No Martirológio Romano, aparece hoje o nome de São Lázaro, que nosso amado Senhor ressuscitou dos mortos [i]. Era irmão de Marta e de Maria, a qual, devido ao castelo em que viveu após a morte de seus pais, foi chamada de Madalena [ii]. Lázaro nasceu em Betânia, uma aldeia não muito longe de Jerusalém, e era muito estimado pelos judeus, tanto por sua nobre linhagem quanto por sua considerável riqueza. Não sabemos exatamente quando Lázaro conheceu o Senhor, mas acredita-se, e não sem razão, que isso aconteceu logo depois de Cristo ter começado a pregar e a fazer milagres, pois o coração dele aparentemente estava aberto à verdade, e nosso Salvador parece ter-lhe dado sinais de especial predileção. Como há muito esperava o Messias e estava preparado para a sua vinda, Deus lhe deu a graça de reconhecê-lo em Cristo, devido à fama alcançada por seus milagres e também pelo fato de assistir aos seus ensinamentos divinos. Tão logo reconheceu em Cristo o Redentor prometido, juntou-se a Ele e mostrou-se ávido por segui-lo com os outros discípulos.
O Evangelho mostra claramente que Cristo o amava; chamava-lhe “amigo”: “Lázaro, nosso amigo, dorme” (Jo 11, 11). As duas irmãs haviam comunicado a Cristo a doença de seu irmão com estas palavras: “Senhor, aquele que amas está enfermo” (Jo 11, 3). Segundo os Santos Padres, a causa do amor particular que Cristo tinha por Lázaro é a mesma que tornou o Apóstolo João tão querido do Senhor, a saber, a castidade, que Lázaro conservava imaculada. Em Betânia, Cristo hospedou-se muitas vezes na casa de Lázaro e Marta, e muitos Padres da Igreja acreditam que Madalena, sua irmã, que durante algum tempo levou uma vida completamente diferente da deles, obteve, por intercessão de Lázaro e Marta, a graça da conversão.
O acontecimento mais memorável da vida de Lázaro é o fato de ter sido ressuscitado dos mortos, relatado com detalhes por São João no capítulo XI de seu Evangelho. Os fatos são os seguintes:
No final do 33.º ano de vida de Cristo, Lázaro ficou muito doente e suas duas irmãs imediatamente enviaram um mensageiro a Jesus a fim de informá-lo. No entanto, Cristo permaneceu dois dias a mais no lugar onde estava e, quando chegou a Betânia, Lázaro já estava morto e sepultado. Logo que Marta soube da chegada do Senhor, foi ter com Ele e disse-lhe: “Senhor, se tu estivesses cá, meu irmão não teria morrido. Mas também sei agora que tudo o que pedires a Deus, Deus te concederá.” Palavras semelhantes foram ditas por Maria Madalena, que, ao ser chamada por sua irmã, foi ao encontro dele chorando amargamente. Cristo Senhor, vendo as lágrimas das duas irmãs e de muitos outros que estavam presentes, chorou com elas; donde os judeus concluíram que Ele devia ter amado muito Lázaro e por isso disseram: “Vede como o amava.”
Enquanto isso, Jesus foi ao sepulcro de Lázaro e mandou tirar a pedra que fechava a entrada. Depois disso, erguendo os olhos para o céu, disse: “Pai, rendo-te graças, porque me ouviste. Eu bem sei que sempre me ouves, mas falo assim por causa do povo que está em roda, para que creiam que tu me enviaste.” Tendo dito estas palavras, clamou em alta voz: “Lázaro, vem para fora!” Cristo mal pronunciara estas palavras, quando Lázaro saiu do sepulcro com as mãos e os pés atados com faixas, e o rosto coberto com um lenço. Ele mandou os discípulos o soltarem e deixarem ir. Todos os presentes foram testemunhas desse milagre, e muitos reconheceram o verdadeiro Messias. É fácil conceber com que humildade Lázaro e suas duas irmãs agradeceram ao Senhor pelo grande benefício que lhes havia concedido.
A fama desse grande milagre logo se espalhou por toda Jerusalém e arredores. Os fariseus e sumos sacerdotes ficaram furiosos com Cristo e Lázaro, pois perceberam que esse acontecimento ampliaria muito a influência de Jesus. Por isso, reuniram-se em conselho para decidir como deveriam atuar. Caifás, o sumo sacerdote, disse sem hesitar: “Vós não entendeis nada, nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo povo, e que não pereça toda a nação.” Todos os presentes juntaram-se a Caifás e decidiram condenar Cristo à morte.
Algum tempo após a Ressurreição de Cristo, os sacerdotes judeus resolveram eliminar todas as testemunhas vivas de sua missão divina e, por isso, desejavam ardentemente a morte de Lázaro. Restava apenas saber qual seria a melhor maneira de executar seus planos. Não se atreviam a matar Lázaro por meio da violência, pois era um homem de elevada consideração e muito estimado pelo povo. Não podiam acusá-lo de nenhum crime para encobrir sua maldade. Portanto, só lhes restava aproveitar uma oportunidade, pela qual não tiveram de esperar muito:
Como, após a morte de Santo Estêvão, a maioria dos cristãos havia sido expulsa da cidade ou fugido, Lázaro, suas irmãs e alguns outros cristãos tinham ido para Jafa, uma cidade litorânea. Logo que os fariseus foram informados disso, mandaram alguns soldados atrás deles, os quais pegaram Lázaro, suas irmãs e outros cristãos, colocaram-nos num barco velho e deteriorado e mandaram-nos à deriva sem velas nem remos, supondo que, em poucas horas, o barco e os que estavam nele pereceriam. O barco não poderia ser salvo por nenhuma força humana, mas a Providência, tendo decretado que Lázaro deveria ir para a França, guiou o barco com segurança até o porto de Marselha.
Os habitantes desta célebre cidade eram pagãos, mas cultivavam boas maneiras e eram amantes das artes e das ciências. Testemunhando uma viagem tão milagrosa, ficaram profundamente tocados e concluíram que só podia ser divina a fé que Lázaro lhes trouxera de forma tão milagrosa. Lázaro, que já fora sagrado bispo pelos Apóstolos, começou imediatamente a exercer com zelo seu ministério, tanto em Marselha como nos arredores da cidade. Como o Todo-Poderoso também lhe tinha concedido o poder de realizar milagres, em pouco tempo o número de fiéis aumentou tanto que, além das novas igrejas erguidas, o magnífico templo da deusa Diana foi consagrado por Lázaro ao serviço do Altíssimo. Lázaro cuidou de seu rebanho por trinta anos como um pastor fiel e teve a felicidade de ver o número de cristãos chegar a milhares e milhares num lugar onde o verdadeiro Deus não era conhecido quando lá chegara.
Por fim, concluiu uma vida exemplar com uma morte santa aos 73 anos de idade. Supõe-se que Lázaro morreu como mártir, tendo sido decapitado cruelmente por um oficial romano enviado a Marselha, que antes torturou o santo bispo por causa de sua constância na fé cristã. Ainda hoje é possível visitar o calabouço escuro em que o santo homem ficou confinado durante muito tempo pelo tirano. Sua sagrada cabeça está guardada em Marselha; o resto de seu corpo está em Autun [iii].
Considerações práticas
I. Marta e Madalena atestam que Lázaro, seu irmão, era amado por Jesus. “Senhor, aquele que tu amas está enfermo.” Cristo chama-o de amigo. “Lázaro, nosso amigo, dorme.” Como já disse, na opinião de muitos comentadores da Sagrada Escritura, ele merecia esse título por sua castidade irrepreensível. Assim fala o Espírito Santo: “Quem ama a pureza do coração, pela graça dos seus lábios, é amigo do rei” (Pr 22, 11).
Que amor ou amizade você conquista ao pecar contra a castidade ou ao deixar de guardá-la? Na verdade, só a do demônio e de suas legiões, pois nada lhe é mais aprazível do que o vício da impureza. “Nenhum alimento”, escreve Santo Ambrósio, “é mais agradável a Satanás do que a alma e o corpo dos impuros.”
Eusébio de Emesa, ao comentar a passagem do Evangelho onde se diz que o filho pródigo saciou a fome com os restos dados aos porcos, diz: “Estes porcos são os espíritos malignos, porque se divertem na lama do vício. E aqueles que cedem à própria vontade e satisfazem seus desejos alimentam esses porcos. Os prazeres impuros são os restos de que se alimentam os maus espíritos. Os pecadores querem saciar-se com eles, mas não conseguem, porque quanto mais pecam, mais desejam pecar.”
Que amizade você procura: a do diabo ou a do Senhor? Qual delas você prefere?
II. São Lázaro consagrou a vida — que, por uma graça especial, recebera uma segunda vez de Cristo — inteiramente ao serviço do Altíssimo e empregou-a em trabalhos para honrá-lo e salvar almas.
Deus lhe deu a vida ao criar você; Ele não o ressuscitou dos mortos, mas protegeu-o milagrosamente de muitos perigos de morte. Embora você merecesse a perdição eterna, o Deus infinitamente misericordioso o poupou e não o levou quando você estava mergulhado no pecado. Não seria, portanto, uma ingratidão imperdoável não consagrar toda a sua vida ao serviço do Altíssimo? Não seria uma loucura incompreensível usá-la para ofendê-lo? E até agora, o que você tem feito além disso? Faça um exame de consciência e, em seguida, atire-se cheio de vergonha ante o trono do Todo-Poderoso e suplique-lhe humildemente que perdoe sua maldade.
Faça a resolução de empregar o resto de sua vida apenas no serviço daquele que a deu e conservou até agora, pois a conservação de sua vida pode ser considerada um dom renovado diariamente. “A cada hora, a cada momento”, diz Santo Agostinho, “desfruto das dádivas de vossa misericórdia. Eu pereceria de hora em hora se não me preservásseis. Deveria morrer diariamente se não cuidásseis da minha vida. A cada momento me unis de novo a Vós.” Portanto, faça a resolução de que falei acima e diga com o salmista: Et anima mea illi vivet — “A minha alma viverá para Ele” (Sl 21, 31). Viverá para o Senhor; darei a minha alma, o meu corpo, tudo o que possuo ao serviço do Senhor.
Eis uma oração feita por muitos, na saúde e na doença: “Ó Jesus, em Vós vivo. Ó Jesus, em Vós morro.” Os que podem dizer com sinceridade a primeira parte: “Ó Jesus, em Vós vivo”, isto é, segundo a vossa santa vontade, para vos servir unicamente, podem também dizer com plena confiança: “Jesus, em Vós morro”, isto é, morro no vosso amor, na vossa graça, sob a vossa proteção. Mas quem não consegue dizer a primeira parte com sinceridade, mas antes exclama: “Mundo, por ti vivo; carne, por ti vivo; Satanás, em ti vivo”, deve também acrescentar: “Satanás, em ti morro”, pertenço a ti, vivo e morto.
São Boaventura diz com justiça: “Nada morre no homem senão o que nele viveu. Se minha mão ou meu pé não viveram em mim, eles não podem morrer em mim. Portanto, só morrem no Senhor aqueles que foram verdadeiros membros vivos de Cristo, pela fé e pelo amor; e quem não viveu no Senhor, não morre nele.” Por isso, se você quiser morrer em Cristo, viva em Cristo, da forma como já lhe expliquei: “A minha alma viverá para Ele!”
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