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Texto do episódio
445

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 13, 31-33a.34-35)

Depois que Judas saiu do Cenáculo disse Jesus: “Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele. Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará logo. Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco. Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”.

Neste 5º Domingo da Páscoa, a Igreja nos apresenta o belíssimo mandamento: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”, que está no Evangelho de São João, capítulo 13, versículos do 31 ao 33 e do 34 ao 35.

Com efeito, essa passagem do Evangelho é uma pérola preciosa para o nosso crescimento espiritual. A narrativa da Última Ceia, registrada nos capítulos 13 a 17 de São João, deve ser constantemente revisitada, porque é luz para a nossa caminhada espiritual. E isso de tal forma que, sempre quando meditamos nessas passagens, descobrimos novas verdades para a nossa vida interior. 

Nosso Senhor está celebrando a Última Ceia com os seus Apóstolos; é, portanto, um momento de intimidade, mas ainda incompleta. Isso porque Judas está presente. Então, Jesus, num ato de amor e de entrega, lava os pés de todos ali presentes — dos onze que o amavam e também de Judas. Nosso Senhor lavou os pés de Judas, mas este não se comoveu com o gesto de amor. O traidor, inclusive, ouve Jesus dizer: “Um de vós irá me trair”. São João conclui essa primeira seção no versículo 30, dizendo que, quando Judas saiu do cenáculo, “era noite”. Lá fora era noite, mas dentro do cenáculo Jesus estava com os seus Apóstolos; portanto, a noite se faz luminosa como o dia, pois Cristo revela o seu coração de uma forma singular. Ele chama os Apóstolos de amigos: “Não vos chamo mais servos, chamo-vos amigos” (Jo 15, 15). E é essa amizade com Cristo que explica a realidade do novo mandamento do amor. 

É preciso recordar a seguinte verdade: amizade significa amor em mão dupla. Ou seja, é impossível estabelecer amizade com alguém que simplesmente ignora a nossa existência. O amor é uma via de mão dupla, tal qual a amizade. Aqui, nós estamos diante de uma dinâmica de relacionamento que exige reciprocidade. Esse é o motivo pelo qual Judas não pode ser considerado amigo — no sentido estrito do termo — de Jesus. Ora, Nosso Senhor ama Judas, mas este não o ama de volta. No Horto das Oliveiras, conforme um dos Evangelistas Sinóticos, no momento da traição, Jesus chama Judas de amigo — mas isso é quase um convite, não uma constatação. O traidor, como sabemos, não correspondeu. 

O amor cristão tem o sentido do termo grego “agápē”, que é o amor “caritas”, o tipo de amor que exige reciprocidade. É uma realidade substancialmente distinta do amor no sentido da palavra latina “amor” — que em grego é “eros”. Este é tão-somente um amor de atração pela dimensão meramente material, física, animal. Geralmente, as pessoas associam o termo “eros” ao sexo, mas tal associação é bastante incompleta; trata-se de uma atração pela realidade imediata do mundo material. E isso é diferente do amor “agápē”, a caridade cristã, o amor de verdadeira amizade. E essa amizade se dá com Deus. Portanto, não há caridade se não estamos em estado de amizade com o Criador. É importante definirmos com precisão os termos, caso contrário não conseguiremos refletir frutuosamente sobre esse novo mandamento. 

E o novo mandamento se dá em função de um convite: ao amor de caridade, de amizade e, portanto, de reciprocidade para com Deus. Infelizmente, essa realidade não está nítida para muitas pessoas. Vejamos: a caridade cristã para com um pobre, por exemplo, só existe se nós amamos Deus na pessoa do pobre, porque estamos com isso respondendo ao amor do próprio Deus. Ele nos amou desde toda a eternidade: “Com o amor eterno, eu te amei”. E isso foi refletido na Cruz. É por isso que respondemos a esse amor amando Deus na pessoa do nosso próximo — trata-se, em última análise, de um relacionamento de amizade com Deus. Todavia, se tão-somente amamos o pobre, mas longe de Deus, então não temos o amor “agápē”, mas sim o amor “philia”. Ou seja, filantropia — “philia”, amizade; “antropos”, homem. Isso não é ruim, mas está assaz longe do amor “caritas”, o amor cristão. 

Nós vemos assim que só há verdadeira manifestação do amor “caritas” se nós manifestamos a nossa amizade a Deus. À luz disso, quando o cristão ama o pobre, o miserável, o doente etc., ele está amando Deus naquela pessoa. Assim, o amor humano — que já é belo — é elevado a um nível superior, sobrenatural. De fato, é grandioso ter um relacionamento com Deus, porque nós podemos ver nosso amor natural ascendendo a níveis sobrenaturais. É a graça de Deus que nos ajuda a amar. Isso porque, a bem da verdade, somos incapazes de amar sem o auxílio divino. E esse é um segundo ponto importante para o entendimento desse novo mandamento. 

Com efeito, a nossa amizade com Deus só pode ser efetivada por meio do auxílio da graça. Observemos: o pecado original nos colocou em uma situação de inimizade com o Criador. No capítulo 3 do Gênesis, é dito que, ao entardecer, quando Deus desceu ao jardim a fim de visitar Adão e Eva — que já haviam pecado —, nossos primeiros pais se esconderam do Senhor. Eles ouviram os passos de Deus e interpretaram a sua presença como algo ameaçador. É interessante observar que essa realidade do medo, do receio que temos de nos aproximar de Deus vem precisamente da nossa natureza decaída. 

É fácil perceber o medo que temos de nos doar a Deus, basta olhar para dentro de nós mesmos: quando alguém diz que devemos renunciar a todas as coisas e, num ato de amor, lançarmo-nos nos braços de Deus, temos a tendência de achar que isso é crueldade. Nessa entrega, nós vemos uma espécie de perda, de antagonismo; é a tristeza que invade a nossa alma e nos impede de verdadeiramente nos doarmos a Ele. 

Urge, assim, a atuação direta da graça de Deus para que possamos amar. A propósito, é por isso que precisamos rezar; sem vida de oração não alcançamos o auxílio da graça atual, portanto, não vamos conseguir amar efetivamente. Nós precisamos, qual mendigos sentados à porta do Senhor, bater insistentemente até que Ele abra e nos dê a graça de amar. 

Assim, temos estes dois elementos: a definição de amor como a amizade com Deus, e o princípio de que somos incapazes de amar sem o auxílio da graça. Vejamos agora, de maneira bastante concreta, qual é a lição deste Evangelho. 

O Evangelho começa narrando a saída de Judas do Cenáculo. Agora, permanecem aqueles que são amigos de Deus, isto é, que estão em estado de graça. Jesus então anuncia a sua partida, a sua glorificação; em que será manifestada a glória de Deus, a glória fulgurosa. Nosso Senhor manifestará o seu amor na Cruz. E aqui é importante observar que, para nós, a realidade da Cruz tem algo de pavoroso, de horripilante. Ora, mas isso só àqueles que não têm fé. Aos incrédulos, a realidade da Paixão de Nosso Senhor é como aquela nuvem descrita no livro do Êxodo, que para os egípcios era tenebrosa, mas para os filhos de Israel era luminosa. Esta é a realidade da noite, de Judas que deixa o Cenáculo: lá fora, trevas; dentro, a glória do amor que se manifesta. 

Ora, o amor só se manifesta àqueles que têm fé — o que é uma realidade até mesmo própria da natureza humana. Vejamos: se uma pessoa nos ama, ela dá provas desse amor. Se, porventura, nós nos recusarmos a acreditar nela, simplesmente não estabeleceremos contato com o amor que advém daquela pessoa. Nós sempre poderemos duvidar do amor, poderemos desconfiar de que talvez haja interesses por trás, mas o fato é que se não tivermos fé, jamais encontraremos o amor. 

Nesse sentido, a Cruz é verdadeiramente luminosa; ela é a maior proposta de amizade jamais apresentada. Nosso Senhor está disposto a pagar o preço de derramar o seu próprio sangue a fim de restaurar a nossa amizade. Assim, quando lemos que o Filho será glorificado, quer dizer que Jesus, o próprio amor de Deus, brilhará na Cruz. 

E então, nesse espírito de despedida, Jesus diz: “Filhinhos, por pouco tempo ainda estou convosco” — “filhinhos”, no grego original, é “teknia”, que, ao pé da letra, quer dizer “criancinhas”. Isso porque, de fato, os Apóstolos ainda são crianças espiritualmente; eles ainda não cresceram na fé. Esse é o motivo pelo qual Cristo diz: “Para onde eu vou, vós não podeis ir” — infelizmente, o Lecionário suprime parte do versículo 33, que, originalmente, é “Vós me procurareis e agora eu vos digo, como eu disse aos judeus, para onde eu vou, vós não podeis ir”. Não nos esqueçamos de que esse é o contexto da Última Ceia. Todos aqueles Apóstolos, exceto João, por talvez ser bastante jovem, vão fugir — São Pedro, inclusive, vai negar Nosso Senhor. 

Jesus está explicando a esses Apóstolos que o amor com o qual Ele os amará eles ainda não são capazes de ter. Porém, quando eles estiverem suficientemente fortes e crescidos, a própria fé unir-se-á ao amor. Dessa forma, haverá uma amizade plena entre Ele e os seus Apóstolos. Eis o sentido das palavras de Jesus: “Eu vos dou um novo mandamento”. É aqui onde nós exercitaremos a nossa fé e também o nosso amor a fim de que possamos alcançar a estatura de Cristo, isto é, para sermos santos. E o mandamento é: “Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (v. 34) — “agapāte allēlous”, amar reciprocamente, que é o lugar concreto de nossa doação a Deus. 

Precisamos entender que toda a nossa vida da fé só se torna autêntica quando há doação. Às vezes, surgem pessoas que pedem ajuda para descobrir em qual das sete moradas da vida interior — no sentido de Santa Teresa d’Ávila — elas estão. E, como material de apoio, elas apresentam a própria vida de oração. Contudo, é preciso entender que, somente com o panorama da vida de oração não é possível descobrir em qual morada se está. Porque há chances reais de que tudo isso não passe de pura imaginação. Com efeito, o fator determinante para o grau de amor no qual nos encontramos — as moradas, tal qual elaboradas por Santa Teresa, representam a gradação do amor — é se estamos nos deixando devorar pelos irmãos. Isso é amor concreto. E nós só conseguimos alcançar esse nível de amor por meio de uma verdadeira vida de oração. É por isso que Jesus diz: “Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”. E aqui, esse “como eu vos amei” não está limitado somente à realidade do exemplo, mas Jesus quer que nós o amemos de volta na pessoa do irmão. 

Em seus “Diálogos”, Santa Catarina de Sena diz que ela quer morrer, salvar e dar a vida por Jesus. Mas ela logo percebe que isso é impossível, pois Jesus é o Salvador, Ele é a própria vida. E então, Santa Catarina pergunta como deve, afinal, proceder em seu intento de agradar a Nosso Senhor. Como resposta, Cristo diz para Catarina que ela deve fazer tudo isso na pessoa do irmão, pois isso é uma forma eficiente de retribuir tudo quanto Deus fez por ela. Dessa forma, ao fazermos atos de amor para com o nosso irmão, “foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 40), diz Jesus. E essa é a amizade concreta com Ele.   

Com isso, quando partimos para a nossa vida de oração e conseguimos ter essa oração íntima com Jesus — isso que, nas palavras de Santa Teresa, é “tratar de amizade com frequência, com quem sabemos que nos ama” — estaremos recebendo a graça. E isso “como eu vos amei”. É nessa dinâmica que recebemos o amor e a força de Cristo; é quando vivemos essa amizade. Mas nós só podemos viver isso de forma encarnada no irmão . Do contrário, nosso amor por Cristo não passa de uma fantasia. 

No versículo 35, Jesus diz: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros”. E Santo Tomás de Aquino, ao comentar esse versículo, explica-o lançando mão de um exemplo: o soldado que parte para a guerra carregando a insígnia do rei. Conforme Santo Tomás, aqueles Apóstolos já haviam recebido certo conhecimento e o poder de operar milagres, mas nenhuma dessas coisas foi escolhida por Cristo como insígnia. Ora, isso porque os homens maus também podem fazer essas coisas. Judas, por exemplo, também recebeu poder para operar milagres e expulsar demônios. Porém, Judas não tinha amor. A insígnia de Cristo é o amor. Quem não ama, não faz parte dos amigos de Cristo.

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LF
Luiz Ferraz
18 Mai 2025

Louvado seja Deus pelo padre Paulo Ricardo.

🙏🏼

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ÁL
Álerson Lima
18 Mai 2025

Amém!

Responder
JC
July Cavalcante
18 Mai 2025

Padre Paulo, muito obrigada por compartilhar tantos ensinamentos e nos ajudar a crescer na fé em Nosso Senhor  Jesus. Que o amor do Espírito Santo de Deus nos ilumine e nos abençoe hoje e sempre.

Responder
MB
Maria Baia
18 Mai 2025

Amém! Bela Homilia! Forte exortação/chamado! Ai de mim, que ainda não sei Amar! 

Muito Obrigada Amado Padre! 🌹

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Comentários dos alunos