Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
(Mt 11, 2-11)
Naquele tempo, João estava na prisão. Quando ouviu falar das obras de Cristo, enviou-lhe alguns discípulos, para lhe perguntarem: “És tu, aquele que há de vir, ou devemos esperar um outro?” Jesus respondeu-lhes: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados. Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim!” Os discípulos de João partiram, e Jesus começou a falar às multidões, sobre João: “O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? O que fostes ver? Um homem vestido com roupas finas? Mas os que vestem roupas finas estão nos palácios dos reis. Então, o que fostes ver? Um profeta? Sim, eu vos afirmo, e alguém que é mais do que profeta. É dele que está escrito: ‘Eis que envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o teu caminho diante de ti’. Em verdade vos digo, de todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista. No entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele”.
Neste domingo, tradicionalmente chamado de Domingo da Alegria, ou “Domingo Gaudete”, lemos o Evangelho de São Mateus, capítulo 11, versículos do 2 ao 11. O nome deste dia santo vem da antífona — infelizmente não mais cantada — tirada da Carta de São Paulo aos Filipenses: “Gaudete in Domino semper, iterum dico Gaudete, dominus enim propere est”, “Alegrai-vos sempre no Senhor, e de novo eu digo: alegrai-vos, o Senhor está próximo” (Fl 4, 4-5). Essa antífona ecoa as palavras do Profeta Isaías: “Alegre-se a terra que era deserta e intransitável” (Is 35, 1). Então é com essa chave de leitura que lemos o Evangelho de hoje que, assim como o do último domingo, traz novamente a figura de São João Batista.
Muito bem, o primeiro passo para entendermos este Evangelho é observar que o povo de Israel esperava por um Salvador — daí a alegria, “Gaudete”, por conta do anúncio da chegada do Messias. Hoje em dia, porém, não somos mais impactados por essa alegria; quando ouvimos falar que Jesus está às portas, na verdade ficamos apavorados, receosos de perder os bens aos quais estamos apegados. E isso acontece por uma razão muito simples: não passa pela nossa cabeça a ideia de estarmos perdidos. E se não pensamos seriamente no estado de miséria, na perdição em que vivemos, então é natural que não nos alegremos com a chegada do Salvador. Usando uma analogia, é como se estivéssemos festejando na primeira classe do Titanic e, de repente, fôssemos chamados às pressas para os botes salva-vidas; mas, por conta de todo aquele conforto, de toda aquela alegria momentânea, nós nos recusamos a abandonar o navio. Ora, tal atitude só pode ser explicada pelo seguinte: não percebemos o fato de que o navio está irremediavelmente naufragando. De forma análoga, essa é a situação do homem atual.
Mas, na época de Jesus, as pessoas tinham plena convicção de que precisavam de um Salvador, porque, ao olhar para o mundo, elas só viam misérias. Sim, o mundo é incapaz de satisfazer a nossa sede de felicidade, a felicidade plena. E o pior: a efêmera felicidade proporcionada pelas coisas mundanas é tão limitada que vivemos constantemente insatisfeitos. Acontece, porém, que as coisas mudaram neste nosso mundo moderno: continuamos miseráveis e carentes de um Salvador, mas aprendemos a mascarar nossa própria miséria. Ou seja, tomando outra comparação, somos como aquela mulher octogenária cheia de problemas de saúde, mas que, por vaidade, faz cirurgia plástica, aplica botox, pinta os cabelos, coloca silicone, tudo isso a fim de parecer muito mais jovem e saudável do que realmente ela é. Eis a situação da nossa sociedade. O Titanic está afundando, mas preferimos ficar no salão de festas, ouvindo a banda tocar. Não refletimos sobre a brevidade desta vida e sobre a possibilidade real de sermos condenados ao fogo do Inferno.
Karl Marx disse que a religião era o ópio do povo, mas a verdade é o contrário: a religião nos faz viver despertos para realidade. Sim, pois ela nos diz que jamais seremos plenamente felizes neste mundo, não encontraremos o paraíso aqui. Já o marxismo prega o contrário: temos de nos engajar em determinada luta para implantar o paraíso terrestre da justiça social. Ora, existe atitude mais tola do que buscar um paraíso justamente aqui, onde envelhecemos, ficamos doentes e sofremos com a dor e a miséria? Eis a questão. A verdade é que precisamos mesmo fincar os pés no chão da realidade, pois só assim veremos o quanto necessitamos do Salvador.
Obviamente, isso não significa que deixaremos de lutar pelas causas sociais. Nós o faremos de modo lúcido, o que implica rejeitar a narrativa marxista que tenta nos convencer de que se pregarmos a verdade do Evangelho, as pessoas, alienadas, não vão querer mais lutar por um mundo melhor. Mas é justamente o contrário: se levarmos os outros a terem esperança no Céu, eles lutarão, sim, por um mundo melhor, justamente por saberem que podem sacrificar esta vida a fim de fazer o bem. Agora, se tirarmos das pessoas a esperança no Paraíso, aí então é que elas vão ficar cada vez mais egoístas, mais desesperadas e desanimadas, por achar que o Céu não virá.
Pois bem, na época de Jesus, não existia esse pensamento tolo de achar que seríamos felizes neste mundo; as pessoas tinham mais o pé no chão, sabiam — ainda usando a metáfora do Titanic — que o navio estava afundando. Num contexto assim, quando anunciamos a chegada do Salvador, a reação só pode ser de alegria. Vejamos, por exemplo, a Primeira Leitura: “Alegre-se a terra que era deserta e intransitável, exulte a solidão e floresça como o lírio” (Is 35, 1). Aqui, o Profeta Isaías fala para o povo de Israel que está saindo do exílio babilônico e atravessando o deserto rumo à Terra Santa. Esse deserto agora está florescendo, “foi-lhe dada a glória do Líbano, o esplendor do Carmelo e de Saron” (Is 35, 2). Líbano, Carmelo e Saron eram montes sempre verdejantes, jardins exuberantes. Aliás, vem daí a comparação que fazemos entre nossa alma e esse jardim das delícias de Deus. Pois bem, essa jornada do exílio à Terra Santa — atravessando o deserto — é, digamos, a mensagem final do Profeta Isaías. Então nesse entusiasmo de chegar à salvação, o profeta fala sobre coisas que a Igreja sempre leu como referências à vinda de Cristo: “Criai ânimo e não tenhais medo, vede, é vosso Deus” (Is 35, 4). E o que acontecerá quando Ele finalmente chegar? “Então se abrirão os olhos dos cegos, se descerrarão os ouvidos dos surdos; o coxo saltará como um cervo, e a língua dos mudos se soltará. Todos os que o Senhor salvou voltarão para casa” (Is 35, 5-56).
Essa é a ideia que está por trás do Evangelho que lemos hoje. Quando os discípulos de João perguntaram a Nosso Senhor se era Ele quem deveria vir, para lhes confirmar a fé que vacilava, Jesus respondeu: “Ide e contai a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o Evangelho” (Mt 11, 4-5). Eis o cumprimento da profecia, os sinais da chegada do Salvador que nos faz exultar.
Santo Tomás de Aquino, ao comentar essa passagem de Isaías, nos recorda do que realmente precisamos ser salvos. Ou seja: precisamos ver em que sentido somos cegos, aleijados, leprosos, surdos e mortos. A bem da verdade, essa síntese da nossa miséria nos mostra o quanto somos necessitados do Salvador. Assim, uma vez que Jesus tenha vindo às nossas almas para nos redimir, poderemos então exultar de alegria e verdadeiramente viver este domingo “Gaudete”. Então, abandonemos de vez o conforto e o glamour do Titanic que naufraga e saltemos no bote salva-vidas, pois a salvação chegou. Sim, o bote representa essa penitência do Advento que precisamos praticar com alegria.
Então, quando Jesus diz para os discípulos que “os cegos recuperam a vista”, Santo Tomás vê uma referência ao pecado, que obscurece a nossa inteligência. E podemos notar algo muito interessante em nossas próprias vidas: quando estamos em estado de graça, nossa inteligência começa a enxergar as coisas com mais clareza. E o contrário também é verdadeiro: quando pecamos, nossa visão da realidade como que fica obscurecida; queremos encontrar a felicidade no sexo, no dinheiro, nas drogas. Grande ilusão! Eis aí a nossa cegueira. Cristo, a luz, é quem faz os cegos enxergarem.
Já na expressão “os paralíticos andam”, o Doutor Angélico explica que o paralítico é a pessoa que tem uma tendência para o pecado, porque vive mancando — aliás, este é o sentido original de “paralítico” aqui. E reforçando sua interpretação, Santo Tomás cita as Escrituras: “Até quando claudicareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-o; se é Baal, segui-o’” (1 Rs 18, 21). Então, abandonemos de vez nosso andar manco, essa tendência para o pecado que nos faz cair sempre no mesmo erro. Só receberemos a graça do Senhor quando reconhecermos nossa miséria. Sim, porque quem vive no pecado dificilmente reconhece sua condição de pecador; ao contrário, cria inúmeras desculpas para permanecer no erro.
A profecia fala também que os “leprosos são purificados”; e Santo Tomás esclarece que o leproso é aquele que não somente está em estado de pecado, mas também contagia os outros à sua volta; ele atrai os outros para o pecado. Depois, vem os surdos, que são os que têm grande dificuldade de escutar uma admoestação, não estão dispostos a acatar a verdade, aquilo que pode salvá-los. E, por fim, “os mortos ressuscitados” são as almas que vivem como se estivessem mortas, longe de Deus. E Santo Tomás termina com outra citação das Sagradas Escrituras: “Desperta, tu que dormes, fica de pé, levanta-te dos mortos e o Cristo te iluminará” (Ef 5, 14).
Portanto, neste domingo, somos chamados a realmente reconhecer no Cristo aquele que nos tira do nosso estado de miséria. Devemos exultar porque para nós florirá um caminho no meio do deserto, como aconteceu com o povo de Israel, que estava no exílio da Babilônia. Sim, este Advento é a oportunidade preciosa de acolhermos o Salvador, confirmando nele a nossa fé e verdadeiramente mudando de vida. E isso não por nossas forças, mas pela graça do Senhor. Sim, Ele quer nos conduzir à salvação, mas, para isso, não podemos nos deixar ser arrastados pelo pecado e pela carne. Peçamos a Deus essa graça — e nos alegremos. Grande alegria sentimos ao saber que realmente temos um Salvador, que veio resgatar-nos da nossa miséria e deste mundo que naufraga. Alegremos, pois Ele chegou para nos libertar!



























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