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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos (Mc 1, 12-15)

Naquele tempo, o Espírito levou Jesus para o deserto. E ele ficou no deserto durante quarenta dias, e aí foi tentado por Satanás. Vivia entre os animais selvagens, e os anjos o serviam. Depois que João Batista foi preso, Jesus foi para a Galileia, pregando o Evangelho de Deus e dizendo: “O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!”

Nesta homilia, vamos meditar a respeito da Palavra de Deus que a Igreja nos propõe neste 1.º Domingo da Quaresma, tempo extraordinário que Deus nos proporciona para a conversão. É importante notar o seguinte: a partir de quarta-feira passada, Quarta-feira de Cinzas, nós entramos num tempo especial, e a Igreja que, é nossa Mãe e Mestra, tem essa pedagogia espiritual. Nós não entramos somente em espaços sagrados: por exemplo, quando se entra numa igreja, num espaço que foi dedicado a Deus, não se faz nada de profano lá dentro, porque uma igreja não é um lugar para fazer refeição, festas, etc. A igreja é o lugar do culto a Deus, é um espaço dedicado especialmente a Deus.

Por que a Igreja faz isso? Porque ela sabe que nós somos seres humanos, criados por Deus como espírito e matéria. Nós temos corpo e alma: o nosso corpo precisa de espaços que sejam só de Deus. Assim também quanto ao tempo. A Igreja, Mãe e Mestra, sabe que nós precisamos de tempos mais intensos, porque não somos anjos. Os anjos não mudam a intensidade no tempo porque eles não ficam entediados, não se cansam; mas nós, sim, nos cansamos, ficamos entediados. Por isso, precisamos de tempos “fortes” e de tempos “menos fortes”.

A Quaresma é um tempo espiritualmente “forte”, daí ser importante de fato entrarmos na Quaresma e não vivê-la simplesmente como uma curiosidade ou uma espécie de folclore: como se fosse apenas um tempo em que na Missa o padre usa paramentos roxos, não se canta Aleluia nem se come carnes em certos dias, e assim por diante. Tudo isso são observâncias importantes, mas o importante mesmo da Quaresma é viver esse tempo favorável, oportuno, que é o tempo da graça. Nesse tempo, mais do que em outros, se dispusermos o nosso coração para viver intensamente, dedicando o tempo a Deus, estaremos nos abrindo para que Ele nos dê a graça.

Lembremos sempre: receber a graça é o porquê da nossa vida. Para que outra coisa estaríamos nesse mundo? Alguém pode dizer: “Ah, eu nasci para ser médico, eu nasci para ser engenheiro”, ou: “Ah, eu nasci para ser padre”, ou: “Eu nasci para ser consagrado”... Não, tudo isso pode ser parte de nossa vocação, mas a nossa vocação verdadeira, a nossa vocação última, é nos unirmos a Jesus.

Foi para estarmos unidos com Ele no Céu que viemos a esta terra. Essa é a nossa vocação verdadeira. Existe uma felicidade que nos espera no Céu. Deus quis trazer o Céu para nós, para que nós vivamos com Ele a felicidade do Céu. A nossa vocação é esta passagem por este mundo. A palavra passagem é “páscoa”: a Quaresma é o tempo de preparação para a Páscoa porque a Igreja, todos os anos, quer que nós façamos um belo ensaio de passar dessa vida para a felicidade de Deus no Céu. Por isso a Quaresma é um tempo de passagem. Nós vivemos estes quarenta dias de mortificações, jejuns, penitências, orações mais intensas e generosas, exercícios de caridade e paciência com os irmãos, porque queremos, de alguma forma, realizar obras que abram o nosso coração para a graça, a fim de nos unirmos a Jesus.

O tempo da Quaresma é isso, um tempo para nos unirmos mais a Jesus, para amarmos Jesus mais intensamente. É importante ter esse foco. Por quê? Porque as pessoas entram no tempo da Quaresma como se fosse ou um folclore ou um tempo “moralista”, em que é necessário fazer jejum, penitências etc. Sim, tudo isso é importante e bom, mas é importante lembrar o seguinte: a finalidade da Quaresma é a mesma finalidade de nossa vida, ou seja, amar a Deus, unir-se a Jesus.

Estamos aqui para isso, mas o que isso quer dizer na prática? O que significa amar Jesus? Ora, existem vários tipos de amor. Os animais têm um tipo de amor bem primitivo, “tosco”, mas eles têm, de fato, um tipo de amor: quando a macaca pega o macaquinho nos braços para amamentar; quando a cachorra pega os cachorrinhos e permite que eles estejam lá, amamentando-se, isso é um tipo de amor; mas é um amor primitivo. Nós, seres humanos, somos capazes de um tipo de amor melhor, mais elevado ainda. Somos capazes de oferecer um amor livre, os animais não. Nós já amamos com certa liberdade, com certo grau de inteligência, de conhecimento superior; mas, no degrau do amor, existe o amor animal; num degrau acima, o amor humano; e existe, além disso, um degrau mais acima: o amor dos anjos. 

Os anjos também amam e amam com um amor superior ao nosso. Mas acontece o seguinte: todos esses amores são amor de criatura, amor imperfeito, amor que é bem distinto do amor com que Deus ama a si mesmo. No Céu, as Pessoas da Trindade, o Pai, Filho e o Espírito Santo, se amam e vivem uma felicidade de amor extraordinária que nós não podemos nem imaginar.

Aqui há um abismo de diferença entre o amor que as criaturas podem produzir, nos seus vários degraus, e o amor infinito, perfeito e maravilhoso de Deus. Aqui está a beleza: Deus, vendo que não éramos capazes de amá-lo com o amor com que Ele se ama, veio a esse mundo para nos trazer o seu amor. Isso é a graça, a graça é Deus que se dá a si mesmo para produzir em nosso coração a capacidade de nós, pó miserável, podermos amá-lo com o amor com que Ele nos ama. Nem os anjos seriam capazes disso. Deus deu a graça também aos anjos para que eles fossem capazes de amá-lo assim.

Os animais não recebem essa graça porque não são racionais nem têm espírito, mas os seres humanos e os anjos recebem de Deus a graça de poder amá-lo como Deus se ama. Sim, nós o amamos de forma imperfeita, mas, mesmo assim, podemos fazê-lo em virtude do próprio amor de Deus, o amor divino derramado em nossos corações. Somos chamados a nos unir a Jesus para amá-lo, para que nós, no Céu, possamos participar de sua felicidade, uma vez que começamos a amar a Deus aqui na Terra com esse amor prodigioso, com esse amor milagroso com o qual Deus mesmo se ama. 

Alguém pode dizer: “Padre, tudo isso é muito bonito; mas, na prática, o que isso quer dizer?” Quer dizer que quem não recebeu o Batismo não tem esse amor, e que quem está em pecado mortal perdeu esse amor. Então, no tempo da Quaresma, somos chamados a batizar-nos, se não o somos ainda, ou a confessar-nos, se estamos em pecado mortal. Deve sair do paganismo quem não é batizado, ou do pecado mortal quem é batizado e perdeu a graça. Uma vez recebida a graça através do Batismo e do sacramento da Confissão, temos uma semente da graça para amar a Deus.

Aqui está o centro da Quaresma, e é disso que não se fala: as pessoas não entendem que sentido têm as obras quaresmais que somos chamados a fazer — a obra da oração, do jejum e da penitência —, porque não entendem que são a forma que Deus nos dá para cultivarmos essa semente do amor divino plantado em nosso coração. Nós nascemos e viemos a esse mundo para nos unirmos a Jesus, para amarmos a Deus com o amor do próprio Deus. Ele plantou essa semente no dia do nosso batismo, Ele a restaurou no dia que nos confessamos, saindo assim do pecado mortal. Agora, nós temos de fazê-la crescer. Esse é o nosso desafio quaresmal: crescer no amor. 

Ao entrarmos neste tempo favorável, neste tempo maravilhoso da Quaresma, o que temos de fazer? Precisamos estar focados em crescer no amor; é para isso que faremos mais oração, é para isso que faremos mais penitência, é para isso que faremos mais caridade. Crescer no amor, crescer em nossa união com Jesus! Esse tempo maravilhoso é o tempo do amor, de amar mais intensamente!

A nossa santa religião nos ensina os meios que temos para nos unirmos a Jesus. A primeira coisa é a seguinte: uma vez que estamos em estado de graça, precisamos ter um tempo para amar Jesus. É Quaresma, é tempo de ir à igreja visitar o sacrário com mais frequência, amar Jesus e estar com Ele. Se amamos, somos atraídos por Aquele a quem amamos. É típico de quem ama querer estar junto da pessoa amada. Procuremos Jesus, procuremos rezar mais! A oração que deve aumentar na Quaresma é a oração voltada para o amor. É evidente que o diabo não quer que nós façamos isso.

O Evangelho deste domingo nos fala das tentações de Jesus no deserto. Ele as venceu todas para que nós tivéssemos essa vitória. Quando nós rezamos e aumentamos o nosso amor a Jesus, estamos recebendo a graça e preparando-nos para o Céu. Acontece que Satanás nunca viu a Deus e nunca verá, mas nós o veremos face a face: essa é a vontade de Deus. Se nós formos generosos com Ele, alcançaremos a graça da salvação. 

Ora, Satanás e seus demônios têm inveja, porque eles nunca verão a Deus. Por ódio e por inveja, eles querem fazer de tudo para que não cheguemos lá. Por isso, quando formos rezar, o diabo irá arranjar um jeito de nos desanimar. Ele pode dizer: “Não adianta. Para que isso? Para que essa perda de tempo?” Não, sem oração nada acontece. O tempo da Quaresma é para tomarmos o firme propósito de rezar mais. Essa é a primeira obra quaresmal. 

A segunda obra quaresmal é entender a necessidade de fazer um pouco de penitência, ou seja, tirar do corpo os caprichos de criança mimada. Fazer penitência não quer dizer prejudicar a saúde; é simplesmente não dar ao corpo tudo aquilo que ele quer, porque o resultado final disso é o tédio, a tristeza e a morte. É importante que nos demos conta disso. Quem é que não nota, por exemplo, que os jovens hoje em dia já não são mais os jovens de décadas atrás? Antigamente, o jovem era, por definição, alegre; hoje, o jovem é um bicho entediado. Tédio, eis o que se vê na juventude, tédio e tristeza. São tão entediados e tão tristes que precisam, para sair desse estado, do auxílio de drogas e de elementos químicos… Por que isso? Porque, desde cedo, dão ao corpo tudo aquilo que o corpo quer, e o corpo fica intoxicado.

A penitência, um jejum moderado, uma mortificação que tire do corpo os prazeres, isso é a coisa mais saudável física e espiritualmente. Por quê? Porque, negando ao corpo egoísta o que ele quer, abre-se a porta para o poder de amar Jesus! É como abrir um espaço no coração para receber a graça que Deus quer dar pela oração. Princípio importante da vida espiritual: o jejum é complemento da oração, ou seja, a oração, quando acompanhada de certa penitência (não precisa ser o jejum total), se “turbina”. É como se ela fosse mais eficaz, porque quem ora está renunciando a si mesmo e abrindo-se a Deus.

É evidente que, se amamos a Deus a quem não vemos, então começaremos a mudar de vida. O resultado final serão obras de amor para com os irmãos, obras de amor que não significam somente esmola, mas também a paciência, a atenção, a caridade concreta com as pessoas com as quais vivemos. O tempo da Quaresma é para notar “como é que eu estou tratando as pessoas com as quais mais convivo, com que amor, com que carinho, com que paciência?” O tempo da Quaresma é para isso. Paremos e pensemos no que estamos fazendo. 

Essas são as três obras quaresmais. Mas saibamos que existe uma legião infernal que atua para que não vivamos tais práticas. Por isso é importante nos darmos conta de que Jesus venceu o inimigo e colocou a nosso serviço os santos anjos. O Evangelho deste domingo, que é bem curto — é o relato da tentação segundo S. Marcos —, mostra uma coisa interessante: Jesus, Deus feito homem, no deserto vive a harmonia com a Criação inteira. Com a Criação inferior, porque se lê: “Ele vivia entre os animais selvagens” (a palavra que está no original grego seria melhor traduzida como “entre as bestas”, “thēriōn”, θηρίων), “e os anjos o serviam”, que é a criação superior ao homem. Criação inferior ao homem são os animais, e a Criação superior ao homem são os anjos. Jesus está no centro da Criação porque Ele é Deus feito homem, fonte da graça para os homens e para os anjos, fonte inesgotável do amor que quer que nós amemos a Deus como Deus se ama a si mesmo, nem que seja apenas um pouco, um pó, pois ter em nossos corações um átomo do amor de Deus já é um grande milagre. 

Jesus venceu as tentações do inimigo e colocou à nossa disposição os santos anjos! Nós temos miríades e miríades, milhões, bilhões, trilhões de anjos à nossa disposição! Não recorrer aos anjos não é somente uma falta de devoção. Afinal, sabendo, como nós sabemos pela fé da Igreja, que somos atacados por demônios, não recorrer aos anjos é a coisa mais tola que existe porque é um suicídio espiritual. Os anjos que nesse Evangelho estão a serviço de Jesus estão, pelo senhorio de Cristo, a nosso serviço. Nós podemos invocar o auxílio dos santos anjos, não somente do nosso próprio anjo da guarda, mas de todos os anjos, que nos guardam como servidores do Senhor, a serviço daqueles que são os eleitos.

Peçamos o auxílio da graça e dos santos anjos para viver este tempo da Quaresma, esse tempo favorável e maravilhoso que Deus criou para nos unirmos a Jesus através das práticas penitenciais. É verdadeiramente um tempo de oração. Tiremos um tempo de oração a mais, de intimidade, de amor a Jesus. Vamos para o sacrário e amemos Jesus, comunguemos e comunguemos fervorosamente, sempre em estado de graça. Amemos Jesus e, para amar mais, mortifiquemos um pouco o nosso corpo. Então, veremos os frutos das obras de amor, na paciência, na atenção, na doação para com os irmãos. Eis a forma de amarmos concretamente a Deus.

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