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A história de uma alma

Santa Teresinha do Menino Jesus é um fenômeno espiritual extraordinário, que abalou a França e a história da Igreja. Mais importante que os milagres alcançados por sua intercessão, no entanto, são os frutos de sua doutrina espiritual, que fizeram São João Paulo II proclamá-la doutora da Igreja.

Texto do episódio
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Santa Teresinha do Menino Jesus é um fenômeno espiritual extraordinário que abalou a França e a história da Igreja. Nascida em 2 de janeiro de 1873, em Alençon, ela experimentou o amor de Deus em sua vida desde muito pequena, por meio de seus pais, os bem-aventurados Luís Martin e Zélia Guérin. Desejosa de entregar-se totalmente a Deus, Teresa abraçou a vida religiosa e foi ali, no Carmelo de Lisieux, que ela escreveu a doutrina espiritual de sua "pequena via" e passou pela derradeira paixão de sua vida – uma tuberculose, que a levou muito cedo, em 30 de setembro de 1897.

Em um colóquio de despedida com Madre Inês de Jesus, em 17 de julho de 1897, Santa Teresinha confidenciava: "Passarei o meu Céu fazendo o bem sobre a Terra"01. Com efeito, tão logo ela morreu, começaram a aparecer milagres operados por sua intercessão. Teresinha foi vista em vários lugares do mundo, aparecendo inclusive para soldados nas trincheiras, durante a Primeira Guerra Mundial. Sua fama espalhou-se e começou a popularizar-se a famosa "novena das rosas", durante a qual as pessoas relatavam ter recebido rosas como sinal da proteção de Teresinha. O Carmelo de Lisieux não sabia mais o que fazer com tantas cartas: chegava-se a receber 500 por dia!

Enfim, no ano de 1925, o Papa Pio XI, reconhecendo a notável força de sua devoção02, canonizou Santa Teresinha do Menino Jesus, declarando-a, depois, padroeira das missões, ao lado de São Francisco Xavier, e padroeira da França, ao lado de Santa Joana d'Arc. Na homilia por ocasião de sua canonização, comentando o trecho do Evangelho que diz que "se não vos transformardes e vos tornardes como criancinhas, não entrareis no Reino dos céus"03, ele disse:

"Teresa, a nova Santa, tendo absorvido fortemente esta doutrina evangélica, traduziu-a na prática da vida cotidiana: de fato, com a palavra e com o exemplo, ensinou às noviças do seu mosteiro esta via da infância espiritual, e a todos os outros por meio dos seus escritos: escritos que, difundidos em todo o mundo, ninguém lê sem querer reler mais e mais vezes, com alegria máxima para a alma e com fruto. Na verdade, esta puríssima menina, que floresceu no horto recluso do Carmelo, tendo acrescentado ao próprio nome o do Menino Jesus, expressou em si mesma a sua imagem, de modo que se diga que quem venera Teresa, venera e louva o divino exemplo que ela copiou em si mesma."

"Hoje, portanto, esperamos que nas almas dos fiéis se estabeleça o firme propósito de pôr em prática esta infância espiritual, a qual consiste nisto: que tudo o que a criança pensa e faz por natureza, também nós o pensemos e façamos pelo exercício da virtude. De fato, como as crianças, não manchadas por nenhuma culpa e desimpedidas de qualquer esforço de paixão, repousando seguras na posse da própria inocência, e livres de todo engano e falsidade, exprimem sinceramente seus pensamentos e agem retamente de acordo com o que são de fato, Teresa mostrou-se mais angélica que humana e alcançou a simplicidade de uma criança, segundo a lei da verdade e da justiça."

"Na memória da virgem de Lisieux estavam bem impressos o convite e as promessas do divino Esposo: 'Quem é pequeno venha a mim' (Pr 9, 4); 'Seus filhinhos serão carregados ao colo, e acariciados no regaço. Como uma criança que a mãe consola, sereis consolados' (Is 66, 12-13). Assim, Teresa, consciente de sua própria fragilidade, entregou-se confiante à divina Providência, a fim de que, apoiando-se exclusivamente em Sua ajuda, pudesse alcançar a perfeita santidade de vida, mesmo através de grandes dificuldades, tendo decidido chegar a ela com a total e alegre abdicação da própria vontade."

"Não surpreende, então, que nesta santa religiosa se tenha realizado o que disse Cristo: 'Aquele que se fizer humilde como esta criança será maior no Reino dos céus' (Mt 18, 4). De fato, aprouve à benevolência divina enriquecê-la com o dom de uma sabedoria quase singular. Tendo atingido largamente a verdadeira doutrina da fé por meio da instrução do Catecismo, a ascética, do áureo livro da Imitação de Cristo e a mística, dos livros de São João da Cruz, alimentando também sua mente e seu coração com a assídua leitura das Sagradas Escrituras, o Espírito de verdade lhe comunicou e manifestou o que coube esconder 'aos sábios e entendidos' e revelar 'aos pequeninos'. De fato, ela – segundo o testemunho do nosso Predecessor – foi dotada de tal ciência das coisas celestes a ponto de indicar aos outros a via correta da salvação. E esta participação abundante na divina luz e na divina graça acendeu em Teresa um incêndio tão grande de caridade que, portando-a continuamente quase fora do corpo, por fim, a consumou, de modo que, pouco antes de deixar a vida, pôde candidamente declarar que 'não havia dado a Deus nada mais do que amor'. Segue-se também que, por essa força de ardente caridade, na jovem de Lisieux, existiram o propósito e o empenho 'de trabalhar por amor de Jesus, unicamente para agradar e consolar o seu Sacratíssimo Coração e para promover a salvação eterna das almas, para que pudessem amar a Cristo para sempre'. Que ela tenha começado a fazê-lo e obtê-lo tão logo chegou à Pátria Celeste se percebe facilmente vendo que essa mística chuva de rosas, que ela tinha ingenuamente prometido enquanto viva, tenha se propagado e continue a se propagar sobre a terra, por concessão divina."04

O Brasil tem a honra de ser pioneiro na veneração da memória de Santa Teresinha. De fato, o português foi uma das primeiras línguas a que a obra "História de uma alma" foi traduzida. Muitos santuários, basílicas e igrejas foram dedicados a ela em solo brasileiro. A urna que serve de depósito para os seus restos mortais é mais uma expressão da generosidade de fiéis brasileiros, que a doaram para a França. Não sem motivo esta urna é chamada pelos franceses la châsse du Brésil ("a caixa do Brasil").

Em 1997, no centenário do nascimento de Teresa para o Céu, quando sua devoção na Igreja já estava consolidada, o bem-aventurado João Paulo II proclamou Santa Teresinha do Menino Jesus doutora da Igreja. Na ocasião, o Papa sublinhava o aspecto extraordinário daquele evento:

"A ninguém passa despercebido (...) que hoje está a realizar-se algo de surpreendente. Santa Teresa de Lisieux não pôde frequentar uma Universidade e nem sequer os estudos sistemáticos. Morreu jovem: entretanto, a partir de hoje será honrada como Doutora da Igreja, qualificado reconhecimento que a eleva na consideração da inteira comunidade cristã, muito para além de quanto possa fazê-lo um 'título académico'."
"Com efeito, quando o Magistério proclama alguém Doutor da Igreja, tem em vista indicar a todos os fiéis, e de modo especial a quantos na Igreja prestam o fundamental serviço da pregação ou exercem a delicada tarefa da investigação e do ensino teológico, que a doutrina professada e proclamada por uma determinada pessoa pode ser um ponto de referência, não só porque está em conformidade com a verdade revelada, mas também porque traz nova luz acerca dos mistérios da fé, uma compreensão mais profunda do mistério de Cristo."

(...)

"Entre os 'Doutores da Igreja', Teresa do Menino Jesus e da Santa Face é a mais jovem, mas o seu ardente itinerário espiritual demonstra muita maturidade, e as intuições da fé expressas nos seus escritos são tão vastas e profundas, que a tornam digna de ser posta entre os grandes mestres espirituais."05

A grandeza da doutrina de Santa Teresinha, que fez o beato João Paulo II chamá-la de "mestra da fé e da vida cristã"06, manifesta-se de modo especial na conhecida obra "História de uma alma".

É particularmente no conhecido "Manuscrito B" deste livro, uma carta escrita a seu punho à Irmã Maria do Sagrado Coração, que está compendiada a sua doutrina espiritual. Esta, por sua vez, resume-se em uma palavra: o amor. Quem lê sobre a vida de Teresa, nota que aquilo que ela ensinava às suas noviças e às suas irmãs não consistia nem na realização de penitências heroicas nem em um método de oração específico. Embora tenha recebido alguns dons místicos, como o da transverberação07, ela não recebeu carismas gratia gratis data08. Para Teresinha, todo o caminho da santidade resumia-se ao amor.

Este consistia, em primeiro lugar, em esquecer-se de si mesma, voltando-se totalmente a Jesus, em uma gratidão imensa pelo amor que Ele manifestava a ela. Em um de seus escritos, ela conta que, enquanto rezava, lhe veio um pensamento de que no inferno ninguém amava a Jesus, nada que vinha do inferno agradava ao Seu coração. Ela, então, dentro do que chama de "loucura", diz que gostaria de ir ao inferno para, de lá, louvar a Deus.

É famosa a passagem da carta à sua irmã Maria em que ela compreende que o amor tudo faz:

"Compreendi que só o Amor fazia agir os membros da Igreja, que se o Amor se extinguisse, os Apóstolos não anunciariam mais o Evangelho, os Mártires se recusariam a derramar seu sangue..... Compreendi que o AMOR ENCERRAVA TODAS AS VOCAÇÕES, QUE O AMOR ERA TUDO, QUE ELE ABRANGE TODOS OS TEMPOS E TODOS OS LUGARES... NUMA PALAVRA QUE ELE É ETERNO!..........."

"Então no excesso de minha alegria delirante, exclamei: Ó Jesus, meu Amor..... minha Vocação, enfim eu a encontrei, MINHA VOCAÇÃO É O AMOR!...."

"Sim encontrei meu lugar na Igreja e esse lugar, ó meu Deus, foste tu que mo deste.... no Coração da Igreja, Madre, eu serei o Amor... assim serei tudo.... assim meu sonho será realizado!!!...."09

Para entender o que Teresa quer dizer com amor, é importante olhar para a teologia da caridade: existem um amor natural e um amor sobrenatural. Um amor natural pode ser virtuoso, mas também pode ser abusado: pode transformar-se em luxúria, em apego, em obsessão possessiva. O amor sobrenatural (agape), ao contrário, é uma virtude com um único objeto formal. De fato, a caridade pode ter inúmeros objetos materiais – pode-se amar a Deus, a si mesmo ou ao próximo –, mas o seu objeto formal é Deus apenas. Quando se tem amor sobrenatural, ama-se a Deus, mas não pelo temor do inferno ou pela recompensa do Céu, senão por Ele mesmo. É como diz um famoso soneto atribuído a São João de Ávila: "No me mueve, mi Dios, para quererte / el cielo que me tienes prometido; / ni me mueve el infierno tan temido / para dejar por eso de ofenderte. / Tú me mueves, señor; muéveme el verte / clavado en una cruz y escarnecido; / muéveme ver tu cuerpo tan herido; / muévenme tus afrentas y tu muerte. – Não me move, meu Deus, para querer-te / o Céu que me tens prometido; / nem me move o inferno tão temido / para deixar por isso de ofender-te. / Tu me moves, senhor; move-me o ver-te / cravado em uma cruz e escarnecido; / move-me ver teu corpo tão ferido; / movem-me tuas afrontas e tua morte."10

Santa Teresinha amava a Deus de forma muito simples. Ela fazia com que tudo no seu dia a dia se transformasse em amor. Em um dia de calor, por exemplo, não enxugava o suor do seu rosto, em sinal de mortificação, porque Jesus tinha sangue na face quando era crucificado. Ela realizava pequenas penitências com um amor grandioso: fazia as coisas ordinárias com uma caridade extraordinária. E, assim, transformando tudo em um grande ato de amor, ela conseguiu, heroicamente, passar por uma tuberculose, a última paixão de sua vida.

A sua conhecida "pequena via" consiste, pois, em fazer as coisas do dia a dia com verdadeiro amor sobrenatural. "A sua mensagem (...) não é senão a via evangélica da santidade para todos"11, a "vocação de todos à santidade na Igreja"12, que o Concílio Vaticano II proclamou com grande ênfase. Se, olhando para a vida de alguns santos, que Teresinha chama por vezes de "águias", a santidade parece-nos um caminho íngreme e inalcançável, a "pequena via" oferece um caminho às almas mais pequeninas – une légion de petites âmes.

Este amor que Teresa nutria para com Deus também se concretizava no amor ao próximo. Pode parecer surpreendente, mas ela só foi compreender de modo profundo o que era o amor ao próximo no seu último ano de vida, conforme escreveu:

"Neste ano, Madre querida, Deus me deu a graça de compreender o que é a caridade; eu o compreendia antes, é verdade, mas de uma maneira imperfeita, não tinha aprofundado esta parábola de Jesus: 'O segundo mandamento é SEMELHANTE ao primeiro: Amarás teu próximo como a ti mesmo.' Eu me aplicava sobretudo a amar a Deus e é amando-o que compreendi que não era preciso que meu amor se traduzisse somente por palavras, pois 'Não são aqueles que dizem Senhor, Senhor! Que entrarão no reino dos Céus, mas aqueles que fazem a vontade de Deus'." (...)

"Como Jesus amou seus discípulos e por que os amou? Ah! não eram suas qualidades naturais que podiam atraí-lo, havia entre eles e Ele uma distância infinita, Ele era a ciência, a Sabedoria Eterna, eles eram pobres pecadores ignorantes e cheios de pensamentos terrestres. Entretanto, Jesus os chama seus amigos, seus irmãos."

(...)

"Madre bem-amada, ao meditar essas palavras de Jesus, compreendi quanto meu amor por minhas irmãs era imperfeito, vi que não as amava como Deus as ama. Ah! compreendo agora que a caridade perfeita consiste em suportar os defeitos dos outros, em não se espantar com sua fraqueza, em edificar-se com os menores atos de virtudes que se vê sendo praticados, mas sobretudo compreendo que a caridade não deve ficar encerrada no fundo do coração: Ninguém, disse Jesus, acende uma lamparina para pô-la debaixo do alqueire, mas se põe no candelabro, a fim de que ilumine TODOS os que estão na casa. Parece-me que a lamparina representa a caridade que deve iluminar, alegrar, não somente os que me são os mais caros, mas TODOS os que estão na casa, sem excetuar ninguém."13

Teresa conta, mais adiante, como começou a colocar em prática esta caridade cuja profundeza tinha compreendido melhor:

"Encontra-se na comunidade uma irmã que tem o talento de me desagradar em todas as coisas, suas maneiras, suas palavras, seu caráter me pareciam muito desagradáveis, no entanto é uma santa religiosa que deve ser muito agradável a Deus, por isso não querendo ceder à antipatia natural que sentia, disse a mim que a caridade não devia consistir nos sentimentos, mas nas obras; então / apliquei-me a fazer por essa irmã o que teria feito para a pessoa que mais amo. (...) Um dia, na recreação, ela me disse mais ou menos estas palavras com um ar muito contente: 'Poderíeis dizer-me, Ir. T[eresa] do Men[ino] Jesus, o que vos atrai tanto para mim, a cada vez que me olhais, vos vejo sorrir?' Ah! o que me atraía, era Jesus escondido no fundo de sua alma... Jesus que torna doce o que há de mais amargo..."14

O bem maior que Teresinha quer fazer a seus devotos, mais que os milagres alcançados por sua intercessão, é ensinar-lhes o caminho da santidade. Então, vamos, com coragem, trilhar este caminho, junto com a pequena Teresa.

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