CNP
Christo Nihil Præponere"A nada dar mais valor do que a Cristo"
Todos os direitos reservados a padrepauloricardo.org®

Aceitar o mistério de Maria: uma provação da fé

No Evangelho deste domingo, São José é visitado em sonho por um anjo, que lhe diz: “Não tenhas medo de receber Maria”. Essa exortação é também para nós uma preciosa lição: só crendo no mistério da Virgem Maria seremos realmente visitados pelo Menino Jesus.

Texto do episódio
12

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 1, 18-24)

A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo. José, seu marido, era justo e, não querendo denunciá-la, resolveu abandonar Maria, em segredo. Enquanto José pensava nisso, eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: “José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque ela concebeu pela ação do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”. Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, que significa: Deus está conosco”. Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado, e aceitou sua esposa.

A Igreja proclama hoje o Evangelho de São Mateus, capítulo 1, versículos do 18 ao 24. Estamos já na segunda fase do Advento, a primeira foi marcada pela figura de São João Batista, o precursor de Nosso Senhor. Mas agora, desde o dia 17 de dezembro, embalados pelas “Antífonas do Ó”, voltamos nosso olhar para a Virgem Santíssima. E o Evangelho de hoje nos fala de Maria, mas através do olhar de São José.

A Sagrada Escritura nos apresenta duas narrativas da infância de Jesus: a de São Lucas, que traz o olhar de Maria, como se o Evangelista tivesse colhido os relatos de Nossa Senhora em pessoa; e a narrativa de São Mateus, que apresenta os acontecimentos sob a perspectiva de São José. Sim, Mateus teve contato com a tradição mais ligada às lembranças de São José; é possível que o Evangelista tenha, digamos, entrevistado os parentes de José, em Nazaré.

Então, neste Evangelho, que nos fala do nascimento milagrosamente virginal de Jesus, temos o que podemos chamar de “a Paixão de São José”, sua provação. Ele deve passar pela provação da fé para acolher o mistério de Jesus através de Maria. E aqui temos toda a grandiosidade deste Evangelho: também somos chamados a acolher o Cristo através de sua Mãe. E o cerne espiritual desse relato está nas palavras do anjo dirigidas a São José: “José, Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque ela concebeu pela ação do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados” (Mt 1, 20-21). Assim como São José, devemos quebrar nossas resistências e acolher o mistério da Virgem Maria, pois só assim acolheremos o mistério de Cristo. Esse “não tenhas medo de receber Maria” precisa ecoar em nosso coração. 

É importante observarmos que existem mistérios do ano litúrgico nos quais podemos, sim, pensar em Jesus sem associá-lo a Maria: podemos pensar a respeito da Paixão de Cristo, sem necessariamente nos recordar de que Maria estava aos pés da Cruz; e podemos também pensar sobre a Ressurreição, sem ligarmos esse mistério à Mãe do Salvador. No entanto, aqui na Encarnação, ou seja, no Natal, é impossível contemplarmos o mistério de Cristo desvinculado de Maria. Tanto é verdade que a Igreja une o mistério do Filho ao mistério da Mãe: na oitava de Natal celebramos o mistério da Toda Santa Mãe de Deus.

E para que nós verdadeiramente acolhamos esse mistério da Encarnação, temos de experimentar essa provação da fé, aceitando o mistério da Virgem Santíssima, como fez São José. E, de fato, Maria sempre foi mesmo uma espécie de provação da fé, um teste para os católicos de todas as épocas. Sim, em todos os períodos da história da Igreja, houve cristãos que se recusaram a crer no mistério de Maria; mas especialmente nos tempos atuais, Nossa Senhora se torna uma espécie de escândalo, uma pedra de tropeço. Até cremos na Encarnação, em Jesus que é Deus feito homem, “tão humano que só podia ser Deus”, como diria o heterodoxo Leonardo Boff. Porém, aceitar a concepção virginal de Maria já se torna difícil para o homem moderno, porque aqui nos vemos diante não só de um milagre, mas também de um mistério. 

E qual é, afinal, a diferença entre milagre e mistério? Vejamos: quando falamos de um milagre, podemos entender perfeitamente o que aconteceu, mas não como aconteceu. Por exemplo, diante de um paralítico que se levanta da cama, entendemos bem sua situação antes e depois do milagre, sabemos o que é viver acamado e incapaz de andar; mas não sabemos como a sua cura aconteceu, daí o milagre. Já a realidade do mistério é mais profunda: não sabemos como aconteceu a Encarnação do Verbo no útero de Maria, nem o que de fato aconteceu. Na verdade, isso está envolvido pela obscuridade da fé. Sim, existe uma bela luminosidade, mas, ao mesmo tempo, algo permanece escondido. E, para acolhermos esse mistério, precisamos imitar São José.

Alguns veneráveis Padres da Igreja levantam a hipótese de que São José teria colocado em dúvida a honestidade de Maria, ou seja, que ele teria mesmo suspeitado de uma traição da Virgem Santíssima. Mas, em contrapartida, existem outros Padres da Igreja que defendem o contrário, como São Jerônimo. Para estes, São José jamais duvidou da virtude de Maria porque, como a própria Tradição da Igreja nos diz, entre ambos haveria um pacto de virgindade. José convivia com Nossa Senhora, conhecia-lhe a pureza e, portanto, dificilmente duvidaria da honestidade dela. Contudo, de fato ele não podia negar que Maria estivesse grávida. Eis o grande drama de São José. 

Nesse sentido, São Jerônimo diz o seguinte sobre a reação de José: “Ele, conhecendo a virtude de Maria, envolveu em silêncio aquilo cujo mistério ignorava”. A Sagrada Escritura é enfática ao chamar São José de “justo”, e o próprio Evangelho deste domingo reafirma isso. E a característica fundamental do homem justo é que ele não emite juízo sobre aquilo que não sabe. E a essência da injustiça é precisamente um juízo incompleto, o que implica um pré-julgamento. É claro que São José, sendo um homem justo, não teria essa atitude para com Nossa Senhora. Ele tinha diante de si duas realidades paradoxais: a pureza e a gravidez de Maria. 

Podemos nos questionar por que Nossa Senhora não revelou logo a mensagem do Anjo Gabriel. Mas o fato é que ela guardou isso no mistério e no silêncio do seu coração, o que foi realmente algo torturante para São José. Ele superou a tentação de não julgá-la, mas, ao mesmo tempo, não queria viver uma farsa, assumindo uma criança que não era sua. Portanto, como um homem justo, José decidiu dissolver o vínculo com Maria. E sim, ele corria o enorme risco de ser tido como um canalha pelo povo, porque Nossa Senhora, afinal, estava grávida; mas São José preferia isso a viver uma falsidade. 

E, quando ele finalmente venceu a tentação de julgar injustamente Nossa Senhora, Deus aceitou o seu sacrifício. Biblicamente falando, temos aqui uma realidade análoga àquela de Abraão: no momento em que nosso pai na fé levantou o cutelo a fim de sacrificar Isaac, Deus o impediu, porque a fidelidade de Abraão já estava provada. No caso de São José, um anjo do Senhor lhe apareceu dizendo: “Não tenhas medo de receber Maria”. 

Agora, como podemos aplicar o exemplo de São José à nossa vida? Basta que ouçamos as palavras do anjo e verdadeiramente não tenhamos medo de receber Maria em nossas vidas. Não somente para São José, mas também para nós hoje, é algo assombroso que uma virgem possa conceber do próprio Deus. Temos uma tendência dupla: ou aceitamos que Jesus é plenamente filho de Maria e, portanto, plenamente homem, desconectado de Deus; ou aceitamos que Ele é plenamente Filho de Deus, sem ligação alguma com Maria. Ora, o mistério da Virgem Maria nos coloca diante da necessidade de aceitarmos o Cristo na sua totalidade, no seu mistério: Ele é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. 

Atualmente então encontramos estes dois tipos de cristãos: os católicos liberais, para os quais Jesus é tão humano que já perdeu os atributos da sua natureza divina; e os protestantes, que praticamente descartam a humanidade de Cristo, vendo Maria Santíssima apenas como uma “barriga de aluguel”, sem nenhum vínculo real com Nosso Senhor. 

Por isso, precisamos atender ao apelo do Evangelho de hoje: não tenhamos medo de receber Maria. Ora, quem tem medo de receber Nossa Senhora, na verdade não recebe o próprio Cristo; não o recebe em profundidade, tal qual Ele é, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Fora dessa realidade que se complementa, Deus e homem, não existe salvação. Inclusive, neste Evangelho, o anjo diz a São José: “Tu lhe darás o nome de Jesus” (Mt 1, 21), isto é, “Yeshua”, que quer dizer “Deus salva”, “pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”. Jesus, o Salvador, edifica uma ponte ligando Deus ao homem; e nós temos em Jesus o verdadeiro Deus e verdadeiro homem; Ele é verdadeiramente Filho de Deus e também de Maria. Eis a ponte que começa em Deus, no Céu, e termina em Nossa Senhora, aqui na terra. Céus e terra estão unidos em Jesus. 

Agora, iluminados por este Evangelho, para verdadeiramente nos prepararmos para o Natal, acolhamos com fé o mistério da Encarnação. Deus concedeu à Virgem Maria a plenitude da graça. Portanto, cabe a nós adorar esse desígnio divino, a graça que se escondeu naquela pobre criatura, a menina de Nazaré — que na verdade é a Senhora do Céu e da terra. Eis o grande mistério: a humilde serva do Senhor foi exaltada a ponto de ser coroada como “a mulher vestida de Sol, com a Lua debaixo dos pés” (Ap 12, 1). O livro do Apocalipse nos diz que ela, que está para dar à luz um varão, foge do dragão. Esse varão é Jesus, e Maria também nos livra das garras do dragão, da antiga serpente. 

Coloquemo-nos sob o manto sagrado da Virgem Maria e deixemos que ela esmague a cabeça da serpente. Não tenhamos medo! O Natal se aproxima, e Maria nos dirige as mesmas palavras que um dia ela disse ao índio São Juan Diego: “¿No estoy yo aquí que soy tu madre?”, “Não estou eu aqui que sou a tua mãe?”. Por isso, debaixo do manto de Maria, acolhamos o Salvador que vem. 

O que achou desse conteúdo?

Mais recentes
Mais antigos
Texto do episódio
Comentários dos alunos