Nos séculos XII e XIII, os monges construíram alguns dos primeiros relógios totalmente mecânicos. O objetivo era simples. Eles iam à capela sete vezes ao dia para entoar louvores a Deus e interceder pelo mundo. Os relógios lhes permitiam fazer isso com mais precisão, disciplina e constância. Com esses relógios, eles podiam, na verdade, controlar o tempo e melhor aproveitá-lo para servir e louvar a Deus.

Agora, considere o que se tornou o relógio, e o modo como tratamos o tempo. Para os monges, o tempo era dedicado a Deus — no trabalho, no estudo, no lazer e na oração. Para nós, tornou-se algo mercantil e mundano. Nós batemos o ponto e cobramos pelas horas trabalhadas. Odiamos quando as pessoas desperdiçam o nosso tempo, pois tempo é dinheiro. Mas não nos importamos em matar o tempo nós mesmos.

Os monges desenvolveram relógios para que pudessem, de modo mais consciente, consagrar o tempo a Deus. Eles entendiam que o tempo era importante por causa da eternidade, porque o Eterno o confiou à nossa administração e cuidado, para glória sua e santificação nossa.

Nós, com nossos relógios e cronômetros avançadíssimos, excluímos a Deus do tempo. Os resultados não surpreendem. Como acontece com qualquer realidade criada, o tempo, uma vez arrancado o propósito do seu Criador, torna-se ou um deus que nos devora, ou um escravo do qual abusamos. Assim, nós nos encontramos ora escravizados pelo relógio, ora matando o tempo.

O período do Advento, que acabou de começar, tem tudo a ver com o tempo. Ele nos dá a oportunidade de refletir sobre como o vemos e usamos. “Bem sabeis em que tempo estamos”, diz São Paulo (Rm 13, 11). Bem, podemos até saber que horas são, mas não sabemos realmente o que é o tempo [1].

O Advento nos indica um tempo futuro, quando Nosso Senhor voltará. É por isso que todas as leituras têm, não o tema natalino que a maior parte das pessoas espera em dezembro [2], mas um aviso sobre o fim do mundo e a segunda vinda de Cristo. Nesse sentido, a Igreja Católica é a instituição mundial mais voltada para o futuro — olhando para o futuro mais distante, o fim do mundo. 

“Também vós ficai preparados! Porque na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá” (Mt 24, 44). Eis uma instrução séria. A visão que a Igreja tem do futuro não é o arco progressivo da história que marcha rumo à justiça. Não há uma melhoria inevitável na bondade e virtude humanas. Pelo contrário, a Igreja vê a situação do mundo piorar à medida que nos aproximamos da vinda do Senhor.

Ironicamente, o Advento prepara-nos para esse terrível momento futuro, lembrando-nos o momento mais belo e reconfortante do passado: a Encarnação. A segunda vinda de Cristo na glória é simplesmente o cumprimento e a consumação do que Ele realizou em sua primeira vinda. Se nos prepararmos bem para o seu Natal — se agirmos “honestamente, como em pleno dia: nada de glutonerias e bebedeiras, nem de orgias sexuais e imoralidades, nem de brigas e rivalidades” (Rm 13, 13) —, então seremos capazes de permanecer de pé, firmes, para a sua segunda vinda.

Isto acontece agora. É no presente que o passado e o futuro se encontram e ganham significado. Agora, no momento presente, recordamos as obras pretéritas de Deus a fim de nos prepararmos para a sua vinda futura.

Isto também explica o ano litúrgico da Igreja, que acaba de começar. Sim, a Igreja ainda observa o ano civil, que começa no dia 1.º de janeiro, e o Vaticano tem um ano fiscal. Mas não é pelo mundo ou pelo mercado que a Igreja de fato mede o tempo. Ela o faz por sua liturgia — caminhando todo ano com Nosso Senhor, através de sua vida.

A partir do 1.º Domingo do Advento, a Igreja começa a fazer memória anual da vida de Jesus: preparando-se para o seu nascimento e celebrando-o; contemplando a sua vida, pregação e milagres; e, acima de tudo, acompanhando-o em sua Paixão, Morte, Ressurreição, Ascensão, e [no envio do] dom do Espírito Santo.

O tempo nos é dado para este fim: para que possamos conhecer mais intimamente Jesus Cristo, e conformar aos seus, cada vez mais, os nossos pensamentos, palavras e ações. E como, deste lado do Céu, nós nunca faremos isso perfeitamente, sempre nos comprometemos a tentar de novo — ano após ano.

Tempo não é dinheiro. É muito mais do que isso. É um dom de Deus para que possamos conhecê-lo melhor. É a oportunidade de nos arrependermos — de deixar o pecado no passado e cultivar a virtude. É a oportunidade de perdoar — de deixar ressentimentos e rancores no passado e levar a caridade para o futuro. É a oportunidade de crescer na graça — de aumentar o nosso conhecimento e amor por Jesus Cristo, e o nosso compromisso com Ele. Se não estamos usando o nosso tempo para esse fim, então o estamos desperdiçando.

O relógio começou em um mosteiro e acabou numa folha de ponto. Mas podemos reverter isso. Podemos usar o nosso tempo — e todos os dispositivos que usamos para medi-lo — não apenas para atividades mundanas, mas para Deus. Temos temporizadores, alarmes e lembretes em todos os nossos aparelhos. Eles nos lembram de compromissos, aniversários, tarefas e assim por diante. Também podemos usá-los para nos lembrar de rezar ou de ler as Escrituras; para nos lembrar de uma festa [litúrgica]; para nos lembrar de ir à confissão etc.

O início do Advento é um convite para sermos bons administradores do tempo, sem adorá-lo nem tampouco abusar dele, mas aproveitando-o para a glória de Deus e o nosso bem.

Notas

  1. Há aqui, no inglês, um jogo de palavras intraduzível: we might know what time it is, but we don’t really know what time is. (N.T.)
  2. O autor diz aqui, no original: not the Christmasy theme that most people expect after Thanksgiving. Trata-se do tradicional Dia de Ação de Graças americano, inexistente porém no Brasil. Daí trocarmos a data pela simples menção ao mês de dezembro. (N.T.)

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