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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas (Lc 3,15-16.21-22)

Naquele tempo, o povo estava na expectativa e todos se perguntavam no seu íntimo se João não seria o Messias. Por isso, João declarou a todos: “Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo”. Quando todo o povo estava sendo batizado, Jesus também recebeu o batismo. E, enquanto rezava, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Jesus em forma visível, como pomba. E do céu veio uma voz: “Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer”.

Neste domingo, nós iremos celebrar a Festa do Batismo do Senhor. Trata-se de uma tradição litúrgica da Igreja em que, ao redor da festa da Epifania, que é a festa da manifestação de Deus, a Igreja medita a respeito de três eventos que, segundo a tradição, aconteceram no dia 6 de janeiro.

A tradição diz que foi no dia 6 de janeiro que os Magos foram visitar Jesus, Maria e José. Só que foi no dia 6 de janeiro do ano 1, ou seja, um ano depois de Jesus nascer, Ele recebeu essa visita, e ali há uma manifestação do Senhor, epifania. A tradição nos diz que foi também no dia 6 de janeiro que Jesus foi batizado por São João Batista. Aí nós já estamos no ano 30. E a tradição também nos recorda que seria no dia 6 de janeiro que Jesus fez seu primeiro milagre, em Caná da Galiléia. Não é necessário que a gente acredite que, historicamente, foi tudo no mesmo dia, 6 de janeiro. No entanto, a tradição faz coincidir essas três datas e, por isso, os evangelhos que a gente reflete nesses domingos são os evangelhos dessas três ocasiões.

Domingo passado nós falávamos da adoração dos Magos; nesse domingo, falamos do batismo de Jesus, e domingo que vem iremos refletir a respeito das bodas de Caná. Então, é só para você se localizar liturgicamente e saber por que esses evangelhos são refletidos e celebrados nessa ocasião e nessa festa. A festa do Batismo do Senhor, todos os anos, nos dá uma ocasião mais importante, que é a ocasião de a gente refletir a respeito do nosso próprio batismo. Ou seja: o que significa ser batizado? Infelizmente, miseravelmente, desgraçadamente, as pessoas estão perdendo a noção do que são os sacramentos, e isso por causa dos nossos “irmãos” protestantes. Os protestantes foram jogando fora toda a economia sacramental da santa Igreja Católica.

“Nossa, padre, que palavra difícil o senhor está usando! Que história de ‘economia’ é essa? Tem a ver com dinheiro?” Não. Economia é o seguinte: tudo aquilo que Deus fez na história para nos salvar é a economia divina. Deus, na sua história de salvação, na sua intervenção de salvação neste mundo, enviou o seu Filho. Seu Filho veio a esse mundo, nasceu no Natal, depois cresceu em Nazaré, começou a sua pregação depois do batismo de João, pregou durante três anos, morreu na cruz para nos salvar, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus e enviou o Espírito Santo… Tudo isso, Ele o fez para nos salvar. E esses acontecimentos, que se deram nesse arco de tempo de 33 anos, seriam simplesmente eventos do passado, acontecimentos do passado, se Jesus não tivesse deixado (como de fato deixou) os sacramentos.

O que são os sacramentos? Os sacramentos são a forma real e concreta que Jesus, Deus encarnado, nos deixou para nos tocar com a sua história de salvação ao longo da nossa história. Quando você recebe os sacramentos, está recebendo uma força da graça que brota do peito aberto de Cristo na cruz. É dali, do peito aberto pela lança, que saem os sete sacramentos. Quando do peito de Jesus saiu sangue e água, saíram os sete sacramentos; então, é por ali que Jesus vem nos tocar, nos toca e continua nos tocando. Portanto, durante todo o tempo da Igreja (ou seja, esse tempo que vai desde a ascensão de Jesus aos céus até a sua segunda vinda), durante todo esse tempo haverá sacramentos. Nós estamos vivendo o tempo dos sacramentos.

O tempo da Igreja é o tempo dos sacramentos. Não havia sacramentos no Antigo Testamento, e não haverá sacramentos no céu. Só há sacramentos agora. Jesus nos deixou os sete sacramentos para que nós fôssemos tocados pela sua graça e, assim, nos santificássemos e nos salvássemos. Só que o diabo é astuto, o diabo é inteligente. Gente, ele não está dormindo, não! Ele tem as suas estratégias. Vendo que os meios maravilhosos de salvação que Deus nos deu, que são os sacramentos, estavam levando muitíssimas almas para o céu, o que o diabo fez? Veio arranjar um jeito de as pessoas jogarem fora os sacramentos, e assim ele criou na cabeça dos protestantes a ilusão de que eles podem “amar” Jesus e desprezar os sacramentos.

Essa é a história. Veja só que miséria, que desgraça é o protestantismo! E me desculpe se você é protestante e está ouvindo esse programa. Não estou querendo ofender você. Eu não estou ofendendo você, estou ofendendo aquilo que fizeram os heresiarcas que fundaram as igrejas protestantes. Deus se deu ao trabalho de vir a esse mundo, se encarnou, morreu na cruz para nos dar os sacramentos. E os protestantes jogaram os sacramentos fora! “Padre, não é verdade! Nós não jogamos fora os sacramentos. Os protestantes têm sacramentos”. Ah! é? As “igrejas” protestantes foram lenta e gradualmente abandonando todos os sacramentos. Na época de Lutero, quando começou o protestantismo, Lutero ainda “salvou” nominalmente alguns sacramentos. Lutero, por exemplo, admitia que existia Eucaristia como sacramento. Mas é simplesmente uma ficção científica porque, de fato, eles não têm Eucaristia: eles perderam a sucessão apostólica, e se não têm padres para celebrar Missa, se não têm sacerdote, como vão ter Eucaristia?... Eles ficaram só com um “ritualzinho” simbólico, um negócio, assim, de “simbolismo”, de distribuir pão e suco de uva. Mas isso não é sacramento, me desculpe. Isso é um simbolismo sem nenhum conteúdo da graça.

Pergunte a um protestante verdadeiro se os sacramentos produzem a graça ex opere operato do jeito que nós católicos cremos. Nós católicos cremos que, uma vez que você tem os sacramentos, (vamos supor que você pegue uma criança, derrube água na cabeça de uma criança pagã dizendo: “Fulano, eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém”), pergunte a um protestante se aquele gesto produz a graça automaticamente. Todos os protestantes dirão a você, luteranos, calvinistas, pentecostais, que aquilo não produz nada. Quem produz é a “fé”. Para eles, a única coisa que há é a fé, o ato de fé; então, tudo fica pendurado no ato pessoal que você faz, tudo depende de se a fé é grande ou pequena.

Mas nós católicos sabemos que os sacramentos não são somente isso. Nós católicos sabemos que os sacramentos são uma ação de Cristo que produz um efeito real. Sempre, quando são administrados validamente, os sacramentos produzem um efeito que é real, que é garantido. Ex opere operato quer dizer isso: é garantido. Você não precisa pôr dúvida nenhuma. A graça está lá. Agora, se você vai ou não vai aproveitar essa graça, isso são outros quinhentos… Só para fazer uma comparação, para não ficar falando muito em teoria, para você entender. Todas as vezes que você recebe o batismo, que você recebe a comunhão, que você recebe o sacramento do matrimônio, que recebe o perdão dos pecados na confissão, todas as vezes, meu irmão, é garantia de Cristo. Todas as vezes a graça de Deus está lá.

É como se você estivesse recebendo um alimento garantido. Há lá todos os nutrientes. “Ah! mas as pessoas recebem os sacramentos, porém não ficam mais santas”. Bom, isso é um defeito de quem recebe. Não é defeito do alimento. O alimento está garantido. Você não precisa ficar se perguntando se ele tem ou não os nutrientes. Eles estão lá. Se você não está conseguindo aproveitá-los bem; se você, por exemplo, vai e come um alimento super nutritivo e depois vai e vomita, regurgita aquilo tudo, a culpa não é do alimento. O alimento estava perfeito, é você quem não está assimilando o alimento.

É importante dizer isso quando a gente vai refletir a respeito do batismo. Por quê? Porque a gente ouve falar por aí, em algumas pregações, de muitas ideias protestantes dentro da Igreja, onde as pessoas dizem: “Não, nós somos todos filhos de Deus; mas quando a gente é batizado é somente uma cerimônia de tomada de consciência de que eu sou filho de Deus. É simplesmente uma cerimônia para você atestar publicamente. É a manifestação social de que você assume a sua filiação divina. Mas o batismo não faz nada. A água não faz nada na pessoa. É a fé da pessoa o que se manifesta quando a pessoa é batizada”. Gente, pelo amor de Deus! Isso é protestantismo do mais crasso. É uma coisa horrorosa!

Nós somos católicos! Nós católicos cremos na eficácia dos sacramentos, cremos que Deus se fez carne, Deus se encarnou e, através dessa realidade, Ele quis, na sua obra de redenção na cruz, deixar sinais materiais, sinais eficazes, visíveis, de uma graça invisível. Então, se você tem uma pessoa que não é batizada e você derrama água na cabeça da pessoa, com a intenção de fazer o que a Igreja faz, e pronuncia as palavras: “Fulano, eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém”, essa pessoa está batizada, e acontece ali uma ação da graça de Cristo. Cristo a toca. O Cristo ressuscitado toca naquela pessoa com uma graça verdadeira, garantida. Isso acontece mesmo. E qual é a graça verdadeira e garantida que o batismo nos dá?

Bom, vamos refletir sobre isso porque você foi batizado. Não é um simbolismo, só. Aconteceu alguma coisa na sua alma com o seu batismo. É importante que você se dê conta disso e primeiro creia: “Meu Deus, eu creio: aconteceu uma coisa misteriosa na minha alma no dia em que eu fui batizado”. E o que aconteceu? Bom, aconteceram várias coisas. A primeiríssima delas é que, através do batismo, na sua alma houve uma modificação, em que você está espiritualmente unido a Cristo. Essa é a primeira coisa. O resto é consequência dessa coisa: o perdão dos pecados, a graça santificante etc. etc. Mas o que acontece?

Veja só, existe ali uma ação da graça do Espírito Santo. Quando a água é derramada na cabeça da criança (ou do adulto, que seja), aquela pessoa é incorporada, ela começa a se tornar parte do Corpo de Cristo, do Corpo místico de Cristo. Isso, é evidente, é uma comparação que eu estou fazendo aqui, mas é uma comparação que foi usada por São Paulo (cf. 1Cor 17,27). A comparação que Jesus usou foi: “Eu sou a videira e vós sois os ramos” (Jo 15,5). Existe alguma coisa por que nós, pelo batismo, começamos a participar da vitalidade de Cristo. Uma vida divina começa a existir dentro de nós. Para ficar mais claro o que acontece, vamos ver as consequências disso. Por causa dessa ação do Espírito Santo, que é enviado por Jesus ressuscitado no batismo para nos tocar, nós temos os nossos pecados lavados.

Essa é a beleza. Os pecados são perdoados! No caso de uma criança que não tem pecados pessoais, o que é perdoado é o pecado original; no caso de um adulto que está de fato arrependido dos seus pecados, o batismo lava esses pecados, e as pessoas têm esses pecados perdoados, sem precisar confessá-los. Essa realidade do batismo faz com que eu possa realmente me unir a Jesus, em primeiro lugar, porque os obstáculos são retirados, ou seja, aquilo que atrapalha a minha união com Jesus, que é o pecado, que é a divisão, que é o muro divisor, é derrubado. Com os pecados perdoados, agora eu tenho amizade com Deus. O batismo me introduz nessa situação de amizade, e “amizade” significa que Deus, que já estava presente na sua alma antes do batismo, agora está presente na sua alma como Amigo. Antes ele não estava presente como Amigo.

“Ah! que isso, padre! Deus ama todos os homens”. É claro que ama, mas não se pode dizer que todos os homens amem a Deus; então, não há amizade. Amizade é “amor que vai” e “amor que volta”; tem de ter mão dupla. Eu não posso ter amizade com uma pessoa quando essa pessoa me odeia. Deus quer ser amigo de todos os seres humanos que estão sobre a face da terra, mas essas pessoas estão querendo ser amigas de Deus? No batismo, o muro da inimizade é derrubado e, se você tem os pecados perdoados, Deus começa a habitar no seu coração como Amigo. É o mistério da inabitação, ou seja, você é templo do Espírito Santo. Se o Espírito Santo está em você, por consequência, está também o Pai e está também o Filho, portanto a Trindade habita em seu coração como Amigo.

Essa presença de Deus não está lá sem fazer coisas; está lá para dar a você uma graça, e há sempre ali uma graça disponível do batismo que acompanha você no seu dia a dia. Você foi batizado quantos anos atrás? Eu, com a graça de Deus, nosso Senhor, no dia 11 de fevereiro irei completar 54 anos do meu batismo. Então, 54 anos atrás eu recebi a graça, e essa graça de Deus está lá para me dar uma graça específica. E que graça específica é essa? Quando Deus fez os anjos lá no céu, antes de contemplarem a Deus face a face, os anjos já tinham a graça. Quando Deus fez Adão e Eva no paraíso terrestre, eles já tinham a graça, e tudo isso é graça santificante. Mas a graça que a gente recebe no batismo é igual a essa dos anjos, é igual a essa de Adão e Eva? É a mesma graça santificante, mas há uma diferença: a diferença é que a graça do batismo me une à cruz de Cristo.

Quando eu disse que o batismo nos une como membros do Corpo de Cristo, eu disse corretamente, mas disse pouco porque, na verdade, o batismo me une àquela água que saiu do peito de Cristo aberto na cruz e está me unindo a Cristo crucificado, de tal forma que você, que é batizado, e eu que, sou batizado, temos à disposição uma graça para viver cristãmente, para viver — deixe-me dizer — “cristicamente”, para viver como Cristo, configurado a Cristo crucificado. Ou seja: morrer para mim mesmo e viver para Deus; morrer para os meus pecados, morrer para os meus caprichos. “Quem quiser me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz dia após dia e me siga” (Mt 16,24).

Quando nós renovamos o nosso batismo; quando você pega água benta e traça o sinal da cruz sobre o seu corpo, dizendo: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, você está renovando o seu batismo e está dizendo: “Eu assumo essa minha união com o Cristo crucificado. Eu nele e ele em mim”, de tal forma que eu posso dizer realmente: “Vivo, mas não eu; é Cristo quem vive em mim”. Meu irmão, minha irmã, você que é batizado: Jesus está muito unido a você, de tal forma que acontece com você a mesma coisa que a gente vê no Evangelho que narra o batismo de Jesus. Deus, de lá do céu (o céu se abre, se rasga), envia o Espírito Santo, que desce de forma corporal, em forma de pomba, e então se ouve uma voz: “Tu és o meu filho muito amado, no qual coloquei toda a minha complacência” (Mt 3,17), todo o meu bem querer, todo o meu amor!

É assim que Deus Pai olhou para o seu Filho encarnado, é assim que Deus olha para você quando você é batizado. Ele olha para você e diz: “Eis o meu filho muito amado”, “Eis a minha filha muito amada”, porque ele olha para você e vê Jesus, vê Jesus crucificado no seu ato supremo de amor na cruz. É importante a gente se dar conta disso: de que este bem querer de Deus é voltado para o seu servo, o Cristo sofredor. A primeira leitura desse domingo fala exatamente com essas mesmas palavras: “O meu servo muito amado” (capítulo 42 de Isaías), frase que é repetida no batismo de Jesus, ou seja, o “Servo sofredor” crucificado está presente no batismo de Jesus, “o meu Filho muito amado”.

Deus nos ama mesmo no meio da nossa cruz, dos nossos sofrimentos, das nossas dificuldades. A graça santificante do batismo está aí, Deus está ao nosso lado nos dando força para amar e para viver unidos a Cristo. É a alegria de amar a Deus, alegria de ser de Deus mesmo no meio das tempestades, das dificuldades e de saber que o céu é meu amigo, que lá do céu um olhar benévolo, benfazejo, olha para mim quando eu abraço a minha cruz. Cada vez que eu abraço a minha cruz, eu estou dando uma alegria ao coração de Deus, e ele diz: “Eis o meu filho amado”, “Eis a minha filha amada”.

Essa graça nos é dada no batismo e, como o batismo deixa uma marca para sempre na nossa alma, essa graça está aí à disposição a todo momento. A todo momento você pode pedir a Deus a graça batismal e que ela seja renovada no seu coração para você, cada vez mais, se configurar ao Cristo crucificado. “Eis o meu filho amado”, “Eis a minha filha amada”. Carregue sua cruz. Qual é a cruz por que você está passando no momento? Quem sabe você está pegando essa gripe que está pegando todo o mundo, ou está tendo dificuldades mais sérias de saúde, tendo dificuldades na sua família, no emprego, dívidas… O que está tirando o seu sono durante a noite?

Enxergue na cruz que está visitando você não uma coisa que está atrapalhando. Gente, ponha isso no seu coração para sempre: a cruz não atrapalha você. Você veio para ela! Quando a cruz se manifesta na sua vida, abra os braços, abrace a cruz e diga: “Eu vim para isso. Eis a minha cruz salvadora”. A cruz não atrapalha a nossa vida. Nós viemos para ela. E para carregar essa cruz com generosidade, com alegria, com denodo, nos é dada a graça batismal porque ela nos configura a Cristo. Então, quando você foi batizado, não houve um simbolismo. Claro, há um simbolismo; mas não é um mero simbolismo: é uma graça sacramental porque os sacramentos são a forma que Jesus instituiu para, ao longo dos séculos, até quando ele voltar, tocar a nossa alma e nos dar a graça de ser como Ele. — Renove seu batismo nessa Festa do Batismo do Senhor.

Que Deus abençoe você com aquelas mesmas palavras com as quais você foi batizado. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

O Batismo de Cristo

(Mt 3,13-17; Mc 1,9ss; Lc 3,21ss)

Argumento. — Estando João Batista rodeado de penitentes, aproximou-se Jesus para também ser batizado. Tendo-o reconhecido, o Precursor só consentiu em batizar o Messias por insistência dele. Em seguida, ouve-se a voz de Deus Pai vinda do céu para glorificar o Filho.

Cristo é batizado (cf. Mt 3,13ss; Mc 1,9; Lc 3,21a). — V. 13. Então (completamente indeterminado, como em Mc: Naqueles dias), e, como nota Lc, quando era batizado todo o povo lá reunido, foi Jesus de Nazaré da Galileia (Mc) ao Jordão e apresentou-se a João, para ser baptizado por ele.

Não havia qualquer motivo pelo qual o Filho de Deus devesse receber um batismo de penitência. Ora, se o quis receber mesmo assim, tinha decerto alguma razão conveniente. A razão verdadeira no-la dá o próprio evangelista: a vontade do Pai (cf. Mt 3,15). Mas qual, por sua vez, seria a razão da vontade paterna? Os autores propõem várias: a) para assim confirmar a missão divina de João Batista e que seu batismo fora instituído por Deus como preparação para a era messiânica; b) para nos dar exemplo de humildade, de modo que, ‘tendo o Senhor recebido um batismo de servo, não se recusem os servos a receber o batismo do Senhor’ (Agostinho, tract iv in Ioh 14: M 35,1412); c) para, com seu exemplo, mostrar o valor e a importância da penitência, pois ‘convinha que já no primeiro ato de sua vida pública se apresentasse como pecador e vestisse sentimentos de penitência o mesmo que, no fim da vida, suportaria na cruz a pena do pecado’ (Van Steenkiste); d) para, com o toque de sua carne vivificante, limpar as águas e infundir-lhes o poder de santificar; e) acima de tudo, para que, por ocasião do batismo, fosse declarado Messias diante dos homens por João, pelo Pai e pelo Espírito Santo; vim batizar em água, diz o santo Precursor, para ele ser reconhecido em Israel (Jo 1,31).

V. 14. Mas João opunha-se-lhe (διεκώλυεν, impf. conativo = tentava opor-se-lhe), i.e. negava-se com seriedade e certa resistência, dizendo: Sou eu que devo (gr. ἐγὼ χρείαν ἔχω = tenho necessidade de) ser batizado por ti, e tu vens a mim!, i.e. ‘se algum de nós precisa ser batizado, então sou eu, um pecador, que devo pedir o batismo a ti, que és o mais santo e o mais digno dos homens’.

Destas palavras decorre sem dúvida que João conhecia Jesus já antes de o batizar. Contudo, isso parece contradizer Jo 1,31.33, onde o Batista afirma claramente só tê-lo conhecido após o batismo, graças à aparição da pomba. Na verdade, a contradição é aparente. João, com efeito, sabia perfeitamente da dignidade e das prerrogativas do Messias, embora não o tivesse visto até então; mas tão-logo o viu aproximar-se, lembrado do que ouvira em casa a respeito dele e (provavelmente) iluminado por alguma inspiração divina (cf. 1Sm 10,12), compreendeu que ali estava o Messias a quem prenunciara anos antes, estando os dois ainda no ventre materno. Quanto ao sinal que, no IV Evangelho, João afirma ter recebido de Deus, não se trata de um sinal para o povo ali presente — afinal, o Batista confessa a própria ignorância e diz que o sinal divino lhe foi dado a ele —, mas de uma confirmação divina externa, imediata, de uma inspiração interna ou de uma intuição natural que lhe deu a conhecer com certeza a dignidade messiânica e a filiação divina de Jesus. Tal confirmação pareceu-lhe tão clara e certa, que o conhecimento que dele tinha anteriormente podia ser considerado ignorância.

V. 15. Jesus respondeu-lhe: Deixa, permite-me (o que quero) por ora (ἄρτι, agora), desta vez, pois convém que cumpramos assim (i.e. eu, recebendo-o, e tu, dando-me o batismo) toda a justiça, i.e. não somente os preceitos, mas também ‘todas as condições queridas por Deus, inclusive as meramente preparatórias do messianismo’ (Vosté). ‘Não nega a eminência de seu próprio poder; antes, pelo contrário, afirma-a, mas oculta o mistério da disposição’ divina (op imperf). — Apenas Mc descreve o batismo de Jesus diretamente, enquanto os demais sinóticos (e Jo) se referem ao rito somente por alusão indireta.

Manifestação do Espírito Santo (cf. Mt 3,16s; Mc 1,10s; Lc 3,21b-22). — V. 16. Logo que foi batizado, Jesus saiu da água e, enquanto orava (Lc προσευχομένου, Vg orante), eis que se abriram (Mc se rasgaram) os céus, talvez por um esplendor súbito no alto do céu ou por entre as nuvens, como acontece quando um raio corta o céu e faz brilhar as nuvens opacas. Para Jerônimo, ‘abrem-se os céus . . . não por separação dos elementos, mas aos olhos do espírito’. Assim também Tomás de Aquino (cf. STh iii 39, 5): ‘Alguns o explicam como (i) visão corporal, dizendo que em volta de Cristo brilhou tal esplendor no batismo, que os céus pareciam abertos. Pode explicar-se também como (ii) visão imaginária, do mesmo modo que Ezequiel viu os céus abertos, pois se formara por virtude divina e por vontade deliberada tal visão na imaginação de Cristo, para significar que, pelo batismo, se abre aos homens a porta do céu. Pode explicar-se ainda como (iii) visão intelectual, na medida em que Cristo viu, uma vez santificado o batismo, o céu finalmente aberto aos homens’.

Mt e Mc parecem sugerir que somente Jesus o viu, mas Jo 1,34 indica o contrário, pois o Batista diz de si mesmo: Eu o vi, e dei testemunho, o que também Lc deixa subentendido com respeito às multidões: recebendo o batismo todo o povo, . . . abriu-se o céu (3,21). Assim o explica o Suárez: ‘Aquele sinal sensível não era necessário a Cristo, mas a nós; logo, cumpria que ele fosse tal, que pudesse ser percebido por todos’ (in STh iii d. 27 §1, n. 4). Diga-se o mesmo da aparição corpórea do Espírito Santo (cf. Jo 1,32s). Daí não se segue, evidentemente, que todos tenham compreendido o significado do sinal.

E viu o Espírito de Deus (Mc o Espírito; Lc o Espírito Santo) descer em espécie visível como pomba (Lc σωματικῷ εἴδει = em forma corpórea), e vir (Mc e permanecer) sobre ele. Não há símbolo mais apropriado do Espírito Santo, que traz o fruto da paz e da amizade divina. Notam ainda os autores que a imagem da pomba remete à simplicidade, à mansidão, à fecundidade etc. do Espírito Santo.

NB — 1. Antigamente, muito se discutiu sobre a natureza, se real ou aparente, dos dois sinais. Não há acordo entre os autores. A quase totalidade dos acatólicos tenta mostrar que toda ‘teofania’ nada mais é do que uma representação interna (i.e. uma alucinação) produzida na consciência do sujeito. A maioria dos católicos, por seu turno, defende a objetividade mas não a realidade física dos sinais, ou seja, dizem que algo semelhante a uma pomba, produzido sobrenaturalmente, foi visto de fato por aqueles homens no Jordão; muitos, porém, sustentam não só a objetividade como a realidade física do fenômeno, dizendo que a pomba avistada era um verdadeiro animal. A primeira opinião tem a seu favor nada menos que o texto sagrado, uma vez que os próprios evangelistas utiliza, quase adrede, a partícula ὡσεί, ὡς (‘como’, ‘como se’ = lt. sicut, quasi, tanquam etc.). Quanto à locução de Lc, em espécie corpórea (σωματικῷ εἴδει), deve-se entendê-la como forma, aparência ou aspecto corpóreo, o que exclui uma mera figuração imaginária por parte do sujeito, mas sem exigir por isso a presença de um verdadeiro (i.e. de carne) animal.

2. Que significa essa infusão do Espírito Santo em Cristo? No AT, quem quer que fosse chamado pelo Senhor a assumir uma missão árdua e difícil era movido por um singular impulso do Espírito de Javé. É o caso de Otoniel (cf. Jz 3,10), Gideão (cf. Jz 6,34), Jefté (cf. Jz 11,29), Sansão (cf. Jz 13,25), Bezaleel (cf. Ex 31,3; 35,31), Balaão (cf. Nm 24,2), Saul (cf. 1Rs 10,6.10) etc., que eram movidos pelo Espírito para levar a cabo, com fortaleza e sabedoria, a missão que receberam. Nessas passagens, a infusão ou moção do Espírito Santo não designa a graça santificante. Ora, é evidente por sua própria natureza, além de ser conforme à doutrina dos Santos Padres, que à infusão do Espírito Santo em Jesus corresponde um sentido mais pleno, a saber: o de plenitude da graça e inabitação do Espírito Santo. Seria ímpio, no entanto, supor em Cristo algum aumento de graça ou entender a descida sobre ele do Espírito Santo como se, nesta ocasião, Cristo tivesse sido eleito e ungido como Messias; com efeito, essa admirável manifestação do Espírito no Batismo foi feita não por causa de Cristo, mas por nossa causa.

V. 17. E eis que se ouviu uma voz do céu, que dizia: Este é o meu Filho amado (segundo Mc e Lc, a voz dirige-se a Cristo: Tu és etc.). Com estas palavras declara o Pai a dignidade do batizado: Jesus é o seu Filho (ὁ υἱός μου), e Filho amado (ἀγαπητός), i.e. não só muito querido, no sentido usual da palavra em gr., mas querido de modo único, ou seja, como Filho único, segundo a acepção em que o termo é frequentemente usado no AT e, às vezes, também em gr; no qual me comprazi, ou no qual pus as minhas complacências, quer dizer, ‘o qual (por isso, i.e. graças à filiação divina) me é singularmente grato’. Com isso se põe em evidência a relação não somente ministerial de Cristo com Deus, mas eminentemente pessoal. Com efeito, Jesus não é filho de Deus e objeto de especial predileção por ser o Messias, senão que foi constituído Messias e é objeto de todo o beneplácito divino por ser o Filho de Deus. Enquanto Filho verdadeiro e único, só ele poderia instituir na terra o autêntico e genuíno reino de Deus. — As palavras de Deus Pai lembram as de Isaías (cf. 42,1) e Sl 2,7.

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