Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
(Lc 21, 25-28.24-36)
Naquele tempo disse Jesus a seus discípulos: “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra, as nações ficarão angustiadas, com pavor do barulho do mar e das ondas. Os homens vão desmaiar de medo, só em pensar no que vai acontecer ao mundo, porque as forças do céu serão abaladas. Então eles verão o Filho do Homem, vindo numa nuvem com grande poder e glória. Quando estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima. Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não caia de repente sobre vós; pois esse dia cairá como uma armadilha sobre todos os habitantes de toda a terra. Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem”.
Neste domingo, damos início a um novo ano litúrgico com o 1º Domingo do Advento, pelo qual a Igreja prepara-se para o Natal. Esse período é marcado por um chamado à penitência e à conversão, um convite para nos concentrarmos na visita e na presença de Deus. O Evangelho deste domingo aborda precisamente este tema: a segunda vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e como devemos preparar-nos para ela. Neste novo ano litúrgico, vamos meditar a partir do Evangelho de São Lucas, já que estamos no Ano C, dedicado a esse evangelista. Assim, o Evangelho de hoje é extraído de São Lucas, capítulo 21, versículos 25 a 28 e 34 a 36.
Na primeira parte do Evangelho, nos versículos 25 a 28, são apresentados os sinais que evidenciam o abalo deste mundo transitório. Esses sinais revelam como tudo o que pertence a este mundo, por mais grandioso que pareça — como o Sol, a Lua e as potências celestes —, desfaz-se diante da presença de Deus. Já a segunda parte do Evangelho é a mais desafiadora e prática, porque trata das nossas atitudes. Ela nos orienta sobre o que devemos fazer para nos preparar, não apenas para o acontecimento final da vinda gloriosa de Jesus, mas também para as visitas de Cristo em nossa vida cotidiana, na presença constante de Deus em nosso dia a dia.
Jesus adverte-nos com as palavras: “Cuidado para que os vossos corações não fiquem pesados”. Tal exortação refere-se a um coração — ou uma alma — que se torna excessivamente apegado às coisas desta vida. A ideia de “pesado” transmite exatamente essa condição. No original grego, a palavra usada é “barēthōsin”, que remete a uma força que nos puxa para baixo, como uma gravidade espiritual. Jesus chama atenção, de forma particular, para duas situações específicas: os apegos aos prazeres carnais, representados aqui pelas realidades da crápula e da embriaguez.
O que significa crápula? Em grego, a palavra é “kraipale”, que se refere aos excessos ligados aos prazeres. Isso acontece quando nos entregamos ao exagero na bebida, na comida ou, trazendo para os dias de hoje, ao uso de drogas, aos prazeres desmedidos do sexo e comportamentos semelhantes. Essa é a primeira realidade contra a qual precisamos estar atentos para evitar que nosso coração se torne pesado: o apego aos prazeres sensíveis. Trata-se de uma visão limitada e quase instintiva, típica de quem acredita que a felicidade encontra-se apenas nos prazeres da carne.
Jesus também nos alerta sobre outro perigo, agora em um nível mais elevado: as preocupações excessivas da vida. Ele usa a expressão grega “merimnais biōtikais”, referindo-se às inquietações e agitações do dia a dia. Aqui percebemos dois estágios distintos de conversão. O primeiro é aquele em que a pessoa ainda está presa aos pecados mais evidentes e grosseiros da vida cotidiana, como o uso de drogas, o sexo desregrado ou o excesso na bebida. São atitudes destrutivas, cuja gravidade é perceptível até mesmo em uma sociedade paganizada.
Quando, por exemplo, vemos alguém que está se destruindo com as drogas, fica evidente que essa pessoa viciada precisa abandonar tal estilo de vida autodestrutivo. Por quê? Ora, porque quem se entrega aos prazeres carnais vive sem propósito, sem um objetivo maior, como um animal. Pensemos em uma vaca no pasto: ela vive sua “felicidade bovina”, buscando apenas satisfazer as necessidades do corpo. A única finalidade da sua existência é encontrar prazer físico e sobreviver.
A diferença é que a vaca não tem alma. Por isso, ela come um pouco do pasto e se satisfaz, bebe água e está satisfeita, acasala com o touro e sente-se realizada. Ela tem um bezerro, amamenta-o e isso completa sua “felicidade bovina”. Toda a sua existência resume-se em satisfazer as necessidades do corpo, e para ela isso basta. Já o ser humano é diferente. Nós não somos apenas corpo; temos também uma alma. E, por mais que atendamos às exigências do corpo, a nossa alma continua insatisfeita, pois anseia por algo muito maior.
É por isso que nós, diferentemente dos animais, somos capazes de nos destruir buscando o prazer carnal. O ser humano come, mas não se satisfaz. Ele acredita que a felicidade está no fundo do prato e, por isso, continua comendo sem limites, até que suas veias estejam obstruídas, seu fígado, estômago e coração fiquem comprometidos, e sua saúde seja destruída. Mas isso não para no âmbito fisiológico, porque vem acompanhado de uma profunda tristeza que domina a alma. Um animal sente prazer ao beber, mas não tem alma. Já o ser humano, tentando encontrar a felicidade da alma no fundo de uma garrafa, continua bebendo sem parar, até acabar com a própria vida. É evidente que isso não funciona, porque nós não fomos criados para viver como animais.
Isso também ocorre com as drogas, até que a pessoa perde a vida em uma overdose. O mesmo acontece com o sexo, levando ao extremo de alguém realizá-lo sem sequer sentir prazer, apenas por compulsão. Como consequência, surgem doenças, a destruição da família, e até danos à sociedade como um todo. Qualquer pessoa sensata percebe que há um problema sério quando o ser humano busca satisfazer apenas os prazeres sensíveis. A pessoa deseja ser feliz, mas procura a felicidade onde ela não pode ser encontrada: no âmbito material. O corpo pode até proporcionar um prazer momentâneo, mas a felicidade verdadeira pertence à alma.
Por isso, Jesus adverte: tenhamos cuidado, porque se nos entregarmos à embriaguez, aos excessos ou à crápula, nosso coração ficará pesado. Essa é a primeira conversão essencial. Precisamos aprender a mortificar nosso corpo. É como um carro: ele tem acelerador, mas também precisa de freio. Se o carro nunca usar o freio, haverá um desastre. Isso nos fala da virtude da temperança. Portanto, precisamos desenvolver a capacidade de controlar nossos instintos. Essa é a primeira etapa da conversão.
Por isso, o tempo de conversão do Advento é um período de jejum e penitência, um momento em que nos abstemos dos doces e das coisas boas que tanto gostamos. Mas por quê? Para quê, ao mortificarmos nosso corpo, possamos permitir que a alma se eleve. O objetivo é evitar que nosso coração se torne pesado. Essa é a primeira etapa. Mas a conversão não termina aí. Imaginemos que alguém, depois de abandonar esses pecados mais grosseiros, decide então concentrar-se em uma carreira ou em um sucesso material nesta vida.
Nossa sociedade valoriza esse tipo de escolha. Imaginemos alguém que decide ser jogador de futebol e se impõe uma disciplina rigorosa, com treinamentos intensos, acordando cedo e praticando exercícios físicos. Ele está mortificando o corpo, mas por qual motivo? Para conquistar um troféu, algo totalmente perecível e limitado a esta vida. Portanto, esses atos de mortificação, que poderiam ser virtuosos, não o são de fato porque não têm como objetivo o que é verdadeiramente duradouro: Deus. Ou seja, a pessoa ainda acredita que encontrará a felicidade apenas nesta vida.
Embora tais pessoas pareçam virtuosas e sejam admiradas pela sociedade, na realidade, elas ainda estão vazias. Este é o ponto central da exortação de Jesus neste Evangelho: precisamos nos livrar dessas “merimnais biōtikais”, dessas preocupações excessivas com as coisas deste mundo. A palavra “merimna”, que significa preocupação, é utilizada por São Lucas em outra passagem, quando Jesus está na casa de Marta e Maria (cf. Lc 10, 39-42). Nessa cena, Maria está sentada aos pés de Jesus, ouvindo-o, enquanto Marta agita-se, ocupada com as tarefas, aparentando certa virtude, mas, na verdade, perdida na agitação.
Marta dedica-se a uma ascese de ser a anfitriã perfeita, cuidando da casa com tanto esmero que tudo está impecável, sem uma folha de papel fora do lugar. Aos olhos de todos, ela é virtuosa. No entanto, Jesus diz a Marta: “Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas”, ou seja, ela tem essa “merimna”, palavra que vem de “meridzo” e significa dividir. Embora Marta pareça ter um objetivo claro na vida, a bem da verdade, seu coração está dividido, pois foi criado para encontrar a verdadeira felicidade em Deus, no Céu. Mas seu coração está “meridzo”, dividido, inquieto, agitado por muitas coisas.
Assim, nós nos tornamos uma Marta inquieta, agitada, absorvida por inúmeras preocupações. Aos olhos da sociedade, podemos parecer ter virtude, mas, na verdade, só uma coisa é realmente necessária: viemos a este mundo para amar e servir a Deus, e assim chegar ao Céu. Isso é o essencial.
Ao longo da história da Igreja, muitos santos desenvolveram seus próprios métodos de oração e espiritualidade. No entanto, um santo que se destacou por ser um grande “desentortador” de vidas foi Santo Inácio de Loyola, conhecido por sua capacidade de ajudar pessoas a corrigir seus caminhos tortuosos.
Quando olhamos, por exemplo, para a espiritualidade de Santo Inácio de Loyola e a espiritualidade de uma Santa Teresa d'Ávila ou de um São João da Cruz, percebemos uma grande diferença, e muitos dizem que são duas escolas de espiritualidade distintas. Na verdade, não são duas escolas diferentes. O que acontece é que Santo Inácio prepara as pessoas para “desentortar” a vida. Depois que ele aplica os seus Exercícios Espirituais, e as pessoas começam a corrigir seus caminhos, ao final desse processo, elas estão no ponto de partida, de onde iniciam Santa Teresa e São João da Cruz.
Os Exercícios Espirituais, de Santo Inácio de Loyola, são feitos para corrigir a vida dessas Martas agitadas que nós somos, dessas preocupações mundanas com as quais buscamos tantas e tantas coisas, quando, na realidade, precisamos nos concentrar no único objetivo verdadeiramente importante da nossa vida. Por isso, no início dos seus Exercícios Espirituais, Santo Inácio propõe o que ele chama de “princípio”. É a meta final, o único necessário.
Na primeira semana dos Exercícios Espirituais, no número 23, ele apresenta aquilo que é chamado de princípio e fundamento de nossa vida:
Princípio e fundamento: O homem é criado para louvar, prestar reverência e servir a Deus Nosso Senhor e, mediante isso, salvar a sua alma. E as outras coisas sobre a face da Terra são criadas para o homem para que o ajudem a conseguir o fim para o qual foi criado. Donde se segue que o homem tanto há de usar delas quanto o ajudarem para o seu fim e tanto deve deixar-se delas quanto disso o impedem.
Esse parágrafo é realmente impressionante. Se conseguirmos entender o que ele significa, tem o poder de desentortar a nossa vida. Ele coloca nossa vida no rumo certo. A partir daí, podemos começar a falar de vida espiritual, de crescimento, de avançar da primeira para a segunda morada, da segunda para a terceira morada, de buscar a santidade e assim por diante. Mas, enquanto não corrigirmos nossa vida, percebendo qual é o seu princípio e fundamento, podemos até parecer muito virtuosos, mas nenhuma de nossas ações será verdadeira virtude. Tudo não passará de um catolicismo cenográfico.
Ou seja, podemos dizer que não temos relações sexuais antes do casamento, mas não porque queremos de fato nos guardar para o casamento, e, sim, para mostrar aos outros que somos virtuosos. A motivação por trás disso não é a verdadeira virtude. Nesse caso, podemos até ser castos, mas pela razão errada, por pura vaidade.
Ou seja, conseguimos superar aquela primeira fase que Jesus menciona no Evangelho, deixamos a crápula para trás, mas ainda estamos presos às preocupações da vida. É aí que entra o princípio e fundamento. Nós fomos criados para uma única finalidade, o único necessário: amar a Deus, louvá-lo e servi-lo.
Nós não nos pertencemos; existimos para Deus, para louvá-lo e servi-lo. E, ao fazer isso, salvamos a nossa alma. Agora, uma vez que amamos, louvamos, servimos a Deus, e ao fazer tudo isso, salvamos nossa alma, como devemos enxergar as outras coisas da vida? Com efeito, tudo sobre a face da Terra foi criado para nós e para alcançar o fim de nossa vida. Se algo, como o celular ou o computador, não nos ajuda a amar e servir a Deus, devemos nos abster de usá-lo. Assim, ao nos concentrar naquilo que realmente importa, colocamos nossa vida no rumo certo e desentortamos nossa existência.
É tempo de Advento. Durante esse período, a Igreja convida-nos a iniciar o ano litúrgico, reconduzindo nossas vidas ao seu verdadeiro objetivo. Preparemo-nos para a vinda de Deus em nossa vida. Jesus virá de várias maneiras: Ele virá no Natal, celebrando sua vinda na carne; virá no fim dos tempos, quando este mundo passar; e Ele também virá pedir contas de nossa vida, porque todos chegaremos à morte.
Cada um de nós tem uma razão de ser. Então, prestemos atenção no alerta de Jesus para que o nosso coração não fique pesado por causa da crápula, dos excessos e da embriaguez. Ou seja, a primeira coisa é mudar de vida. Precisamos parar de tentar satisfazer nosso corpo como se fôssemos animais, porque nós temos alma. A vaca pode se contentar com os prazeres do corpo, mas nós, que temos alma, não ficamos satisfeitos com isso. Vamos querer cada vez mais, até nos destruirmos. Então, é hora de pisar no freio e praticar a temperança.
Até aqui, a maior parte das pessoas consegue reconhecer como um valor quando a pessoa é disciplinada, não usa drogas, mantém-se longe do sexo desregrado, come com moderação e aprecia as coisas da vida de forma equilibrada. Mas não é só isso. Porque, se conseguimos alcançar essa primeira etapa — que é necessária, sem dúvida —, ainda estamos apenas praticando boas maneiras, etiqueta, uma moral baseada na aparência, em pura estética.
Todas essas coisas não passam de estética se não temos o princípio e fundamento que Santo Inácio de Loyola propõe nos seus Exercícios Espirituais. Viemos a este mundo para louvar e servir a Deus. Tudo em nossa vida, tudo o que temos, deve ser voltado para amar e servir a Deus, ou então seremos como Marta, agitados pelas preocupações da vida, com um coração dividido, sem encontrar o verdadeiro propósito da nossa existência. E essa é a segunda conversão, a mais difícil. Os Exercícios Espirituais, de Santo Inácio, ajudam-nos a reconduzir nossa vida para esse objetivo maior. Que este tempo de Advento seja, de fato, um tempo para nos dedicarmos ao único necessário.
O que achou desse conteúdo?