Após “O Mistério da Mulher”, estamos lançando hoje um curso sobre masculinidade, “Esto Vir: Seja Homem”, e por iguais motivos. Como sucede com a realidade da mulher, tampouco sabemos hoje o que é ser homem. A verdade é que precisamos olhar para a identidade masculina segundo o projeto de Deus, porque o homem está sendo instrumentalizado e polarizado.
Que é um homem? Duas perspectivas concorrem para responder à questão. Uma sustenta que o homem, simples construção social, pode ser “desconstruído” e feminilizado; outra, em reação, apregoa uma visão descompensada, para a qual o homem deve corresponder ao estereótipo da chamada “masculinidade tóxica”. Em ambas as interpretações, subjaz claramente uma antropologia deficitária.
Ora, que é o ser humano? Não nos reduzimos à dimensão biológica, senão que somos constituídos de corpo e alma. A necessidade de crescermos, consolidando nossa natureza, implica sempre a dimensão espiritual, cujas potencialidades, como flor em botão, devem atualizar-se para finalmente nos tornarmos o que somos chamados a ser. Daí, o esto vir que dá nome ao curso: temos de nos esforçar por cumprir o projeto de Deus para nós.
O título, aliás, inspira-se nas derradeiras palavras de Davi a Salomão: “Eu vou pelo caminho de toda a terra. Sê forte, pois, e porta-te como homem” (1Rs 2, 2). Ao longo do curso, iremos desenvolver de modo sistemático nossa compreensão desse conselho. Nesta aula, a título introdutório, iremos nos deter na vida do “homem segundo o coração de Deus”, o rei Davi, um dos poucos personagens bíblicos cuja biografia pode ser estudada a um tempo como modelo de decadência e conversão, de fraqueza e virtude.
Narrada em detalhes desde o Primeiro Livro de Samuel até os capítulos iniciais do Primeiro Livro de Reis, a vida de Davi reflete com clareza o projeto divino para o homem. Como sabemos, Saul ofendera a Deus, por isso o Senhor enviou Samuel à casa de Jessé com o fim de ungir um de seus filhos como rei de Israel. Jessé apresentou ao profeta os mais fortes e mais capazes, homens de boa aparência. Nenhum deles foi escolhido. Faltava o pequeno Davi, que estava no campo a cuidar das ovelhas. Apenas o viu, Samuel soube pelo Espírito do Senhor que o devia consagrar rei.
Ao contrário dos irmãos, Davi “era ruivo, de belos olhos e de aspecto formoso” (1Sm 16, 12); mas, apesar das feições pouco viris, o menino tinha alma valente, manifesta publicamente quando do enfrentamento com Golias, o filisteu perante o qual tremiam até os mais fortes de Israel. Como Davi dissera a Saul: “Ninguém deve desanimar por causa desse filisteu. Eu, teu servo, vou lutar com ele” (1Sm 17, 32), logo o vestiram com a armadura do rei; o pequeno soldado, porém, recusou o equipamento, demasiado grande para um corpo franzino como o dele.
Armado unicamente de cajado, atiradeira e algumas pedras, desceu à campa contra o gigante um Davi em nada parecido com a figura idealizada por Michelangelo. Golias, com efeito, ao ver aquele menino, “desprezou-o, pois era muito jovem, ruivo e de belo aspecto” (1Sm 17, 42). Fisicamente, era um rapaz desprezível, a ponto de o inimigo se queixar: “Sou por acaso um cão para vires a mim com um cajado? Vem, eu vou dar tuas carnes às aves do céu e às feras do mato” (1Sm 17, 43).
Cheio de coragem, Davi replicou no mesmo tom:
Tu vens a mim com espada, lança e dardo. Eu, porém, vou a ti em nome do Senhor dos exércitos, o Deus das fileiras de Israel que tu insultaste. Hoje mesmo, o Senhor te entregará em minhas mãos; eu te ferirei, te abaterei e te cortarei a cabeça. Hoje mesmo, darei o teu corpo e os corpos do exército dos filisteus às aves do céu e às feras da terra, para que toda a terra saiba que há um Deus em Israel (1Sm 17, 45-46).
Bem sabia Davi que a guerra pertence antes ao Senhor do que à força das armas. A primeira lição do pequeno guerreiro, portanto, é esta: sem fé, nada somos; nossos inimigos serão quase sempre maiores e mais fortes do que nós, por isso só há de subsistir quem tiver a casa edificada sobre a rocha.
Mas a história prossegue. Morto Golias, Saul encheu-se de ciúme por causa dos louvores que o povo entoava à bravura de Davi. Humilhado e perseguido pelo rei, tendo-se de mais a mais negado a lançar mãos contra quem reconhecia por ungido do Senhor, Davi se manteve fiel a Saul até o fim. Fiel a quem lhe fora infiel, eis a grandeza daquele pastorzinho de ovelhas.
Posteriormente, Davi tornou-se rei e, passados muitos anos de reinado, acabou protagonizando outra situação exemplar de “masculinidade”, agora com os sinais invertidos. Já não era o rapaz franzino e desprezível de outrora, mas um líder viril e guerreiro experimentado. No apogeu de sua força, quando maiores eram as suas responsabilidades, Davi se acomodou: “No início do ano, no tempo em que os reis costumam sair para a guerra, Davi enviou Joabe com seus oficiais e todo Israel, e ficou em Jerusalém” (2Sm 11, 1). Em vez de partir com os outros soldados, enviou-os em seu lugar, preferindo o palácio ao campo de batalha.
Foi por isso que, indolente e despreocupado, o rei pecou gravemente. Betsabéia, mulher de Urias, um dos soldados do exército israelita, estava tomando banho junto à janela do rei. Davi mandou trazê-la aos seus aposentos e deitou-se com ela. Depois de um tempo, ela manda avisar a Davi que estava grávida.
Para simular a gravidez adulterina, o rei passou a tramar contra Urias. Primeiro o quis trazer da guerra de volta à casa, para que, deitando-se com a esposa, Urias pensasse ser sua a criança que dali a pouco nasceria. Porém Urias, guerreiro fiel e exemplo de honra militar, recusou-se a dormir em casa com sua esposa enquanto seus companheiros dormiam sobre terra dura (cf. 2Sm 11, 11). E Davi, que por respeito a Deus não fora capaz de matar Saul, inimigo seu, atreveu-se agora, para ocultar sua luxúria, a matar um inocente. Ordenou que Urias fosse posto na frente de batalha, onde era mais rijo o combate, e ali desamparado, para ser ferido e morto (cf. 2Sm 11, 15). E assim aconteceu.
Essa história de Davi, que é também a de tantos outros varões, mostra-nos que o homem pode ser comparado com um computador: o hardware é o corpo com tudo o que lhe é próprio; já o software pode ser ou a virtude de um Davi, que matou a Golias mas poupou a Saul, ou o vício de um Davi, que assassinou a Urias para se deitar com Betsabéia. Hoje em dia, é comum pensarmos que para ser homem é necessário investir no hardware, isto é, na aparência física. Mas a virilidade não é só nem principalmente macheza; é antes de tudo virtude, como as do franzino Davi, que, se por fora pouco prometia de si, era contudo homem o bastante para matar um gigante.
Davi, é verdade, agiu também contra a virtude e a honra quando, desleixado, foi desleal com as tropas de Israel. Davi, é verdade, cometeu adultério e mandou matar um inocente; mas, não obstante tantas e tão numerosas faltas, mostrou não menor virilidade ao se arrepender. De coração contrito, Davi voltou a operar com o software correto. Já na velhice, tendo enviado suas tropas contra o próprio filho, o rebelde Absalão, Davi transformou a vitória em luto, revelando seu coração de pai. É um reflexo e, de certo modo, uma antecipação de Cristo, que viria ao mundo para derrotar na Cruz ao Golias infernal. Éramos Absalão, o filho infiel e digno de morte, mas o Senhor quis morrer por nós.
Não nos tornamos homens configurando apenas o hardware, isto é, o corpo. Sem o software correto, ou seja, sem virtudes, não há masculinidade plena. O hardware tem, é claro, a sua importância, mas não é nele que se esgota a nossa missão. Deus pensou o homem como Adão, nu e inocente, reflexo do Cristo que viria, virgem e puro, mas chamado à defesa de sua Esposa, a Igreja. Quando Eva pecou, Adão deveria tê-la protegido, confortando-a com a possibilidade do arrependimento. Como líder espiritual, Adão deveria tê-la reconduzido a Deus. Não foi o que aconteceu. Seduzido pelo pecado, também ele pecou; não satisfeito em pecar, pôs a culpa na mulher.
Este curso representa um verdadeiro projeto de vida, o de nos tornarmos o que Deus sonhou que fôssemos. O homem de verdade não é nem um machão nem um efeminado. Há algo de mais profundo e de mais belo na natureza do homem. É o que pretendemos mostrar em “Esto Vir: Seja Homem”.




























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