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Nosso relacionamento com a Trindade Santa

Deus é um só em três pessoas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo. Essa verdade revelada, ainda que envolva números, está muito longe de ser uma fórmula abstrata, pois o próprio Deus se fez carne para que pudéssemos nos relacionar com Ele e participar de sua Bem-aventurança eterna.

Texto do episódio
353

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 16, 12-15)

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora. Quando, porém, vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena verdade. Pois ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido; e até as coisas futuras vos anunciará. Ele me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai possui é meu. Por isso, disse que o que ele receberá e vos anunciará, é meu”.


Neste domingo, em que a Igreja proclama o Evangelho de São João, capítulo 16, versículos de 12 a 15, vamos meditar sobre a grandeza da Santíssima Trindade, que foi revelada plenamente à Igreja no mistério pascal. O envio do Filho e, depois, o envio do Espírito Santo — duas obras de Deus em uma — são como que dois braços que Deus Pai enviou a este mundo para nos abraçar, resgatando-nos. Assim, o envio do Filho e do Espírito nos põe diante do mistério da Santíssima Trindade. 

Se quisermos celebrar bem esse mistério grandioso, temos de enxergar onde, na nossa vida espiritual, podemos crer mais, esperar mais e amar mais em Deus a partir dessa revelação. Isso porque há aqueles que têm a tendência de achar que a Santíssima Trindade não passa de uma realidade abstrata, meramente teórica e, por isso, desencarnada, por assim dizer; algo que somente especialistas no assunto teriam acesso. Mas essa não é a verdade. A Trindade, enquanto vida vivida, tem de estar presente na alma de todos os fiéis — mesmo naqueles mais simples. Portanto, vamos exorcizar esse preconceito de achar que as coisas, para serem importantes, têm de ter uma clareza cartesiana. Não precisamos entender tudo sobre a Santíssima Trindade para que ela realmente se faça presente em nossas vidas — Deus, Pai bondoso, não fala conosco por meio de enigmas. 

Assim, é preciso adormecer a nossa curiosidade, se quisermos entender eficazmente esse mistério, pois não vamos dominar tudo com o nosso intelecto. Todos nós, sábios ou simples, precisamos lançar o nosso coração nesse mistério, se quisermos verdadeiramente colher os seus frutos. A propósito: talvez as pessoas humildes consigam fazer isso de forma mais eficiente, precisamente porque têm maior simplicidade de coração. Os santos viveram esse mistério da Santíssima Trindade, agora nós temos de enxergar como também podemos vivê-lo. 

Vamos ver agora não só quem são as três Pessoas — que são Deus único —, mas o nosso relacionamento com elas. Crer em Deus Pai e viver como o Filho significa, em primeiro lugar, entender que o Filho é Jesus: “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial ao Pai (...)”. Mas nós, pela vinda do Espírito Santo, tornamo-nos filhos nesse Filho Jesus, fomos inseridos no seu Corpo.  

Para expressar essa realidade, geralmente usamos o termo “filhos adotivos”, mas isso precisa ser um pouco aprofundado. Ora, um filho adotivo é alguém que se tornou filho por meio de um ato meramente jurídico. Mas apresentada assim, essa realidade parece ser muito tênue — as pessoas tendem a achar que filho adotivo é alguém feito filho de “mentirinha”, mas isso não é verdade. São João, em sua Primeira Carta, diz: “Nós somos chamados filhos de Deus, e nós de fato o somos” (1 Jo 3, 1). Precisamos entender, porém, que não somos filhos como Jesus é Filho, isto é, da mesma natureza do Pai — mas também nossa filiação não se trata de uma mera ficção jurídica. A grande diferença é que nós somos filhos na graça. Ora, é a graça de Deus que, operando em nossas vidas, efetiva o nosso relacionamento com a Trindade. Por meio do Batismo, recebemos a graça e fomos inseridos na vida divina, que é sobrenatural — vida distinta da nossa natureza animal criada. 

Se já fomos introduzidos na vida de Deus, agora temos de crescer nessa vida. Já somos filhos, mas há um paradoxo aqui. Sobre isso, São João diz: “Ainda não se manifestou o que seremos” (1 Jo 3, 14). De fato, já somos filhos de Deus, mas também estamos sendo gerados na graça — precisamos crescer de graça em graça, de fé em fé, porque quanto mais crescemos, mais nos tornamos filhos. O que vale aqui é aquela realidade dita por Nosso Senhor: “Sede perfeitos como vosso Pai Celeste é perfeito” (Mt 5, 48).

E crescer nessa filiação divina quer dizer: “Sede misericordiosos, como o vosso Pai Celeste é misericordioso” (Lc 6, 36). É o que Cristo nos diz. Ora, isso significa que precisamos crescer no amor; porque Deus nos amou entregando o seu Filho e enviando o Espírito Santo, daí que nós também precisamos ser filhos desse Pai — é preciso uma entrega total, com amor e verdadeira doação. Se a Trindade é uma presença de doação e entrega, nós temos de imitá-la nessa realidade de amor. É por isso que o Espírito Santo em nós clama: “Abba, Pai”. Somos chamados a fazer aquilo que Cristo fez na Cruz: conforme São Lucas, com um grande grito, Ele entregou o seu Espírito dizendo: “Pai, em tuas mãos eu entrego o meu Espírito” (Lc 23, 46). Portanto, precisamos ter como propósito de vida crescer na imitação do Filho. 

Crescemos na imitação de Cristo não por outro meio senão pelo Espírito Santo — que é a caridade ardente de Jesus. Nessa realidade do mistério pascal, sejamos práticos: olhemos para a Cruz. Sem os olhos da fé, tudo o que vemos é uma cena de horror; mas, se tivermos um olhar sobrenatural, o que se revela diante de nós é um sacrifício de amor. Ora, todo sacrifício de amor tem altar, cordeiro, sacerdote e fogo; e, no Calvário, os três primeiros são o próprio Jesus, e o fogo é o Espírito Santo. Toda aquela dor é transformada em amor pelo Espírito — se assim não fosse, o Calvário seria apenas uma crueldade. Na Cruz, nós temos Deus que se derrama no amor infinito por nós, mas temos também o homem que se derrama no amor infinito de Deus. Eis o mistério da humanidade de Jesus, da Encarnação do Verbo: na Cruz, nós temos uma única pessoa que é Deus e homem. Como Deus, Ele nos ama de modo infinito num coração de homem — Ele nos amou até o fim. E como homem, Ele dá uma resposta de amor a Deus — mas Ele tem a capacidade divina de corresponder infinitamente a esse amor infinito. 

Estou gastando todo esse tempo a fim de que você enxergue, no mistério pascal, na Cruz de Cristo, essa maravilhosa realidade de amor na qual precisamos crescer e imitar — é a imitação de Cristo que nos insere no mistério da Santíssima Trindade. Nós precisamos abraçar Jesus com uma fé cada vez mais profunda, porque nesse abraço estaremos unidos a Ele por meio do Espírito Santo. Assim somos gerados como filhos do Pai. 

Desse modo, já temos condições de perceber que o mistério da Santíssima Trindade não é um mistério desencarnado, isto é, etéreo; mas é o mistério no qual todos nós devemos mergulhar. Na Última Ceia, Jesus disse: “Já não vos chamo servos, chamo-vos amigos” (Jo 15, 15). Ele, como é dito na Carta aos Hebreus, não teve vergonha ao nos chamar de irmãos. Para Maria Madalena, na manhã de Páscoa, Ele diz: “Vai e diz aos meus irmãos” (Jo 20, 17). Ouvir Jesus nos chamar de irmãos é tão extraordinário que dá vontade de sair dançando de alegria! Ora, se Ele é meu irmão, então eu sou filho do Pai; o mesmo Espírito que está nele está em mim. Essa é a unidade do Espírito Santo. Ele arde em nossos corações para que amemos Jesus cada vez mais, e assim nos tornamos cada vez mais filhos do Pai, amando-o intensamente. 

A propósito, foi precisamente isso o que os santos fizeram, vivendo essa comunhão de amor de forma extraordinária. Vejamos a pequena Santa Teresinha do Menino Jesus e da Sagrada Face — no dia 17 de maio, celebramos o centenário da sua canonização. Aos 24 anos, às vésperas da morte, Teresinha disse para Jesus: “Senhor, eu queria amar-vos tanto e amar-vos como nunca foste amado”. Ora, a pretensão dessa menina deve ser a pretensão de todos nós: receber o Espírito Santo para dar a Jesus o amor que Ele merece. É claro que, por nossas próprias forças, jamais conseguiremos — mas temos de ter sede disso, sede de amar a Deus. Aliás, o sinal claríssimo da presença do Espírito Santo em nós é essa sede de amar a Deus cada vez mais. Se mergulharmos verdadeiramente na graça do Espírito Santo, então poderemos realmente ser filhos nesse Filho. 

Agora, depois que já vislumbramos um pouco desse mistério de amor, eu gostaria de dar algumas dicas pontuais sobre como fazer tudo isso no nosso cotidiano. O primeiro elemento necessário à nossa relação com a Santíssima Trindade é a fé. Em cada ato realizado no nosso dia a dia, temos de trazer a recordação dessa verdade. De forma prática, podemos começar fazendo o sinal da cruz. A Trindade foi revelada na Cruz, quando Jesus entregou o seu Espírito ao Pai. Assim, depois do sinal da cruz, você começa as suas atividades do dia em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Nós fomos batizados assim. Você deve fazer o sinal da cruz com devoção — não como uma superstição, não como um ritual apotropaico, para afastar o mau agouro —, porque isso será uma tomada de consciência e de aumento da graça do seu Batismo. Ora, você é templo dessa Trindade Santíssima, que é doação constante de amor dentro de nós. Em todos os momentos do seu dia — dirigindo, lecionando, passando em frente a uma igreja onde há o sacrário etc. — tome consciência de que a Trindade também está no seu coração. À mesa para as refeições, faça o sinal da cruz e recorde-se das palavras dele: “O meu alimento é fazer a vontade do meu Pai” (Jo 4, 34). Era a força do amor do Espírito Santo que o levava a dizer isso. A todo momento, nós podemos trazer à consciência a Trindade, e a humanidade de Jesus irá nos tocar como membros do corpo dele e introduzir-nos nesse grande mistério de amor. 

O sinal da cruz é, de fato, um ato singelo; mas ele esconde uma realidade grandiosa: a Trindade é a nossa força, a nossa consolação e a nossa luz. E nós, por outro lado, somos fracos, carentes de refúgio, ignorantes, confusos et caterva

O primeiro ato sobre o qual eu falei é a fé na presença. Mas o segundo elemento é a humildade; é preciso se humilhar diante de Deus — sem um ato de humildade profundo, não é possível estar na verdade. Diante do mistério de amor da Santíssima Trindade, nós deveríamos ficar maravilhados pelo fato de termos sido inseridos num tão grande mistério de amor. 

E tudo isso nos conduz automaticamente a um ato de adoração — isso porque a humilhação diante de Deus não é destruidora, mas é uma humilhação de amor. E aqui nós podemos recordar, com verdadeiro afeto, da ligeira inclinação de cabeça que fazemos ao pronunciar o “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, como era no princípio (...)”. No Céu, nos inícios da criação, os anjos davam glória a Santíssima Trindade — e hoje, toda a corte celeste já está diante de Deus, rendendo-lhe glória para sempre. A glória da Trindade é eterna; o mal passará, a miséria deste mundo passará, o drama dessa história passará, a doença passará, a dor passará, o pecado passará, mas a glória da Trindade não passará. “Agora e sempre, pelos séculos dos séculos. Amém” — isso significa em todos os tempos, seja o tempo vivido por nós, ou por um anjo na glória do Céu. 

Eis o que nós precisamos fazer, pois é isso que nos fará crescer espiritualmente. Porém, nós vamos desaprendendo a amar e, como eu disse, a adoração é amor — e nós amamos quando cumprimos os mandamentos dele, por meio de algo concreto. Um dos meios mais concretos que temos de celebrar a Santíssima Trindade é imitar a sua unidade no corpo a corpo com os nossos irmãos. Temos de olhar para o nosso irmão e vê-lo como parte de nós. Meu próximo é um comigo, de forma análoga à união da Santíssima Trindade. Dessa forma, quando vemos um irmão em estado de pecado, longe de Deus, nas trevas da ignorância, temos de manifestar compaixão. Precisamos olhar para ele como Deus olha para nós, com compaixão; assim, sentiremos o drama daquela pessoa que precisa ser convertida. Se não pudermos evangelizá-la com palavras, podemos oferecer nossas orações, sacrifícios e dores pela salvação daquela alma. 

Por fim, nós vemos que a maior caridade que podemos fazer pelo nosso irmão é lutar em prol da sua salvação. E isso a tal ponto que, como disse São Paulo na Carta aos Romanos, expressando seu desejo de ser anátema, só para que seus irmãos judeus pudessem se salvar (cf. Rm 9, 3). Ou podemos agir como Santa Teresinha que, num acesso de loucura de amor, disse que iria até o Inferno a fim de resgatar as almas para Cristo — depois, claro, ela viu que era impossível ir ao Inferno por amor a Jesus. Esses arrebatamentos de amor nos fazem querer, pela força do Espírito Santo, configurar-nos a Jesus — a tal ponto que sejamos devorados por essa chama de amor. 

Que esse mistério de amor entre Pai, Filho e Espírito Santo — celebrado na Solenidade da Santíssima Trindade — faça-nos, cada vez mais, configurar-nos a Jesus, de modo que esse amor nos faça um com os nossos irmãos.

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ÁL
Álerson Lima
15 Jun 2025

Amém!

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LP
Lucia Patrus
14 Jun 2025

Glória ao Pai, e ao Filho e ao Espírito Santo . Amém 

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V
Valeria
14 Jun 2025

Obrigada por emanar de suas palavras o amor e a graça de Jesus, que tanto precisamos. Somente uma alma com seu conhecimento e amor é capaz de transmitir as verdades da fé de maneira tão sublime! Deus abençoe plenamente seu caminho evangelizador. Um abraço.

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