Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo Mateus
(Mt 4,12-23)
O Evangelho proclamado neste domingo fala sobre o início da pregação de Jesus. Tendo tomado conhecimento da prisão de João Batista, Cristo deixa Nazaré e vai morar em Cafarnaum, onde começa seu ministério público. A sua mensagem é uma só: "Convertei-vos, porque o reino de Deus está próximo". Dado esse passo, Jesus se dirige a dois pares de irmãos e os convida para segui-Lo: "Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens". São eles Simão, chamado Pedro, e seu irmão André; e Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João. O que se segue após a esse convite consiste em uma renúncia: "Eles imediatamente deixaram as redes e o seguiram." Os quatro não serão somente apóstolos de Jesus, mas também grandes amigos, participando dos momentos decisivos de Sua vida terrena.
Uma grande santa medieval, declarada doutora da Igreja pelo Papa Paulo VI, nos presta uma importante contribuição nesta reflexão. Santa Catarina de Sena, no seu famoso "Livro da Divina Doutrina" - popularmente conhecido como "Diálogo da Divina Providência" -, descreve esse episódio da vida dos apóstolos como "a primeira conversão". A santa nada mais faz do que repetir uma antiga tradição da Igreja, em que os santos padres relatam os três estágios da conversão do homem - aqui, pode-se também fazer um paralelo com a doutrina das "sete moradas" de Santa Teresa d'Ávila[1]
Conforme o ensinamento de Santa Catarina de Sena, a primeira conversão se dá no chamado de Cristo. Há uma iniciativa de Deus. Ele vem para nos tornar "pescadores de homens". A segunda conversão, por sua vez, se dá no calvário. A fé do homem é forjada pela dor e pelo risco de se perder. Já a terceira conversão, momento em que abandonamos todas as paixões desordenadas para amar somente a Deus, ocorre em Pentecostes. Jesus envia o seu Espírito Santo sobre nós, encaminhando-nos à missão de evangelizar, isto é, a ser "pescador de homens". E, neste sentido, os apóstolos são os nossos maiores modelos.
Mas o que é interessante em toda esta questão é justamente a ação de Deus. Santa Catarina nos faz perceber que "ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo"[2]. É Jesus quem toma a primeira iniciativa, vindo ao nosso encontro. Deus nos amou por primeiro. A primeira conversão, portanto, depende muito mais da graça divina do que do nosso próprio esforço. E é assim que deve ser, pois, do contrário, estaríamos caindo no pelagianismo[3]. Reconhemo-nos dependentes da graça divina. É ela que nos dá o impulso para deixar as redes e segui-Lo. E essa graça nos é concedida no batismo, este sacramento que nos eleva acima de todas as outras criaturas.
Com efeito, neste primeiro estágio da conversação, encontramo-nos na condição de São Pedro, quando da entrada de Cristo em seu barco. Ele diz: "Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador" (Cf. Lc 5, 8). Ora, Pedro vê-se indigno da presença de Deus ao mesmo tempo em que quer estar perto d'Ele para amá-Lo e adorá-Lo. E age dessa maneira porque é a luz de Deus que o faz enxergar as próprias misérias, os próprios pecados. A pessoa que se converteu vive um dilema entre o "homem velho" e o "homem novo". De fato, ele ama sinceramente a Deus e, ato contínuo, ama desordenadamente a si mesmo. Há um abandono dos pecados mortais, mas ainda existem resquícios dos pecados veniais, que só serão vencidos por meio da mortificação e da renúncia. À medida que ele se afasta desses pecados, por sua vez, ele começa a receber a recompensa de Deus: as chamadas consolações espirituais. É o que vemos na cena do monte tabor. Tomado pela beleza da transfiguração de Cristo, Pedro lança a proposta: "Senhor, é bom estarmos aqui. Se queres, farei aqui três tendas: uma para ti, uma para Moisés e outra para Elias" (Cf. Mt 17, 4). É a atitude de quem ainda necessita de uma nova conversão. Deus nos consola, mas podemos acabar transformando esses consolos em novo pecado. E a partir do momento em que eles se convertem em obstáculo, Deus os cancela, pois deseja nosso crescimento em santidade. Trata-se da pedagodia divina: "A vós, irmãos, não vos pude falar como a homens espirituais, mas como a carnais, como a criancinhas em Cristo. Eu vos dei leite a beber, e não alimento sólido que ainda não podíeis suportar. Nem ainda agora o podeis, porque ainda sois carnais" (Cf. 1 Cor. 3, 1-2).
São João da Cruz explicá-nos algo semelhante no seu livro "A noite escura da alma". O santo escreve que, no estágio da primeira conversão, os pecados capitais vão se convertendo em pecados espirituais. O homem passa a ter gula na oração, a desejar os prazeres do louvor, a buscar as consolações de Deus e não o Deus das consolações. E isso é extramamente grave, porque retarda o crescimento da alma. Por isso, Deus os retira. Deus nos lança na chamada aridez espiritual, para que possamos lutar e vencer nossas tentações. Diz Ele a Santa Catarina de Sena: "Conforme expliquei ao tratar dos estados da alma (18.1.2), retiro-me das almas a fim de que elas progridam no meu amor. Embora a alma continue em estado de graça, ausento-me quanto às consolações e deixo o espírito na aridez, tristonho e vazio[4]." Ainda não se está naquela “noite escura”, esse estágio é o da chamada “aridez espiritual”[5].
Vemos, deste modo, que necessitamos da graça de Deus para nos converter. E é Ele quem nos move a lutar contra nossas tendências pecaminosas, até chegarmos ao terceiro estágio. Essa luta, obviamente, supõe algumas quedas e até riscos. Mas, se estivermos seguros da presença de Deus, poderemos superá-la, poderemos vencê-la. Nas coisas de Deus, portanto, ou se progride, ou se regride.
Peçamos ao Senhor a graça necessária para chegarmos à terceira conversão.
Amém!
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