Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 9, 18-24)
Certo dia, Jesus estava rezando num lugar retirado, e os discípulos estavam com ele. Então Jesus perguntou-lhes: “Quem diz o povo que eu sou?” Eles responderam: “Uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que és algum dos antigos profetas que ressuscitou”. 20 Mas Jesus perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “O Cristo de Deus”. Mas Jesus proibiu-lhes severamente que contassem isso a alguém. E acrescentou: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia”. Depois Jesus disse a todos: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará”.
Neste 12.º Domingo do Tempo Comum, a Igreja proclama o Evangelho de São Lucas, capítulo 9, versículos de 18 a 24. Trata-se da profissão de fé de São Pedro — episódio central nos Evangelhos sinóticos, Mateus, Marcos e Lucas, porque mostra uma espécie de divisão da narrativa evangélica.
Nós vemos que na primeira parte do Evangelho, Nosso Senhor se esforça para suscitar a fé dos seus discípulos — é a primeira conversão, quando eles deixam tudo para seguir Jesus. À vista da pregação e dos milagres, eles, movidos pela graça, professam a fé. E é precisamente essa realidade que o Evangelho de hoje quer atestar, isto é, que os Apóstolos já eram capazes de um ato de fé — o que a multidão que os seguia não era capaz de fazer. Nosso Senhor pergunta-lhes: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Lc 9, 20), é quando São Pedro responde: “O Cristo de Deus” (ibidem) — o texto grego original traz o artigo, para mostrar que não é um ungido, mas o Ungido de Deus. Assim, verdadeiramente estamos diante de uma profissão de fé completa.
Porém, a partir desse momento, Jesus começa a ensinar aos Apóstolos que eles precisam de uma segunda conversão, que se encontra na cruz. Uma vez que aqueles homens fizeram a sua profissão de fé, Nosso Senhor então começa a falar sobre a realidade da sua Paixão. Primeiro, da sua morte: “O Filho do Homem deve sofrer muito. Ele deve morrer e ressuscitar ao terceiro dia” (Lc 9, 22). Mas isso não é tudo, porque Jesus também diz: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz a cada dia e siga-me” (Lc 9, 23). Ora, aqui Cristo está pedindo algo mais.
Este Evangelho nos ensina que nós, que já somos católicos e professamos a fé, agora precisamos de uma segunda conversão. E isso acontece quando passamos a compreender que o caminho de Deus não é outra coisa senão abraçar a cruz. Ora, se Deus é o Deus da Ressurreição, é impossível ressuscitar sem antes morrer.
Nesta homilia, portanto, vamos mostrar a necessidade que todos nós temos de uma segunda conversão. São Lucas dá início à sua narrativa com uma informação relevante: “Jesus estava rezando num lugar” (Lc 11, 1). A tradução brasileira diz: “num lugar retirado”, mas no original grego é dito que “Jesus estava rezando sozinho”. A nossa tradução procura adaptar as coisas, porque é dito que Jesus estava rezando sozinho, mas, na sequência, que os discípulos estavam com Ele — o que parece uma contradição. Ora, o que o Evangelho quer nos ensinar é que quando vamos rezar, nós temos de nos recolher na intimidade do nosso coração — ainda que estejamos numa multidão. No Sermão da Montanha, Jesus diz: “Quando orares, entra no teu quarto e o Pai que te vê no segredo irá escutar a tua oração” (Mt 6, 6). Esse segredo do quarto é, na verdade, o coração do fiel que reza. Assim, podemos traduzir melhor o trecho dizendo que Jesus estava recolhido em oração. Essa é a solidão de quem, a bem da verdade, encontra-se consigo mesmo — o verdadeiro encontro acontece na nossa alma, onde nos damos a Deus.
Isso é um detalhe, o importante é enxergar que Nosso Senhor estava rezando. Aliás, isso é uma característica própria de São Lucas, ele tem uma verdadeira predileção em nos recordar de que, antes de cada decisão importante, Jesus reza. Realidade extraordinária: antes dos seus atos mais importantes, Deus encarnado reza. Poderíamos dizer que Deus não precisa rezar; no entanto, rezar é constitutivo do ser humano. Se Ele é Deus que se fez homem, então Ele quer nos mostrar que essa humanidade é real, pois nunca o homem é tão homem, é tão elevado quando ele está de joelhos, a rezar.
São Lucas mostra constantemente Jesus orando: depois do seu Batismo, no Jordão, Nosso Senhor reza; antes de escolher os Doze, Ele passa uma noite inteira em oração. E aqui Ele reza porque está para fazer algo importantíssimo: pedir um ato de fé aos seus Apóstolos — é quando se realiza a primeira conversão desses Apóstolos. Foi um belo processo: depois de deixarem as redes à beira do lago, eles foram seguindo Nosso Senhor, ouvindo-lhe as palavras, vendo os milagres, os exorcismos etc. Naquele momento, embora a fé daqueles homens ainda não estivesse plena, Jesus já os havia incumbido da missão de anunciar a proximidade do Reino de Deus — assim como fez João Batista.
Agora que eles finalmente são capazes de ter fé, nós vemos um contraste entre os Apóstolos e a multidão que seguia Jesus: esta ainda acha que está no Antigo Testamento, comparando Jesus a Elias e a João Batista. Mas Pedro então anuncia: “É o Cristo” (Mt 16, 13). São Pedro está dizendo que o esperado de Deus já se tornou presente. O futuro de Deus é agora. E aqui, podemos recordar a palavra dita por Jesus àquela samaritana: “Virá a hora e é agora” (Jo 4, 23). Jesus que nos visita está a pedir de nós um ato de fé.
Conforme o Evangelho de São Mateus, nós sabemos que esse ato de fé de Pedro é um ato de fé teologal. E isso é tão verdadeiro que Jesus mesmo diz: “Bem-aventurado és tu, Simão, filho de João, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus” (Mt 16, 17). Ou seja, não foi um ato humano, carne e sangue; foi Deus quem proporcionou a Pedro esse ato de fé. Ora, a graça já está em ação; já aconteceu a primeira conversão. Agora, os Apóstolos deixaram suas vidas pregressas e se puseram a seguir Jesus.
Todos nós já somos convertidos, já deixamos a vida velha em prol do caminho de Cristo. Mas Ele quer mais de nós. Esse é o motivo, aliás, pelo qual Jesus reza; Ele sabe que os discípulos já têm a fé, mas Deus precisa fazer essa graça se aprofundar. Por quê, afinal, Jesus reza por São Pedro? Ora, essa pergunta não é uma indiscrição; não quero perscrutar o coração de Nosso Senhor. O próprio São Lucas nos revelou o que Jesus orou naquela noite. Isso porque, em uma outra noite mais à frente — (Lc 22, 31) —, na Última Ceia, depois da celebração da Eucaristia, naquele momento sublime, Cristo olha para Pedro e diz: “Simão, Simão, Satanás pediu permissão para peneirar-vos como se faz com o trigo; eu, porém, rezei por ti, para que a tua fé não desfaleça” (Lc 22, 31-32). É interessante observar que Jesus usa o nome velho de Pedro, Simão. Novamente, é São Lucas quem nos mostra Jesus orante — o evangelista até nos dá um vislumbre da intimidade do coração de Jesus: “Eu rezei para que a tua fé não desfaleça”.
A fé de Pedro ainda era meio desastrada: ele havia pedido para andar sobre as águas, mas afundou; subiu no Monte Tabor, viu Jesus transfigurado e teve a ideia de fazer tendas para permanecerem ali mesmo. Sua fé estava presente, mas era preciso que Pedro desse um passo a mais. As palavras de Jesus ecoam: “Eu orei por ti, para que a tua fé não desfaleça”.
De fato, é uma profunda consolação para nós saber que Nosso Senhor estava pensando em nossas vidas naquele momento; Ele rezou para a nossa fé não desfalecer. E esse desfalecimento pode acontecer diante da cruz — Pedro, inclusive, já havia dado mostras de que diante da cruz ele desfalecia. São Mateus narra que quando Jesus anuncia sua morte, Pedro o chama de canto e diz: “Senhor, que isso não aconteça” (Mt 16, 22). Mas então, Cristo dirige a ele as palavras mais duras do Evangelho: “Afasta-te de mim, Satanás, tu não pensas as coisas de Deus, tu não pensas como Deus, tu pensas humanamente” (Mt 16, 23). Na mesma página do seu Evangelho, São Mateus nos mostra do que o homem é capaz com a graça — o homem reconhece que Jesus é o Filho de Deus —, mas sem a graça ele não é capaz sequer de entender as palavras que Jesus está dizendo. Com a graça, o homem enxerga o invisível; sem a graça, ele nem sequer entende o audível. O que Jesus estava dizendo era algo simples, mas Pedro não entendeu que Cristo veio para dar a vida: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo. 10, 10).
São Pedro ainda não entende a cruz e foge dela. É por isso que ele afunda nas águas, no lago; desembainha a espada para ferir ao soldado, no Monte das Oliveiras; é por isso que ele renega Nosso Senhor. Na Última Ceia, Pedro, em uma de suas tantas bravatas, diz a Jesus: “Senhor, eu estou pronto para ir contigo até mesmo para a prisão e à morte” (Lc 22, 33). Mas Jesus amorosamente responde: “Pedro, eu te digo que hoje antes que o galo cante, três vezes negarás que me conheces” (Lc 22, 34). Assim, se São Pedro faz a sua profissão de fé, ele também faz a sua renegação. Vale observar que Jesus reza antes de todos esses momentos; Ele reza por nós, em nossos sucessos e em nossos fracassos. Ele cuida de nós a todo momento. É como diz o Salmo: “Tu me conheces quando estou sentado, tu me conheces quando estou de pé” (Sl 138, 2).
Cristo reza porque sabe que a profissão de fé de São Pedro tem de ser aprofundada por meio de uma segunda conversão. E qual, afinal, é essa segunda conversão? Sejamos práticos: há pessoas que se converteram, deixaram a vida de pecado, seguem a Jesus e querem ser de Deus — mas não sabem o que mais Deus espera delas.
No Evangelho, há uma belíssima cena na qual São Pedro, com alegria e sinceridade, diz o seguinte para Jesus: “Senhor, nós deixamos tudo para te seguir” (Mt 19, 27). Nosso Senhor vê aquela sinceridade de Pedro e ratifica as suas palavras, dizendo: “Quem deixar pai, mãe, mulher e filhos, casas e campos por amor ao Reino dos Céus, por amor a mim, irá receber a herança eterna” (Mt 19, 29). Com efeito, Pedro havia deixado tudo, exceto uma coisa: a si mesmo. E essa é a lição do Evangelho deste domingo, em que Jesus diz: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz a cada dia e me siga, pois quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9, 23-24).
Precisamos renuniciar a nós mesmos porque somos um grande obstáculo para que Deus reine em nossos corações. Infelizmente, nosso coração é desgraçadamente egoísta. Tudo isso por causa da desordem do pecado original. Desse modo, embora já sejamos capazes de professar a fé — como Pedro neste Evangelho —, ainda não somos capazes de amar. Pedro só amará depois, quando Cristo ressuscitado aparecer para ele; quando Jesus perguntar três vezes: “Pedro, tu me amas?” (Jo 21, 15). No Evangelho de hoje, Jesus pede fé a Pedro; e então, este Apóstolo que irá renegá-lo três vezes, que dizia bravatas, que caminhou sobre as águas, que fracassou miseravelmente, finalmente se converte.
Na Paixão, há algo de íntimo, de secreto: pregado na cruz, Cristo está morrendo; mas há uma coisa que também está morrendo no coração dos Apóstolos, é o seu amor próprio. Eis a segunda conversão: quando Cristo é crucificado, “concrufixus sum Christo”, como diz São Paulo, ser co-crucificado com Ele.
Quando a cruz visitar a sua vida, saiba: chegou a hora e é agora. É agora a hora de amar. Você já se converteu, já tem fé; mas chegou o momento de amar. Não importa qual seja a cruz que se apresenta na sua vida — perseguição, doença, preocupação, dívida, vergonha, angústia, dor —, quando ela vier, ponha-se de joelhos. Com sinceridade, diga a Jesus que as coisas não saíram como você havia planejado. Reconheça que, por suas próprias forças, você é incapaz de amar. Peça o Espírito Santo, para que você seja capaz de verdadeiramente amar. Mostre para Jesus que você está cansado de dizer que o ama, mas não viver esse amor.
A nossa grande consolação é saber que Jesus reza por nós; Ele reza antes da profissão de fé de São Pedro: “Simão, Simão, eu orei por ti; quando voltares, quando te converteres, confirma os teus irmãos”. Que este domingo seja para você um passo a mais rumo à segunda conversão. É isso que fará a sua fé frutificar nesse fruto belíssimo do amor de quem aprendeu a renegar a si mesmo.
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Homilia maravilhosa! Obrigado Pe. Paulo Ricardo!
Maravilhoso Padre Paulo Ricardo, uma homilia rica que mexe até com o coração mais duro.
Obrigada Padre por estar sempre presente nas nossas vidas para nos mostrar que só a Cruz é o verdadeiro caminho que nos conduz a Jesus...
Obrigada Padre a sua benção!!
E que Deus seja Louvado.
Obrigado pela homilia. Que Deus nos ajude nessa profissão de fé e na cruz que temos diariamente que carregar, por nossas concurpiscencias.
Pedro grande discípulo
De joelhos no chão!
Maravilhosa Homilia e ensinamento. Que Deus me dê a minha cruz e que me renegue a mim própria , que eu Te ame Senhor e em Ti ame todos os meus irmãos. Que a minha cruz venha e eu consiga aceita-la e nela Te veja Senhor
Maravilhoso Padre Paulo Ricardo…”mostre a Jesus que você está cansado de dizer que o ama, mas não viver esse amor “ é perder o mais belo dos ensinamentos.
Eu creio Senhor, mas aumentai a minha fé! 🙏❤️
Eu ainda estou muito longe dessa perfeição. E peço a Jesus que me dê oportunidade de ter mais fé e segui-lo sempre