Este texto do frei Boaventura Kloppenburg, extraído de sua excelente obra Espiritismo: orientação para católicos [1], contém orientações canônicas preciosas. Pedimos atenção, no entanto, porque foi escrito como uma advertência para católicos. Contém uma linguagem um pouco incomum nos dias atuais, pois fala de coisas como “heresia” e “excomunhão”. Explicar o que elas significam não é o escopo deste artigo; para entender melhor o que é heresia, por exemplo, este vídeo do Pe. Paulo Ricardo talvez ajude.

Escrevemos isso porque, infelizmente, muitos chegarão aqui “de paraquedas”, por assim dizer, com o dedo em riste e acusando-nos disto e daquilo. Mas a intenção desta publicação não é acirrar ânimos nem criar discussões desnecessárias. Trata-se simplesmente de chamar os católicos à coerência, para que vivam de acordo com a fé que alegam professar, abandonando aquelas filosofias ou doutrinas religiosas que contradizem o Credo. Nada mais.

Dito isso, vamos ao texto.


Em 1953 a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil reafirmou a determinação feita pelo Episcopado Nacional na Pastoral Coletiva de 1915, revista pelos bispos em 1948 nestes termos:

Os espíritas devem ser tratados, tanto no foro interno como no foro externo, como verdadeiros hereges e fautores de heresias, e não podem ser admitidos à recepção dos sacramentos, sem que antes reparem os escândalos dados, abjurem o espiritismo e façam a profissão de fé. 

Segundo o novo Direito Canônico (de 1983), “chama-se heresia a negação pertinaz, após a recepção do batismo, de qualquer verdade que se deve crer com fé divina e católica, ou a dúvida pertinaz a respeito dela” (cân. 751). E no cânon 1364 § 1, a nova legislação eclesiástica determina que “o herege incorre automaticamente em excomunhão”, isto é: deve ser excluído da recepção dos sacramentos (cân. 1331 § 1), não pode ser padrinho de batismo (cân. 874), nem da confirmação (cân. 892) e não lhe será lícito receber o sacramento do matrimônio sem licença especial do bispo (cân. 1071) e sem as condições indicadas pelo cânon 1125. Também não pode ser membro de associação ou irmandade católica (cân. 316). 

Já vimos, ao expor as linhas gerais da doutrina espírita e cotejar este ensinamento com a doutrina cristã, que o espiritismo kardecista de fato nega quase todo o credo apostólico. E quando analisamos a reencarnação [2], ficou claro que a palingenesia se opõe, em pontos essenciais, à pregação de Nosso Senhor Jesus Cristo, negando, principalmente, toda a soteriologia cristã. É, pois, evidente que o católico, quando adota a doutrina espírita, se enquadra perfeitamente na descrição que o citado cânon 751 faz da heresia, cometendo um “delito contra a religião”, segundo a terminologia do novo Direito Eclesiástico, e incorre na penalidade prevista pelo cânon 1364 § 1. Ou, falando mais exatamente: o católico que resolve tornar-se espírita, por este fato, exclui-se a si mesmo da Igreja Católica, perdendo todos os direitos de católico

Mas na prática pastoral a aplicação destas determinações jurídicas encontra a seguinte dificuldade: o vocábulo “espírita” é, de fato, entre nós, polivalente. Já Allan Kardec observava em suas Obras póstumas (20.ª edição, pp. 367s):

O qualificativo de espírita, aplicado sucessivamente a todos os graus de crença, comporta uma infinidade de matizes, desde o da simples crença nas manifestações, até as mais altas deduções morais e filosóficas; desde aquele que, detendo-se na superfície, não vê nas manifestações mais do que um passatempo, até aquele que procura a concordância dos seus princípios com as leis universais e a aplicação dos mesmos princípios aos interesses gerais da humanidade; enfim, desde aquele que não vê nas manifestações senão um meio de exploração em proveito próprio, até o que haure delas elementos para seu próprio melhoramento moral. Dizer-se alguém espírita, mesmo espírita convicto, não indica, pois, de modo algum, a medida da crença; essa palavra exprime muito com relação a uns, e muito pouco, relativamente a outros. Uma assembléia para a qual se convocassem todos os que se dizem espíritas apresentaria um amálgama de opiniões divergentes, que não poderiam assimilar-se reciprocamente, e nada de sério chegaria a realizar, sem falar dos interessados a suscitarem no seu seio as discussões a que ela abrisse ensejo.

Mas pondo de lado as ambigüidades, pode-se dizer que, segundo AK, “espírita” é todo espiritualista que admite a prática da evocação dos falecidos. Sobre esta base mínima podem construir-se os mais variados sistemas doutrinários. Assim são “espíritas” os adeptos do espiritismo anglo-saxão que não aceitam a doutrina da reencarnação, como são “espíritas” os seguidores de AK que fazem das idéias reencarnacionistas o ponto central de sua filosofia. E porque os partidários da umbanda praticam assiduamente a evocação dos falecidos (e, aliás, endossam a doutrina da metensomatose), também eles são “espíritas” verdadeiros, no sentido original em que AK entendia o vocábulo por ele criado (cf. acima, p. 251). 

E como não existe nenhum nexo necessário entre a prática da evocação dos falecidos e a doutrina da reencarnação, é perfeitamente imaginável que alguém aceite e pratique a necromancia sem admitir a palingenesia, como é igualmente concebível que alguém adote a filosofia da pluralidade das existências sem endossar a prática da evocação das almas dos que morreram. Mas a dimensão herética (isto é, negadora da doutrina de fé cristã) do espiritismo está principalmente na reencarnação. Pode-se admitir ainda que alguém professe sinceramente toda a doutrina cristã, tal como é proposta pela Igreja Católica, e ao mesmo tempo julgue ser possível e lícito evocar os falecidos. 

Já é evidente que nem todos, embora se digam ou sejam chamados “espíritas”, podem ou devem ser considerados ou tratados da mesma maneira. Há evidente necessidade de distinguir: 

1. Os que dirigem ou organizam o espiritismo (em qualquer de seus ramos) ou um centro espírita ou terreiro de umbanda e os que tomam parte ativa nas sessões (médiuns): são espíritas no sentido mais estrito do termo, valendo para eles a determinação do episcopado nacional: “Devem ser tratados como hereges”. Mas esta norma vale apenas para aqueles que antes eram ou diziam ser católicos. O mesmo não vale para os que já nasceram num ambiente espírita e nele foram educados. Os espíritas convictos e coerentes já não fazem batizar seus filhos, visto que, como lhes fez saber em 1952 o Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira, “o espiritismo é religião sem ritos, sem liturgia e sem sacramentos”. Por conseguinte, já não são nem cristãos e devem ser considerados e tratados como os demais adeptos de religiões não-cristãs. 

2. Os que se inscreveram como sócios em alguma entidade espírita. Os espíritas costumam controlar a fidelidade de seus sócios mediante caderneta individual, carimbada cada mês. O sócio que durante seis meses deixar de cumprir seus deveres de sócio é excluído. Segundo os Preceitos gerais publicados pela Federação Espírita Brasileira e válidos para todas as sociedades espíritas do Brasil, os sócios inscritos têm os seguintes deveres: a) estudar a doutrina espírita (que aqui no Brasil é reencarnacionista); b) freqüentar regularmente as sessões de estudo da doutrina; c) pagar pontualmente suas contribuições pecuniárias. Deve-se, pois, supor que todo sócio de mais de seis meses não é apenas necromante, mas também reencarnacionista, e, como tal, herege, e assim há de ser tratado. 

3. Os que, embora não inscritos, freqüentam habitualmente por mais de seis meses sessões para consultar os mortos, receber receitas ou passes etc. As assim chamadas “sessões públicas de estudo” são franqueadas a todos indistintamente. Mas toda sessão desta espécie é doutrinária: nela se ensina e administra a doutrina espírita (reencarnacionista). Por conseguinte, quem por mais de meio ano assiste habitualmente a tais sessões já não pode ser tido apenas como necromante, mas com razão é considerado adepto da doutrina reencarnacionista. Logo, é herege e deve ser tratado como tal. 

4. Os que esporadicamente vão às sessões para consultar os falecidos, receber passes, receitas etc., levados, talvez, pela necessidade (doença, tristeza pela morte de alguém de sua família, situação embaraçosa) ou a convite insistente de amigos, vizinhos etc. Supondo que não vão por mera curiosidade, eles não são necessariamente reencarnacionistas; são, todavia, necromantes ou “espíritas” no sentido lato do termo, tal como foi definido por AK. Se admitem a reencarnação, são sem dúvida hereges e como tais deverão ser tratados. Se não aceitam a pluralidade das existências, mas apenas a prática da evocação, serão também hereges? A Santa Sé declarou que este tipo de práticas inclui um “engano inteiramente ilícito e herético” (em latim: deceptio omnino illicita et haereticalis, cf. DH 2823-2825). Neste documento, de 1856 (naqueles anos começava na França a prática da evocação dos falecidos) a Santa Sé repete duas vezes ser pecado de heresia querer aplicar meios puramente naturais com o fim de obter efeitos não-naturais ou supranaturais. Por conseguinte, o espiritismo como evocação dos mortos, seja na forma de necromancia ou de magia, já é herético e, aliás, puro “engano”. É preciso atender bem a este particular: tais práticas são rejeitadas não apenas como ilícitas (nisto está o pecado, pois, como vimos, a evocação é um ato severamente interditado por Deus) ou contra a moral, mas também como heréticas ou contrárias à fé cristã. A heresia está na suposição de poder produzir efeitos não-naturais com meios naturais. 

5. Os que vão de quando em quando às sessões espíritas por motivo de estudo ou divertimento ou de mera curiosidade. A suposição é que não são reencarnacionistas, nem querem praticar a evocação. Estes devem ser divididos em duas categorias: a) Os que fazem isso sem nenhuma licença: não são espíritas (é a suposição), mas praticam um ato ilícito e expressamente proibido pela Igreja, como vimos. Pois, pelo decreto de 24-4-1917, declarava a Santa Sé ser ilícito “assistir a sessões ou manifestações espiritistas, sejam elas realizadas ou não com o auxílio de um médium, com ou sem hipnotismo, sejam quais forem estas sessões ou manifestações, mesmo que aparentemente simulem honestidade ou piedade; quer interrogando almas ou espíritos, ou ouvindo-lhes as respostas, quer assistindo a elas com o pretexto tácito ou expresso de não querer ter qualquer relação com espíritos malignos”. — b) Os que fazem isso devidamente autorizados. Bons moralistas interpretam a citada decisão de 1917 de tal maneira que pode ser dispensada em casos particulares, em favor de médicos, sociólogos ou outros estudiosos que vão, não por curiosidade, não apenas para ver, mas para estudar. Excluída, pois, toda evocação e com a condição de que não ocorra perigo nenhum de perversão própria, nem de escândalo para outros, poderia o bispo permitir a assistência. 

6. Os que nunca assistem às sessões, mas por qualquer motivo ajudam moral ou materialmente na construção ou manutenção de obras e empresas espíritas. São os fautores do espiritismo no Brasil. Tal cooperação consciente seria ilícita. É evidente, porém, que não devem ser tratados como espíritas ou hereges e sim como “fautores de heresia”, conceito que já não ocorre na nova legislação canônica, mas que nem por isso deixa de ter seu valor. 

7. Os que assistem às sessões ou apóiam moral ou materialmente o espiritismo por ignorância. No Brasil, são muitos. Devem ser tratados como ignorantes, isto é: devem ser instruídos. O presente livro foi escrito com este objetivo. Não são hereges. 

8. Os que não querem praticar nem a necromancia nem a magia, não assistem às sessões espíritas, mas professam a doutrina da reencarnação, como os esoteristas, rosacruzes, teósofos e outros ocultistas. São hereges formais e como tais devem ser tratados.

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