Nestes tempos de pandemia, embora nem todos tenham se contaminado com o novo coronavírus, o medo se espalhou mundo afora como uma praga. E as consequências disso, planejadas ou não, precisam ser imediatamente enfrentadas, a fim de que um temor exagerado não nos faça perder de vista o bem maior: a vida eterna. Até porque, foi por medo que São Pedro negou Jesus três vezes e Pilatos condenou Nosso Senhor injustamente à morte.
O objetivo desta aula é, nesse sentido, compreender o que é o medo, descobrir suas raízes, pecaminosas ou não, para assim sabermos lidar interiormente com o problema sem nos deixarmos arrastar pelas doenças espirituais.
Conceito de medo. — Em primeiro lugar, o medo é uma perturbação interior frente a um mal, seja presente ou futuro, aparentemente muito difícil de superar. Aqui já percebemos que nem todos os males são objeto de medo, senão apenas os que avaliamos como difíceis de superar. Tal avaliação depende de diferentes fatores, que precisam estar corretamente ordenados. Na situação atual, porém, em que se misturam informações distorcidas, jogos políticos e conflitos jurídicos, nossa capacidade de avaliação está comprometida e, sem esse juízo adequado, somos amedrontados por perturbações constantes. O medo pode, então, ser superdimensionado, levando-nos ao pânico, ou simplesmente ignorado, conduzindo-nos a decisões imprudentes.
Esse tipo de avaliação equivocada é explícito em relação ao medo da morte, que atualmente paira sobre a maioria das pessoas. Ora, perder esta vida é, sem dúvida, um mal, e ninguém discorda disso. Mas existe uma falsa percepção de que esta vida é o bem maior, quando, na verdade, o bem maior é a vida eterna junto de Deus. O fato de entrarmos em pânico com a ideia da morte física e, ao mesmo tempo, ficarmos indiferentes à realidade muito mais ameaçadora da condenação eterna, só revela como estamos afetivamente desordenados.
Hierarquia dos amores. — Quando um bem que amamos é ameaçado, temos medo de perdê-lo. Por isso, precisamos firmar uma ordem hierárquica dos nossos amores, para que nem o mundo nem o demônio nos assustem com a possibilidade de perdermos um bem de somenos em relação à graça de Deus. O mundo usa o medo como um instrumento de controle social, e o diabo, como uma forma de nos afastar de Deus.
Na obra Cartas de um diabo a seu aprendiz, de C. S. Lewis, o demônio mais velho deixa claro ao mais novo que o medo da morte é uma das grandes propagandas demoníacas para fazer com que as pessoas se apeguem à vida terrena e sejam levadas à condenação eterna: “É claro que eles tendem a considerar a morte como o grande mal e a sobrevivência como o maior bem. Mas isso é porque nós os ensinamos a fazer isso. Não se deixe contaminar por nossa própria propaganda” [1]. E acrescenta que o apego a esta vida é fundamental para a perdição das almas: “Eis por que temos de, muitas vezes, desejar vida longa para os nossos pacientes. Setenta anos nunca é demais para a difícil tarefa de desvencilhar suas almas dos Céus e fazer com que fiquem firmemente atados à terra” [2].
A essa propaganda do demônio soma-se a influência dos “valores” mundanos, de modo que nossa batalha é espiritual e, ao mesmo tempo, cultural. Nesta sociedade do indiferentismo religioso, gerada desde a Revolução Francesa, dizer que as pessoas vão para o inferno, por exemplo, é não só politicamente incorreto, mas também uma espécie de absurdo, porque o importante é “crer em alguma coisa”.
Sabemos, porém, que isso não é verdade. Se assim fosse, Nosso Senhor Jesus Cristo não precisaria ter se encarnado para nos salvar, porque, afinal de contas, a humanidade, antes de Jesus, já cria em alguma coisa. Os astecas, por exemplo, criam num deus que exigia sacrifícios humanos, e os povos europeus tinham o seu panteão de deuses. O problema é que, quando não cremos na Verdade, estamos crendo em qualquer mentira. Mas a Verdade, que é Jesus Cristo, fez-se carne e habitou entre nós, a fim de que, nele crendo, fôssemos libertos das mentiras diabólicas, reordenássemos as nossas vidas e recebêssemos a paz.
A paz que vem de Cristo. — Na aparição de Jesus aos Apóstolos, quando todos estão trancados no cenáculo, por medo dos judeus, a primeira coisa que Nosso Senhor faz é mostrar-lhes suas chagas gloriosas, ou seja, os sinais da injustiça que Ele sofreu e, ao mesmo tempo, de sua vitória sobre a morte. Depois, Ele diz aos Apóstolos medrosos e agitados: “Pax vobis — A paz esteja convosco”.
Até aquele momento, amedrontados, os Apóstolos manifestavam um amor desordenado por si mesmos, que os fazia esquecer da promessa de vida eterna do Senhor. Era “o amor de si até o desprezo de Deus” de que fala Santo Agostinho [3]. O que restabelece neles a correta hierarquia dos amores é justamente a paz de Cristo que os visita.
Em seguida, Jesus sopra sobre eles o Espírito Santo e institui o sacramento da Confissão: “Àqueles a quem perdoardes os pecados, lhes serão perdoados; àqueles a quem não perdoardes, não serão perdoados” (Jo 20, 23). É através deste sacramento que os Apóstolos levarão ao mundo “o perdão e a paz”, realizando em cada penitente a transformação interior que Nosso Senhor operou neles próprios.
Nestes dias em que a desordem dos nossos medos constitui também um reflexo da desordem que o pecado realiza em nós, busquemos pedir perdão a Deus. Façamos um exame de consciência e, arrependidos de nossas faltas, na primeira oportunidade, procuremos o sacramento da Confissão.
A oração reordena nossa vida. — Para colocar em ordem os nossos amores, é imprescindível uma vida de oração constante, pois só Nosso Senhor pode nos dar um amor por Ele acima de todas as coisas. Do contrário, ficaremos desnorteados, preocupados com inúmeras coisas e pessoas, sem identificar Aquele que é o “único necessário” (unum necessarium) em nossa vida.
Apresentemos, pois, diante de Deus as nossas desordens, a fim de que Ele reordene o nosso coração e nos dê a paz. Com nossa hierarquia de amores bem ordenada, saberemos que o bem maior a ser protegido é a nossa salvação. Desse modo, poderemos usar o medo em nosso benefício, visto que, assim como certa dose de medo nos ajuda a preservar a vida física, também pode nos auxiliar a não perdermos a vida eterna.
Compreendamos, pois, que, para não sermos tomados pelo pânico e libertar-nos da propaganda diabólica e mundana de que esta vida é o bem supremo, precisamos cultivar a oração frequente, evitar a agitação de nossos pensamentos e frear nossa imaginação, para não sofrermos diante de males fantasiosos. Já os males que são, de fato, reais, não podemos ignorá-los, mas sim considerá-los com prudência e sensatez. Entre esses males, não percamos de vista, sobretudo, os que afetam a alma — como o rompimento de nossa amizade com Deus e o esquecimento da razão de ser de nossa vida —, pois são estes mesmos que nos levam à condenação eterna.
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