A Providência seguia com tanto amor, com o seu olhar divino, a obra do ilustre apóstolo [São Francisco Xavier] que devia levar o nome de Jesus Cristo até aos confins do mundo, que quis dar-lhe um testemunho da sua terna solicitude, da qual ele foi o único objeto.

Até ali, todos os milagres operados pelo nosso santo tiveram por fim a conversão dos pagãos, dos infiéis ou dos grandes pecadores. Alguns escapavam à sua solicitude; seu coração tão sensível à voz da dor, não resistia aos seus lamentos e à sua fé. Mas Deus queria fazer, só para Xavier, um prodígio que parecesse não ter por fim senão provar-lhe o seu amor

Depois de ter evangelizado a ilha de Amboíno [i], quis o Padre Xavier visitar as pequenas ilhas circunvizinhas, enquanto não se lhe oferecesse ocasião oportuna de passar às outras terras mais afastadas. 

Acompanhado de João Ragoso e Fausto Rodrigues, deixando João de Eiro na direção dos cristãos de Amboíno, dirigiram-se numa ligeira embarcação para Baranura. Bem depressa se declarou uma tempestade tal, que os próprios marinheiros ficaram aterrados; já se julgavam perdidos. São Francisco Xavier toma o seu crucifixo, inclina-se sobre a borda do barco para o mergulhar naquele mar em fúria… e o crucifixo escapa-lhe da mão! O santo apóstolo mostra-se em extremo consternado por aquela perda, chora aquele tesouro, que havia operado tantos prodígios, tesouro que o consolara tantas vezes nas amarguras do seu laborioso e penoso apostolado. 

Ragoso e Rodrigues tomam viva parte naquela dor do seu santo amigo, pesarosos ainda mais por não terem meio algum de substituírem, ao menos materialmente, o precioso objeto que as vagas lhe arrebataram. 

Na manhã seguinte aportaram à ilha de Baranura, depois da mais perigosa travessia, com o mar constantemente mau e a tempestade permanente. 

Decorrera já mais de vinte e quatro horas que o crucifixo caíra ao mar. O Padre Xavier, acompanhado de Rodrigues, dirigia-se para o bairro de Tálamo, seguindo pelo litoral, quando, depois de terem caminhado uns quinhentos passos, proximamente, viram sair do mar e vir para eles um caranguejo trazendo entre as suas garras, que trazia levantadas, o crucifixo de Francisco Xavier! O caranguejo vai direito ao santo apóstolo e para junto dele. Xavier ajoelha-se, prostra a fronte em terra, toma o seu amado crucifixo que lhe será dali em diante muito mais precioso, beija-o com todo o amor e reconhecimento de que está cheio o seu coração, e o caranguejo, voltando sobre os seus passos, desaparece nas ondas [...].

“O milagre de São Francisco Xavier e o caranguejo”, por Francesco Solimena.

Fausto Rodrigues, testemunha deste milagre, acrescenta, na sua narração, que o Padre Xavier, depois de ter beijado muitas vezes o seu maravilhoso crucifixo, conservou-se por meia hora em oração, com as mãos cruzadas sobre o peito, agradecendo à divina Bondade um tão admirável prodígio. 

Rodrigues agradecia também, pela sua parte, por lhe ter sido permitido presenciar aquela sublime maravilha, de que ele deu testemunho sob a fé de juramento, e que menciona a bula da canonização [...].

Em 1670, por um decreto de 14 de junho, o Papa Clemente X fixou a festa de São Francisco Xavier em 3 de dezembro, e ordenou, pelo mesmo decreto, que o seu ofício seria do rito duplex para toda a Igreja [ii].

Poucos anos antes, alguns índios tinham feito uma preciosa descoberta: tinham tornado a achar, no alto mar, um caranguejo de uma espécie desconhecida, trazendo uma cruz latina sobre a concha, e tendo barbatanas nos pés traseiros, o que nunca se tinha visto até então. Ficaram admirados do maravilhoso crustáceo, e empenhavam-se em fazê-lo conhecer com o nome de caranguejo de São Francisco Xavier; porque estes bons índios estavam persuadidos que ele provinha daquele que a divina Providência se servira para fazer restituir ao santo apóstolo do Oriente o crucifixo caído no mar das Molucas.

Afresco do milagre do caranguejo na Chiesa del Gesù, em Roma.

O conhecimento desta descoberta transmitiu-se muito longe, e o sábio Padre Kircher, da Companhia de Jesus, na sua China Illustrata, publicada em 1667, menciona como novidade a aparição deste caranguejo, de que, acrescenta ele, não se tinha ouvido falar até ali [iii]. 

Mais tarde, no começo do século XVIII, um governador, de Pondichéry [sudeste da Índia], pedia a um capitão que se faria à vela para as Molucas, que fosse de Amboíno a Baranura, e que lhe trouxesse alguns caranguejos daquelas paragens a fim de os conservar em memória daquele que havia restituído o crucifixo de São Francisco Xavier do fundo do mesmo mar. 

Não era para si que o governador pedia, mas para um amigo que desejava possuí-lo, o que lhe parecia dever ser uma espécie de relíquia do nosso santo. 

O capitão fez procurar caranguejos desde Amboíno até Baranura, mas em vão; como são, de ordinário, tão comuns em todos os mares, os marinheiros da tripulação não podiam explicar a sua completa ausência em todo o percurso que exploraram com tanta atenção. 

Finalmente, encontraram um, um só, e este trazia uma cruz sobre a concha! Era o primeiro daquela espécie que se tinha visto naquelas paragens, e foi o único que se pôde levar ao governador porque, não obstante todas as pesquisas, não se puderam encontrar outros de espécie alguma. Este único que foi dado pelo governador ao seu amigo e transmitido aos herdeiros deste, foi levado a França e tivemos ocasião de o ver e admirar. Ele difere daquele que os índios chamam “caranguejo de São Francisco Xavier”. 

“Charybdis feriata” (ou “cruciata”), o caranguejo do Padre Xavier.

Neste, [...] nota-se ao pé da cruz, que parece sair de um pedestal, dois personagens envolvidos em mantos árabes; todas as formas são bem pronunciadas: é um homem de um lado, uma mulher do outro; adivinha-se, sente-se a Santíssima Virgem e São João. 

Aquela espécie só se encontra em pleno mar e mui raras vezes; quando o índio tem a felicidade de encontrar um daqueles caranguejos, apossa-se dele e conserva-o com grande respeito, porque é o caranguejo de São Francisco Xavier. 

O único que foi encontrado no mar das Molucas, deve ter um século e meio [iv], traz também a cruz latina perfeitamente formada, porém não tem a figura das personagens à direita e à esquerda. O que o distingue é a forma de três pegos em relevo, por baixo da cruz e veias brancas dos dois lados, cuja disposição sobre o fundo rosado produz para muitos, à primeira vista, o efeito de três letras I.H.S. formadas pelo fundo e não pelas veias; a cruz parece sair da letra H e esta letra está riscada por uma linha transversal de pontos em relevo [v].

Como se explica que seja este o único encontrado até hoje com caracteres tão notáveis? Não se pode supor, tendo em vista a longevidade bem conhecida desses crustáceos, que talvez fosse este o próprio instrumento do milagre, instrumento providencialmente encontrado e conservado, e do qual descende a espécie tão rara, à qual os índios deram o nome do ilustre apóstolo do Oriente?

Referências

  • J. M. S. Daurignac, São Francisco Xavier: Apóstolo das Índias. Trad. M. Fonseca. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Ed. CDB, 2018, pp. 217-218; 450-452.

Notas

  1. Amboíno é uma das Ilhas Molucas, no atual território da Indonésia. Foi descoberta em 1512 pelos portugueses e tornou-se, ainda no século XVI, uma das terras de missão de São Francisco Xavier. (Nota da Equipe CNP.)
  2. Duplex era um dos graus das festas eclesiásticas até a reforma do Papa João XXIII. Equivale à festa de III classe no Missal de 1962 e à nossa atual “memória”. Chamava-se duplex, possivelmente, porque no Ofício Divino destes dias as antífonas antes e depois dos salmos eram “duplicadas”, ou seja, repetidas integralmente duas vezes; ou porque em certos lugares, como em Roma, até o século IX era costume recitar dois formulários nas Matinas, um do dia da semana (feria) e outro da festa. A hora canônica das Matinas corresponde ao atual “Ofício das Leituras”, mas era rezada só de madrugada, antes das Laudes. (Nota da Equipe CNP.)
  3. O Padre Athanasius Kircher († 1680) foi um jesuíta alemão, estudioso de várias ciências, que publicou em sua época cerca de 40 obras, notavelmente na área de religião comparada, geologia e medicina. (Nota da Equipe CNP.)
  4. Um século e meio à época da publicação da obra original (que data do final do século XIX); ou seja, trata-se de meados do século XVIII. (Nota da Equipe CNP.)
  5. As letras I.H.S., muito usadas na confecção de hóstias para a Missa, significa Iesu Hominum Salvator, ou seja, “Jesus, Salvador dos Homens”. (Nota da Equipe CNP.)

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