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Texto do episódio
451

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Lc 24, 46-53)

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Assim está escrito: O Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia e no seu nome, serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sereis testemunhas de tudo isso. Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu. Por isso, permanecei na cidade, até que sejais revestidos da força do alto”. Então Jesus levou-os para fora, até perto de Betânia. Ali ergueu as mãos e abençoou-os. Enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o céu. Eles o adoraram. Em seguida voltaram para Jerusalém, com grande alegria. E estavam sempre no Templo, bendizendo a Deus.

Neste domingo, aqui no Brasil, nós celebramos a Ascensão do Senhor — festa que foi transferida da última quinta-feira, pois não temos feriado para guardar a solenidade. Na Ascensão, nós festejamos este grande mistério de Nosso Senhor que sobe aos céus, o que significa que o seu corpo glorioso agora está no Pai — é um corpo real, mas unido a Deus e por isso está fora do nosso mundo. No entanto, está tão maravilhosamente unido ao Pai, que Ele também está unido a nós. Toda a beleza do mistério da Ascensão está no fato de que a humanidade ressuscitada de Cristo está conosco, mas a sua Ascensão afasta essa humanidade da nossa vista. Ele é a vida do mundo, mas permanece longe da nossa experiência sensível; Jesus foi para Deus, mas não se afasta de nós — Ele só se esconde. Eis o cerne daquilo que celebramos nesta solenidade. 

A primeira conclusão que podemos tirar disso é que não é somente Nosso Senhor quem sobe para o Pai, nós também estamos em um processo de subida. Ao subir, Ele se esconde — e isso também acontece com as nossas almas. Para que possamos subir para Deus, nós precisamos nos esconder. Assim, a primeira lição da Ascensão é a humildade; precisamos entender que, se queremos ser de Deus, temos de ter uma vida íntima, secreta com Ele. Isso porque precisamos nos unir a Ele — essa realidade é análoga àquela do esposo que se une à sua esposa, é necessário um escondimento. A alma que sobe para Deus se esconde, assim como Jesus. É como diz Santa Teresinha do Menino Jesus: “A des amants, il faut la solitude”, ou seja, “Aos amantes é necessária a solidão”. Ora, se você é amado por Deus, você tem de sentir esse impulso para estar a sós com Ele, no segredo do seu quarto, como diz Nosso Senhor no Sermão da Montanha: “Fecha a porta do teu quarto e fala ao Pai que está no segredo, o Pai te vê no segredo” (Mt 6, 6). 

Esta é a primeira lição do escondimento do Senhor na Ascensão: a humildade do recolhimento. Onde quer que estejamos, seja treinando na academia, no ônibus cheio, em meio à multidão, só nos encontraremos com Ele no segredo do nosso coração se formos humildes. Ora, o caminho para a ascensão da alma é o caminho da humildade — Jesus sobe aos céus e se esconde; a alma sobe para Deus se escondendo. 

Algumas pessoas, porém, poderão dizer que isso é só para aqueles que têm vida contemplativa, como as monjas carmelitas, que vivem enclausuradas. Mas isso não é verdade. E aqui chegamos à segunda lição da Ascensão: a eficácia da presença de Jesus. Depois do escondimento humilde, vem a eficácia. Depois da Ascensão, Jesus torna a sua presença ainda mais eficaz no mundo, porque antes, Ele não podia estar em todos os lugares ao mesmo tempo — se estava em Nazaré, não estava em Jerusalém. Mas agora que Cristo está com o Pai, Ele pode agir com a sua divina humanidade a fim de tocar cada coração humano. Com efeito, as pessoas à nossa volta parecem mais vivas do que Jesus, porque nós não o vemos: elas descem e sobem escadas rolantes, entram e saem do metrô, correm, exercitam-se. Contudo, Ele é o princípio da vida; Ele está no coração de toda a realidade, por assim dizer. Mas Ele também é todo invisível; Jesus está no puro escondimento da luz infinita de Deus. 

Como lemos no Evangelho, Nosso Senhor penetra na nuvem — para nós, essa nuvem é obscura, mas Ele está no coração da realidade, porque Jesus é o princípio vital que move todas as coisas. Ora, Cristo não está somente vivo, mas Ele é a própria fonte da vida: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6); “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10, 10). Eis a segunda realidade presente no mistério da Ascensão. Ao se esconder, Ele se torna mais eficaz, Aquele que nos vivifica. 

Agora, de modo prático, se realmente quisermos ser eficazes, nós temos de ter uma vida de união com Deus. Se subimos para o Pai, imitando Jesus na Ascensão, nós nos escondemos na humildade. No entanto, isso não quer dizer necessariamente que nos afastamos do mundo — pelo contrário: podemos nós mesmos nos tornar o coração do mundo. A propósito, é por isso que os grandes contemplativos têm grande eficácia pastoral. Nós vemos que os Apóstolos podem ser as mãos e os braços da Igreja atuante, mas Maria contemplativa, que reza por eles, é o coração da Igreja. Se os Apóstolos são os pés e as mãos, Maria é o coração. 

No seu livro “História de uma Alma”, Santa Teresinha do Menino Jesus diz: “Dans le coeur de l'Église, ma mère, je serai l'amour”, “No coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor”. Enclausurada, ela consegue estar mais próxima de nós, porque está no coração da Igreja. Ou seja, escondida no Carmelo de Lisieux, Santa Teresinha conseguia estar mais presente nas missões evangélicas na China ou na Coréia, do que os próprios missionários que lá estavam. Com a nossa mentalidade de ativismo, achamos que seremos eficazes, como Martas agitadas; porém, só seremos capazes de verdadeiramente agirmos no coração das pessoas se mergulharmos em Deus. A razão disso é evidente: a graça só age de dentro para fora, e não o contrário. Não é com palavras, tampouco com socos e pontapés que faremos a graça se manifestar no coração das pessoas. 

Então, se quisermos mais pessoas para ser pregadores, catequistas, apóstolos; pessoas comprometidas com um apostolado cotidiano e eficiente, esse apostolado precisa ter alma. Como disse Dom Chautard no seu famoso livro “A alma de todo apostolado”, nós precisamos estar unidos ao Coração de Cristo — só assim a alma pode agir de forma eficaz. E somos mais eficazes no apostolado quando ascendemos, quando subimos para o Pai. E subimos para Deus quando nos humilhamos no escondimento. A alma é mais eficaz na Ascensão do que na agitação de Marta. 

Ora, isso não significa que devamos agora abandonar as nossas vocações. Eu, por exemplo, sou padre; não sou de vida contemplativa. No entanto, preciso ter uma vida contemplativa. Precisamos imitar o Cristo que subiu aos céus, na Ascensão. Para entendermos em que, de fato, consiste esse estar com Deus, basta vermos o episódio de Marta e Maria, no Evangelho de São Lucas: “Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas com muitas coisas, uma só coisa te basta” (Lc 10, 41). Este é o único necessário — a busca por Deus, essa busca de interioridade, unifica a nossa alma e as nossas potências interiores. Mas, por causa da soberba, nós somos dispersos, como diz Nossa Senhora no seu cântico: “Dispersit superbos”, “Deus resiste aos soberbos” (Tg 4, 6). Nosso coração está disperso com outras coisas. Todavia, se quisermos realmente ascender, o nosso coração deve ser uma aspiração constante por Deus — tudo o que pensarmos tem de ter alguma relação com Ele. 

Nosso Senhor sobe aos céus, mas Ele não fica longe dos seus Apóstolos. Agora, os Apóstolos o veem em todas as coisas. Não podemos nos esquecer de que, após a Ressurreição, Jesus apareceu durante 40 dias para os seus discípulos e Apóstolos — isso porque a fé havia morrido no coração deles. Ora, metaforicamente, quando a grande pedra rolou sobre a entrada do túmulo de Jesus, uma pedra também sepultou a fé dos Apóstolos. Só a Virgem Maria conservou a fé em seu coração. Jesus, depois de ressuscitado, precisou aparecer para ressuscitar a fé, para fazer com que eles se recordassem de sua promessa. 

O Evangelho deste domingo nos diz o que aconteceu quando os Apóstolos finalmente restauraram a fé em seus corações: “Eles o adoraram. Em seguida voltaram para Jerusalém, com grande alegria” (Lc 24, 52) — isso é sinal claro da presença da fé. Assim, a fé já se tornou eficaz; e seus corações cheios de alegria indicam o início do processo de união plena com Ele — que culminará em Pentecostes. 

Nós precisamos verdadeiramente nos incomodar pela nossa dispersão; temos de nos unificar nele, porque nos contentar com o que somos não pode ser uma opção. Deus está muito perto de nós, mas nós infelizmente ainda estamos muito distantes dele. 

Assim, a primeira coisa que precisamos fazer para nos aproximarmos mais de Deus é entender que tudo começa com o amor dele. Com efeito, Deus é o princípio ativo que nos ama; é Ele quem vem até você. Porém, você jamais vai se encontrar com esse amor se não rezar. Recolhido em oração, você pode ver claramente que o Senhor toca o seu coração. Há aqueles que, eufóricos, dizem sentir Deus em seus corações. Que essas pessoas não pensem que estão amando Deus, elas não sabem distinguir as coisas. Quando você reza, Deus pode se compadecer e fazer com que você sinta uma alegria, uma consolação no seu coração. Quando isso acontece, você está simplesmente recebendo um apelo, um chamado para amar Deus de volta. Em suma, quando nós sentimos o amor de Deus em nosso coração, isso não é uma resposta, mas uma pergunta, um convite — é o chamado de Cristo feito a Pedro: “Pedro, tu me amas?” (Jo 21, 15). 

Contudo, há aqui um problema: o amor não pode crescer em nós por nossos próprios méritos; o amor é, antes de tudo, uma virtude teologal, ou seja, é uma obra de Deus. Se nós nos voltarmos para Deus, ao nos amar, Ele vai nos atraindo, e nossa alma vai ascendendo. Ora, nós vivemos do amor de Deus, somos dependentes dele, desse amor que nos atrai. Se queremos responder a esse amor, temos de perceber que ele vive em nossa alma à medida que nós mesmos somos amados — esse é o amor passivo, primeiro recebemos amor, depois amamos de volta. 

Mas isso não basta. Há pessoas que se queixam de que, apesar de já terem sentido esse chamado, suas vidas não mudam, elas não conseguem amar, não há eficácia. Nesse caso, nós podemos recorrer a uma grande lição ensinada pelos santos, mas que parece ser uma crueldade: o desapego. Ora, para ascender ao Céu é preciso deixar a terra. O que é terreno ama o que é terreno; o celeste, as coisas do alto. A verdade é que nós precisamos pôr em prática as virtudes que vão endireitando a nossa vida torta — estamos voltados para o chão, para a realidade terrena. Assim, para a real manifestação desse “sursum corda”, desse “corações ao alto”, precisamos do desapego. Dom Divo Barsotti usou a comparação de uma folha: o vento, que representa o Espírito Santo, sopra; mas se a folha ficar presa à árvore, ela não voará. É preciso desapegar senão não vamos voar com o Espírito de Deus. 

Então, de forma prática, para estar mais com Deus, você precisa de liberdade interior. Mas, quando falamos em desapego, a maioria das pessoas interpreta isso como uma verdadeira crueldade. Farei aqui uma comparação que poderá iluminar você — e essa é a lição mais importante desta Solenidade da Ascensão. Imagine um menino órfão obrigado a suportar uma vida de solidão e até mesmo de crueldade em um orfanato. Acontece, porém, que esse menino aprendeu a se distrair com um videogame. A certa altura, grande festa, pois descobriram quem é o pai do menino: um homem riquíssimo. Contudo, quando dizem para o menino se preparar para deixar o orfanato rumo à mansão do seu pai, ele se recusa, porque acha que os outros estão dizendo aquilo só porque querem se apossar do seu videogame. Ele acha que está sendo enganado. O menino recusa ir para o pai porque não quer se desapegar daquela sua singela distração. 

Quando Deus pede para que nós nos desapeguemos — da família, do dinheiro, da saúde, do corpo, da fama etc. —, Ele está querendo que deixemos o videogame para irmos com Ele para a sua mansão. Eis o sentido desta Solenidade da Ascensão do Senhor.

Portanto, a nossa vida interior precisa ter essa eficácia de conduzir nossos corações para o alto. É importante nos apressarmos a fim de estarmos com Jesus, pois temos um sumo sacerdote, como diz a Carta aos Hebreus: “Nós temos um grande sumo sacerdote que penetrou nos céus” (Hb 4, 14). Ora, creiamos no Pai que veio nos buscar, desapeguemo-nos deste mundo; Ele se compadece das nossas fraquezas, porque passou pelas mesmas provações que nós. A Carta aos Hebreus continua: “Aproximemo-nos confiadamente do trono da graça a fim de alcançar misericórdia e achar graça de um auxílio oportuno” (Hb 4, 16). Sejamos desapegados, “sursum corda”, aproximemo-nos do trono da graça.

Recomendações

A alma de todo apostolado, de Dom J. B. Chautard.

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RC
Regina Costa
2 Jun 2025

Jesus ensina nos a ser o amor na igreja amando aqueles q não nos amam e nos criticam por buscar mais a Ti. Dá-nos a garça do desapego 

Responder
ÁL
Álerson Lima
1 Jun 2025

Amém!

Responder
EM
Egiane Manoel
31 Mai 2025

Que lindo! Foi através da consagração a nossa Senhora que aprendi que devemos desapegar dos bens matérias e das pessoas. Todos podem nos decepcionar , mas Jesus, nunca!

Responder
MB
Maria Baia
31 Mai 2025

Amém! Aleluia! Aleluia! 👏🏼👏🏼👏🏼

Que Rico e Maravilhoso Ensino! Esclarecedor! Oportuno… Desafiador! 

Muito Obrigada, Amado Padre/Pai! Obrigada! 🌹

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