Na liturgia anterior à reforma do Concílio Vaticano II, havia uma celebração às sete dores de Nossa Senhora, que precedia o Domingo de Ramos. Essa memória tinha por objetivo preparar os fiéis para a Sexta-Feira da Paixão, unindo-os à compaixão da Virgem Maria, que se manteve de pé até os momentos finais da Via Crucis. Hoje, embora não seja mais prevista no calendário, os católicos não só podemos como devemos meditar sobre a Virgem Dolorosa, mormente numa época em que, como dizia Pio XII, “talvez o maior pecado do mundo seja que o homem tenha começado a perder o sentido do pecado”.
A Paixão de Jesus foi uma consequência gravíssima dos pecados da humanidade. Por isso, a reação que devemos ter diante do evento da cruz não pode ser outra senão a de Nossa Senhora, que, com sua fé, cooperou ativamente no mistério da Redenção, oferecendo o sacrifício de seu Filho pelos pecadores. Ela não só sofreu por ser Mãe de Cristo, mas porque sabia perfeitamente que seu Filho era o Messias. Podemos falar, portanto, de um duplo sofrimento em Nossa Senhora: um natural e outro sobrenatural, porque ela amava Jesus tanto com os afetos humanos como pela graça que recebeu para ser a Mãe de Deus.
Com efeito, a compaixão de Maria ao ver Nosso Senhor pregado na cruz e escarnecido por tantas blasfêmias foi elevadíssima. Daí que a Igreja recomende a meditação desse episódio, a fim de nós também nos compadecermos diante de tamanha dor. Porque, na verdade, nenhum cristão pode realmente dizer que ama Nosso Senhor e, ao mesmo tempo, ser indiferente à sua dor. Ao contrário, a Paixão de Cristo deve nos conduzir a uma profunda conversão.
Na memória de Nossa Senhora das Dores, os fiéis podemos cantar este belíssimo hino do Stabat Mater, cujas estrofes nos oferecem uma contemplação profunda da Paixão:
De pé, a mãe dolorosa
junto da cruz, lacrimosa,
via o filho que pendia.
Na sua alma agoniada
enterrou-se a dura espada
de uma antiga profecia
Oh! Quão triste e quão aflita
entre todas, Mãe bendita,
que só tinha aquele Filho.
Quanta angústia não sentia,
Mãe piedosa quando via
as penas do Filho seu!
Nessa parte introdutória, a tristeza da Virgem não é só passional, como podemos notar, mas é também uma tristeza profunda, que atinge a alma, como uma espada que transpassou o seu Coração. Em seguida, as demais estrofes têm um caráter retórico, indagando sobre quem irá se compadecer por aquela dor:
Quem não chora vendo isso:
contemplando a Mãe de Cristo
num suplício
Quem haverá que resista
se a Mãe assim se contrista
padecendo com seu Filho?
Por culpa de sua gente
Vira Jesus inocente
Ao flagelo submetido:
Vê agora o seu amado
pelo Pai abandonado,
entregando seu espírito.
Mas como a resposta dos homens tende a ser negativa, o hino nos convida a uma oração, em que pedimos a graça de sofrer por Nosso Senhor ao lado da Virgem SS.:
Faze, ó Mãe, fonte de amor
que eu sinta o espinho da dor
para contigo chorar:
Faze arder meu coração
do Cristo Deus na paixão
para que o possa agradar.
Ó Santa Mãe dá-me isto,
trazer as chagas de Cristo
gravadas no coração:
Do teu filho que por mim
entrega-se a morte assim,
divide as penas comigo.
Oh! Dá-me enquanto viver
com Cristo compadecer
chorando sempre contigo.
Junto à cruz eu quero estar
quero o meu pranto juntar
Às lágrimas que derramas.
Virgem, que às virgens aclara,
não sejas comigo avara
dá-me contigo chorar.
Traga em mim do Cristo a morte,
da Paixão seja consorte,
suas chagas celebrando.
Por elas seja eu rasgado,
pela cruz inebriado,
pelo sangue de teu Filho!
No Julgamento consegue
que às chamas não seja entregue
quem por ti é defendido.
Quando do mundo eu partir
dai-me ó Cristo conseguir,
por vossa Mãe a vitória.
Quando meu corpo morrer
possa a alma merecer
do Reino Celeste, a glória.
Temos de entender, no fim das contas, que a compaixão sobrenatural pelas dores de Nosso Senhor é um dom sem o qual a Virgem Maria não suportaria ver o suplício do Calvário, por conta da imensa dor a que estava exposta, assistindo àquelas cenas horrorosas. Como diz S. Bernardo, com efeito, “tão grande foi a dor da Virgem que, se fosse dividida entre todas as criaturas, todas morreriam de um golpe” [1].
Foram, pois, os olhos da fé que a fizeram enxergar o sacrifício redentor que ocorria por meio da oferta de Jesus. Por essa razão, nós devemos suplicar a Deus por esse dom da compaixão, para que Ele nos dê a graça que teve S. João de permanecer ao lado da Mãe naquelas horas de agonia. Assim, poderemos repetir as palavras de S. Paulo: Completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo na cruz (Cl 1, 24).
O que achou desse conteúdo?