Numa cultura em que todos os contornos da vida pública contribuem para comunicar a mensagem de Jesus Cristo, a primeira cidadã do reino será a Igreja, a um só tempo Esposa e Corpo de Cristo, a amada que o próprio Deus escolheu e designou como Mãe de todos os redimidos em Cristo. Depois da Igreja vem a família que, por tradição sagrada e constante, forma a Igreja doméstica, devendo suas ações imitar a vida da Sagrada Família. E, finalmente, há o indivíduo

Mas não se trata do indivíduo isolado, desligado das fontes que o nutrem e lhe dão vida. Se for uma cultura da vida, cujos traços foram moldados pelos acontecimentos ligados à vida de Jesus Cristo, então esta não impedirá as ações do verdadeiro eu, avesso a tudo o que é melhor para si; impedirá, sim, as do eu atomizado, o eu autodeterminado, que vive separado dos outros num estado de inimizade e oposição a tudo o que tenta frustrar seus apetites e desejos.

Eis, então, os dois modelos contrastantes que atualmente disputam o domínio da vida pública, recusando-se a contentar-se com menos que o domínio total da cultura, por mais divergentes que sejam suas visões da realidade última. Por um lado, há o solipsista, que vive apenas para si mesmo e cujo apetite pelo prazer não deve ser contrariado por apelos ao altruísmo ou ao bem comum. Por outro, há o homem altruísta, que vive inteiramente para Deus e para o próximo e cuja máxima ambição cívica é ajudar na criação de uma cultura genuinamente cristã. Ora, é certo que os adeptos de cada uma dessas visões permanecem enraizados num mundo finito; ancorados, portanto, no mesmo estado contingente que todos temos de suportar, o que significa que nenhum deles pode reivindicar ser a causa de sua própria existência.

Esse fato simples e inescapável faz com que cada pessoa esteja necessariamente em relação com um Outro Infinito e Absoluto. Mas, enquanto o solipsista busca se absolutizar, isolando-se majestosamente de Deus, desafiando-o e desprezando constantemente a companhia dos outros, o homem genuinamente altruísta se contenta em curvar-se diante do Absoluto verdadeiro e eterno e, assim, servir aos outros — porque imagens dele. É este que, aceitando sua condição de criatura, sua dependência radical em relação a Outro, é livre para se doar e, assim, encontrar-se e realizar-se no processo. Só ele compreende que, diante de Deus ou do próximo, aplica-se a mesma verdade: para existir, é preciso permanecer sempre numa relação com o outro.

O poeta mexicano Octavio Paz expressou isso muito bem quando disse: “Na ética norte-americana, o centro é o indivíduo; na moral hispânica, por outro lado, o verdadeiro protagonista é a família.” Ou, numa versão mais ácida, temos esta frase do escritor Richard Rodriguez, segundo o qual, enquanto no México “a vida é trágica e todos são católicos e alegres, nos Estados Unidos, que são protestantes e otimistas, todos estão deprimidos”. Talvez uma variação do mesmo paradoxo seja o comentário feito por Frank Sheed, o famoso apologista católico, que costumava opinar: “Não vejo absolutamente nenhum motivo para ser otimista, mas tenho todos os motivos para ter esperança.”

Além de Deus, então, em que se pode basear essa esperança? Somente num Deus que é, Ele mesmo, uma Sagrada Família e, portanto, o fundamento e o modelo supremo de uma cultura enraizada na família — onde a pertença é definida precisamente pelas relações que as distinguem e definem, para recordar a célebre definição proposta por Boécio: “A substância compreende a unidade. A relação multiplica a Trindade.” Chesterton conseguiu dizer o mesmo, claro, mas de um modo mais simples: “Não é bom que Deus esteja sozinho.”

“A Trindade celeste e a trindade terrestre”, por Bartolomé Esteban Murillo.

Certamente é isso que explica o fato de tanto a ideia como a instituição de uma ordem confessional — na qual primeiro vem o Deus trino, seguido pela família da Igreja, junto com sua incontável descendência configurada à própria vida interior de Deus — não terem surgido nos países protestantes do norte da Europa, mas na Espanha católica, cuja própria identidade como povo e nação foi forjada na fé da Igreja.

E o que é, finalmente, o Estado confessional? Não é uma teoria jurídica, embora muita tinta tenha corrido nas penas de estudiosos que frequentemente teorizaram sobre o assunto. É, antes, um ato e uma expressão de amor, pelo qual se dá ao próximo e à sociedade em que ambos vivem o melhor que se tem: a verdade sobre Jesus Cristo e o modo de vida que Ele veio estabelecer entre nós.

Christopher Dawson, o eminente historiador e sociólogo católico, que nos deixou dezenas de livros sobre religião e cultura — insistindo em não haver nada mais natural que os homens procurarem integrar os dois —, chamou o Estado confessional simplesmente de cristandade, definida por ele como “uma sociedade política cujo princípio de unidade é a profissão pública da fé cristã”. Isso não é muito diferente da descrição de Santo Agostinho, registrada no início do século V em sua grande obra “A Cidade de Deus”: “Uma reunião de homens razoáveis unidos pelas coisas que amam.”

Talvez seja possível expressá-lo de modo mais epigramático, citando o último herdeiro do Império Romano Católico da Europa, o arquiduque Otto von Habsburg, que, ao falar sobre o futuro da Europa, observou de forma concisa: “A cruz não precisa da Europa; é a Europa que precisa da cruz”.

Com isso ele quis dizer que, para a Europa recuperar sua alma, o significado e o propósito de sua existência como povo, ela precisaria antes redescobrir suas raízes na religião cristã, ou seja, na Igreja Católica Romana. É somente na Igreja de Cristo que encontramos as origens e o desenvolvimento da cultura ocidental, que criou e sustentou o patrimônio herdado de Israel, da Grécia e de Roma, catalisando uma explosão de mente e espírito tão grande e de alcance tão vasto que, mesmo hoje, continuamos buscando inspiração nessa fonte.

São João Paulo II.

É a esse legado que toda a Europa e o Ocidente devem a sua identidade. De fato, com o objetivo de manter viva essa memória histórica, o Papa São João Paulo II realizou todas aquelas visitas pastorais pela Europa e pelas Américas, perguntando, como no caso da França, a filha mais velha da Igreja: “O que vocês fizeram com as promessas do Batismo?” Como ele tentava, e com tanta eloquência, despertar os corações dos homens e das mulheres cansados da Cruz, exortando-os a não abandonarem uma civilização do amor enraizada em seu mistério!

Bem, se o imperativo do Evangelho consiste em um mendigo faminto dizer a outro onde encontrar pão, o imperativo cultural passa a ser a construção de um mundo onde se possa encontrar muitas padarias. Então, o que é exatamente a cultura cristã? É nada menos que a perpetuação da Missa para que continue a ser oferecido o sacrifício agradável, e aqueles que têm fome de Deus possam se alimentar do Pão da Vida com regularidade e sem impedimentos. 

Diz-nos John Senior num maravilhoso livro intitulado “A Restauração da Cultura Cristã”: 

A cristandade é a Santa Missa e todas as coisas que a protegem e favorecem sua celebração. Toda a arquitetura, arte, política, economia, o modo de viver, sentir e pensar das pessoas, a música, a literatura, tudo isso, quando bem feito, contribui para promover e proteger o santo sacrifício da Missa.

Essa parece não ser mais uma ideia ou intuição amplamente aceita nos dias de hoje, não é mesmo? Na verdade, para muitos, equivale a uma espécie de provocação que precisaremos enfrentar.

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