Se perguntarmos às pessoas, inclusive a muitos católicos, o que é a Imaculada Conceição, há uma grande chance de eles responderem, de forma equivocada, que é a concepção de Jesus no ventre de Maria. Mas, na verdade, a Imaculada Conceição é a concepção de Maria. É um dogma que nos revela que Maria foi preservada da mancha do pecado original no momento de sua concepção, e permaneceu livre do pecado por toda a sua vida.
Era intrínseco ao plano salvífico de Deus que Maria fosse concebida sem o pecado original. Porque Adão e Eva, quando se afastaram de Deus, representavam toda a humanidade, todos os seres humanos afastaram-se de seu Criador. O pecado original foi transmitido a todas as gerações, ao longo de toda a história da humanidade, de modo que, quando somos concebidos, já nascemos num estado natural de separação de Deus, que os teólogos chamam de pecado original originado, e com uma inclinação para pecar, que é a concupiscência.
O plano salvífico de Deus era que seu Filho unigênito, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, assumisse a natureza humana, a fim de que tanto Deus como o homem Jesus pudessem realizar a redenção da raça humana. Mas havia um problema: Deus é sumamente santo. Portanto, Ele está em completa e total oposição ao pecado, razão pela qual os pecadores não podem estar em sua presença, sem antes serem purificados.
Como, então, Deus, o Filho, poderia se unir intimamente a uma natureza humana decaída? É aqui que entra o plano de Deus para Maria. Deus a escolheu para ser concebida sem pecado original, a fim de que pudesse dar a Jesus uma natureza humana pura e sem pecado. Maria é o vaso puro e inoxidável através do qual Jesus recebe uma natureza humana imaculada e sem pecado, a fim de que possa entrar no mundo para completar o plano salvífico do Pai.
No livro do Gênesis, Deus anunciou pela primeira vez o seu plano de salvação realizado por meio de Cristo, ao afirmar à serpente: “Colocarei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar” (Gn 3, 15). Deus dirige-se à serpente para dizer que os filhos da mulher atingirão sua cabeça. Quem é que atacará a cabeça da serpente? Jesus é quem veio para atacar a cabeça de Satanás e destruir seu poder. Portanto, se o filho da mulher é Jesus, a mulher obviamente é Maria.
Deus fala de inimizade entre a serpente e a mulher, e entre os descendentes da serpente e os descendentes da mulher. A descendência de Satanás é, na verdade, o pecado, com o qual ele deseja se multiplicar e encher a terra. Portanto, existe inimizade entre Maria/Jesus e Satanás/pecado. Essa inimizade significa uma oposição total e completa. Assim, quando duas coisas estão em inimizade, elas não têm nada a ver uma com a outra; não há absolutamente nenhuma cooperação ou comunhão entre ambas. Isso significa que Jesus e Maria se opõem completamente a Satanás e ao pecado, não possuindo nenhuma cooperação ou comunhão com eles.
Era necessário que Maria não tivesse uma natureza decaída, pois qualquer participação no pecado original, ou mesmo no pecado pessoal, destruiria sua inimizade com Satanás e o pecado. Por conseguinte, nesse primeiro anúncio do plano salvífico de Deus, vemos sua intenção de manter Maria totalmente livre do pecado, a fim de que Jesus pudesse assumir uma natureza humana incorruptível.
Uma referência ainda mais explícita à Imaculada Conceição de Maria está presente no Evangelho de Lucas, na Anunciação do anjo a Nossa Senhora (cf. Lc 1, 26-38). Ao saudar Maria, o anjo Gabriel revela que ela é imaculada. A tradução mais adequada da sua saudação é “Salve, tu que és plena de graça” (Lc 1, 28). A palavra grega kekaritomene (κεχαριτωμένη) é um particípio perfeito, que significa “foi preenchido”. Em razão disso, afirmamos que Maria é aquela que “foi preenchida” com a graça de Deus, aquela que a recebeu em toda sua plenitude, uma vez que a graça já lhe foi concedida de forma plena no momento da sua concepção.
A saudação do anjo revela ainda outra verdade sobre Maria. Sempre que alguém peca — mesmo que cometa o menor dos pecados —, acaba por perder ao menos um pouco da graça de Deus. Essa é a natureza do pecado: uma decisão livre de rejeitar a graça que Deus oferece a nós, que é a vida de seu Filho dada em sacrifício de amor. Para Maria estar “plena de graça”, ela deveria estar completamente livre do pecado, porque o mais ínfimo pecado a privaria de pelo menos parte da graça que recebera.
Cabe agora compreendermos como exatamente Deus preservou Maria do pecado original. Em sua bula Ineffabilis Deus, o Papa Pio IX declarou que ela foi preservada do pecado “por singular graça e privilégio do Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo”.
Maria precisava, tanto quanto todos nós, que Cristo a redimisse. E ela foi, como todos nós, redimida por sua morte na Cruz. Mas, como ela pode ter sido redimida pela morte de Jesus na Cruz antes mesmo de Jesus ter nascido?
Deus é eterno e transcendente e, portanto, não está submetido às limitações de espaço e tempo. Ele vê todo o tempo — passado, presente e futuro — de uma só vez. É como se olhasse para um trem muito longo do alto de um helicóptero. Os motores são o momento da Criação e o último vagão é o fim do mundo, e nós estamos em algum lugar entre os dois. Deus opera fora do tempo. Portanto, Ele tomou as graças e os méritos da morte de Jesus na Cruz e os aplicou de volta no tempo ao momento da concepção de Maria. Desse modo, Maria Santíssima, como todos nós, foi redimida por Cristo, embora, “por singular graça e privilégio do Deus onipotente”, ela também tenha sido completamente preservada do pecado original. Nesse sentido, Maria não foi apenas redimida, mas também preservada do pecado. Ela nunca teve pecado, nem por um segundo. Desde o primeiro momento de sua existência, Maria foi completamente preservada do pecado, sem nunca conhecer ou cooperar com ele em toda sua vida.
Embora Maria tenha sido preservada do pecado original no momento de sua concepção, ela ainda poderia ter escolhido pecar, pois tinha livre-arbítrio. Ela ainda poderia ter rejeitado a graça de Deus e o seu plano, e caído no pecado. Ela poderia ter dito “não” ao Pai na Anunciação do anjo Gabriel. Ela poderia ter dito “não” ao Pai, aos pés da Cruz, onde entregou seu Filho. Ela poderia ter se desesperado e amaldiçoado a Deus. No entanto, Maria cooperou perfeitamente e se rendeu ao grande dom da graça que Deus lhe dera e viveu a mais extraordinária vida cristã. É por isso que Maria é nosso grande modelo de fé a ser vivido pela Igreja. Somos chamados a cooperar com todas as graças que Deus escolhe nos dar, a fim de que, com humildade e amor, andemos pelo caminho que Ele quer para nós.
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