadores sejam membros da Igreja, sob certo aspecto, concedo; absolutamente, nego. Dos que são membros imperfeitos e indignos, às vezes se diz mais rigidamente que não são membros — é necessário que certas palavras dos antigos sejam entendidas assim. E de fato, temos Jerônimo e outros Santos Padres concordando abertamente conosco, como mostram os argumentos. Sabe-se, ademais, que Santo Agostinho durante doze anos (400-412) combateu o erro dos donatistas quanto ao “somente os justos”. E no fim, o mesmo santo fez a seguinte distinção: “As duas coisas são verdadeiras, tanto o dos nossos como o não eram dos nossos: em razão de uma coisa, eram dos nossos, mas em razão de outra, não eram dos nossos; pela comunhão dos sacramentos, eram dos nossos, mas em razão de seus próprios crimes, não eram dos nossos” (Tract. in Ioan., 61, n. 2).

Obj. 3. Santo Tomás ensina que os maus não são membros da Igreja “propriamente, mas enquanto membros mortos, ou seja, equivocamente” (In Sent. III, d. 13, q. 2, a. 2, q. 2 ad 2 e ad 6). Logo, os maus não devem ser chamados membros da Igreja.

Resposta. Distingo o antecedente: que Santo Tomás afirme isso entendendo membro em sentido estrito, concedo; num único sentido, nego. No lugar citado, Santo Tomás expõe quatro modos de união dos membros entre si no corpo místico, usando a comparação do corpo natural. Com efeito, ele nega que “os fiéis pecadores” estejam unidos à Igreja “porque (os membros) são vivificados pela graça e pela caridade”, e “neles está o Espírito Santo, que é a perfeição última e principal de todo o corpo místico”. Mas afirma que “os fiéis pecadores” pertencem “de algum modo à unidade da Igreja na medida em que estão ligados a ela pela fé, que é uma unidade material”. Igualmente, na Suma Teológica diz o seguinte sobre os fiéis que estão em pecado mortal: “Contudo, estes tais recebem de Cristo um certo ato de vida, que é crer, assim como um membro morto é movido de algum modo pelo homem” (III 8, 3 ad 2).

Réplica. Santo Tomás diz: “Como a unidade do corpo é formada pelos membros, por isso alguns dizem que (os fiéis pecadores) não pertencem à unidade do corpo da Igreja, embora pertençam à unidade da Igreja” (In Sent. III, loc. cit.); e o santo Doutor parece aprovar esta sentença. Ora, não são membros da Igreja “os que não pertencem à unidade do corpo da Igreja”. Logo, só os justos são membros da Igreja.

Resposta. Admitida a autoridade, distingo o sentido: que os fiéis pecadores não pertençam à unidade do corpo da Igreja, [do corpo] que possui um ato vital perfeito, concedo; [do corpo] que possui um ato vital imperfeito, nego. A resposta ficará clara com a doutrina de Santo Tomás sobre a fé formada e a fé informe. Sobre a fé formada, diz ele: 

Como o crer é um ato da inteligência que assente à verdade por império da vontade, duas coisas são necessárias para que este ato seja perfeito: 1.ª que a inteligência infalivelmente se incline para o seu objeto, que é a verdade; 2.ª que a vontade infalivelmente se ordene ao fim último em razão do qual assente à verdade. E ambas as coisas encontram-se no ato de fé formada. 

Depois, sobre a fé informe, diz: “Embora o ato de fé informe tenha a perfeição devida por parte do intelecto, contudo, não tem a perfeição devida por parte da vontade” (STh II-II 4, 5). Portanto, os fiéis pecadores não pertencem à unidade do corpo da Igreja no sentido de que o corpo místico de Cristo possui vida perfeita por parte do intelecto, através da fé, e por parte da vontade, através da caridade.

Réplica. É ímpio juntar os membros do diabo com Cristo cabeça. Mas os fiéis pecadores são membros do diabo. Logo.

Resposta. Distingo a premissa maior: que seja ímpio se tal conjunção se faz sob o mesmo aspecto, concedo; sob aspecto diverso, nego. Igualmente, distingo a premissa menor: que os pecadores sejam membros do diabo em razão de seus delitos, concedo; em razão de sua fé, nego. Diz-se que a fé é informe não em razão de sua espécie, mas por falta de uma determinada forma exterior, isto é, da caridade. Por isso, diz o Angélico: “A fé informe, embora não seja totalmente perfeita na perfeição de virtude, é perfeita por uma certa perfeição que é suficiente para a razão [constitutiva] da fé”. Sendo assim, deve-se dizer, com o santo Doutor, que a fé informe é um dom de Deus (STh II-II 6, 2); e em razão deste dom de Deus, os pecadores são chamados membros de Cristo.

Réplica. Na bula Ineffabilis Deus, Pio IX decretou que aqueles que “presumirem pensar no coração diversamente do que fora definido” sobre a Imaculada Conceição da Bem-aventurada Virgem Maria, “...naufragaram na fé e se separaram da unidade da Igreja”. Logo, ao menos os hereges ocultos, que pensam no coração diversamente do que é ensinado pela Igreja, ao menos estes não podem de modo algum ser considerados membros da Igreja.

Resposta. Distingo o antecedente: que os que pensarem de tal modo no coração, se separarão da unidade interna da igreja, concedo; da unidade externa, nego. Santo Tomás diz: “A fé informe é comum a todos os membros da Igreja” (STh II-II 4, 5 ad 4); e todos os doutores afirmam que, quem perde a fé e a caridade, de modo algum pertence à Igreja interna. Contudo, não parece que as palavras de Pio IX pretendam excluir aquela sentença defendida por importantíssimos doutores, segundo a qual os hereges ocultos são considerados membros da Igreja na medida em que ela é também uma sociedade externa. Talvez sirva para este ponto, embora guardadas as proporções, a seguinte sentença de Santo Tomás sobre os pecadores que têm fé: 

Assim como as operações relativas a outro podem de algum modo ser causadas por membros áridos, como bater ou uma outra semelhante, embora não [o possam] as operações causadas pela alma nos membros; assim, os maus não recebem as operações de vida espiritual provenientes do Espírito Santo, embora, por meio deles, o Espírito Santo opere a vida espiritual em outros, na medida em que ministram os sacramentos ou ensinam aos outros (In Sent. III, d. 13, q. 2, a. 2, q. 2).

Referências

  • Traduzido de: J. V. de Groot, Summa Apologetica de Ecclesia Catholica ad mentem S. Thomae Aquinatis, pars I. Ratisbona: Inst. Libr. Prid. G. J. Manz., 1890, pp. 65-76.

Notas

  1. Há duas formas de excomunhão na Igreja Católica: uma pela qual a pessoa é tolerada, excommunicatus toleratus; outra, na qual a pessoa deve ser evitada, excommunicatus vitandus. (N.T.)
  2. “Portanto, o vínculo pelo qual o pecador foi atado diante de Deus, é dissolvido com o perdão da culpa; mas aquele pelo qual foi atado diante da Igreja, é liberado quando a sentença é suspendida” (Inocêncio III, Epist., lib. II, 61).
  3. Os escolásticos frequentemente escrevem de forma silogística: premissa maior, premissa menor, conclusão. Em latim, é comum encontrar parágrafos em que há duas premissas, seguidas simplesmente da palavra ergo, que significa “logo” ou “portanto”, indicando o término do silogismo com a conclusão. (N.T.)
  4. Antecedente e consequente são termos usados na lógica escolástica para qualificar as premissas do silogismo. Se ele possui três proposições (maior, menor e conclusão), a maior e a menor juntas são o antecedente, enquanto a conclusão sozinha é o consequente. Se o silogismo, porém, é composto de apenas duas proposições, a primeira é o antecedente, e o consequente é a segunda, que nesse caso também é a conclusão. (N.T.)

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