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Texto do episódio
249

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 14, 23-29)

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada. Quem não me ama, não guarda a minha palavra. E a palavra que escutais não é minha, mas do Pai que me enviou. Isso é o que vos disse enquanto estava convosco. Mas o Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito. Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. Ouvistes que eu vos disse: ‘Vou, mas voltarei a vós’. Se me amásseis, ficaríeis alegres porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu. Disse-vos isto, agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós acrediteis”.

Neste 6º Domingo da Páscoa, a Igreja proclama o Evangelho de São João, capítulo 14, versículos de 23 a 29, em que vemos Nosso Senhor, na Última Ceia, na intimidade com os seus Apóstolos. Naquele momento, Judas já tinha deixado o Cenáculo; e Jesus começou a revelar mistérios àqueles que permaneceram, os seus amigos. E aqui encontra-se o cerne da nossa reflexão deste domingo: a amizade. 

No capítulo 15, Nosso Senhor dirá: “Já não vos chamo servos, chamo-vos amigos” (Jo 15, 15). E, no Evangelho de hoje, Jesus diz qual é a dinâmica da amizade que podemos ter com Ele: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada”. Aqui, nós nos encontramos diante do mistério da inabitação divina, isto é, o mistério do Criador que habita em nosso coração — como um amigo. 

Com efeito, Deus está em todos os lugares, porque Ele sustenta a realidade no ser. Ora, isso implica dizer que a presença de Deus se manifesta de formas muito variadas: Ele está nas pedras e até nos demônios — se não fosse assim, as coisas existentes cairiam no nada absoluto. No entanto, nem as pedras nem os demônios têm amizade com o Criador. 

Efetivamente, nós nos dispomos a viver em amizade com Jesus quando rejeitamos a vida de pecado; quando damos as costas à antiga vida desordenada, considerando-a nada mais que a morte, pois, longe de Cristo, estávamos mortos e não sabíamos. Em nossa vida de pecado, éramos como um cadáver que se agitava; não havia vida em nós, tampouco vida divina. Essa é a situação verdadeiramente tenebrosa daqueles que ainda não entraram na amizade com Deus. 

Quando nós, como adultos, rejeitamos a nossa vida de pecado, começamos uma amizade com Deus. Se somos batizados na vida adulta, recebemos essa experiência da presença divina de inabitação como verdadeira amizade — mas para isso, é realmente necessário que rejeitemos a vida de pecado. No caso de uma criança recém-nascida, a dinâmica da inabitação acontece de forma automática, porque ela não tem meios de se opor a essa amizade — é claro que, na vida adulta, ela terá de tomar posse desse relacionamento com Deus de forma consciente e livre. Daí a importância de os pais e padrinhos educarem as crianças para a amizade com Deus. 

Jesus garante a sua presença trinitária. Vejamos, quando nos tornamos amigos de Cristo, que se fez homem, tornamo-nos também — evidentemente — amigos das três pessoas da Santíssima Trindade, em virtude da união hipostática. Isso porque, onde Jesus está, por circumincessão, estão também o Pai e o Espírito Santo. 

Assim, quando fomos batizados e rejeitamos a vida de pecado, temos a presença divina em nós — aliás, o estado de graça é condição mínima para a manutenção da presença de Deus em nossa vida. Contudo, agora precisamos crescer nessa relação de amizade com Ele. E aqui, somos chamados a observar que, no âmbito de uma relação de amizade, há uma via de mão dupla. Para entendermos essa necessidade, há o exemplo jocoso do sujeito terrivelmente tímido que afirmava ter uma namorada, mas esta nem sequer o conhecia. Ora, se não há reciprocidade no namoro, não há namoro algum; assim é também relativamente à amizade. Essa relação exige amor em via de mão dupla. 

Agora, precisamos aprender a fazer crescer essa realidade fraternal. Isso porque há muitos que já estão em estado de graça, longe do pecado mortal; mas que estão estagnados na vida espiritual, ou até retrocedendo. E isso é preocupante porque, na vida de fé, se não há progresso, há retrocesso. 

Com efeito, para crescermos na amizade com Deus, precisamos entender realmente o que é uma presença — esse é o cerne deste ensinamento. É preciso entender o que significa Deus se fazer presente, por inabitação, em nosso coração. Ora, uma presença não é uma realidade estática; a presença de uma pessoa, divina ou não, é uma verdadeira doação. 

Imaginemos o seguinte exemplo: um de nós é um moribundo num leito de alguma UTI, dividindo o local com outros nove pacientes. Acontece, porém, que esses nove doentes estão em estado de coma; e nós, apesar de atordoados, permanecemos conscientes. Mas além de nós e dos nove pacientes, há também uma enfermeira à nossa disposição. A mulher está inteiramente comprometida com o nosso cuidado; ela se esforça tanto que, às vezes, não dorme à noite. A enfermeira realmente se doa em prol dos doentes. Ora, quantas pessoas verdadeiramente estão presentes naquela UTI? A resposta é categórica: apenas uma, a enfermeira. Isso porque só há verdadeira presença quando há doação. 

Essa presença intensa é análoga àquela que encontramos no âmbito familiar. Aliás, dizer que determinado pai é “ausente” significa que, apesar do homem viver com a sua família, ele não está se doando. De igual modo, há mães e filhos ausentes. Ora, só existe presença quando há doação. Nosso Senhor se faz presente no sacrário, porque Ele está lá para se doar; no sacrário, há como que uma usina nuclear de amor e de doação. Neste domingo, nós estamos aprendendo que existe uma outra presença, que não é aquela que se dá na Eucaristia; trata-se de uma forma distinta de presença, que é a da amizade na alma que está em estado de graça. 

Presente em nosso interior, Deus está se doando a si mesmo. A propósito, era a essa realidade à qual Jesus se referia quando ensinou, no capítulo 7 do Evangelho de São João, que “brotarão rios de água viva” (Jo 7, 38) do nosso interior. Com efeito, é nessa fonte borbulhante que Ele se doa continuamente. Todavia, de nada adiantará se tivermos acesso a uma fonte de água cristalina, mas jamais bebermos dela.  

À vista de tudo isso, a primeira coisa a ser feita é um ato de fé. Ora, a fé consiste em ter notícia desse amor que se traduz nessa doação. Conforme Santa Teresa d’Ávila, quando vamos rezar, a primeira coisa a se fazer é nos darmos conta dessa presença — o que só pode ser feito mediante um ato de fé. Neste domingo, o Evangelho nos diz que nós podemos nos dar conta, isto é, tomarmos consciência desse amor infinito, quando nós comungamos, quando estamos ajoelhados diante do sacrário.

Mas o Evangelho também nos ensina que podemos experimentar isso em nossa casa. Se, em estado de graça, fizermos um ato de fé, seremos capazes de acessar essa verdade em nosso interior. Realmente, o Cristo Ressuscitado estará tocando o nosso âmago. Isso não significa que o fiel necessariamente tem de sentir o toque espiritual da graça por meio de alguma consolação — isso não é necessário. De fato, um ato de fé é um ato de conhecimento, no qual nós, pela fé infusa por Deus, tomamos consciência dessa presença. 

Nosso Senhor se faz presente em nós, doando-se com tal generosidade, que podemos afirmar que Ele é a Presença. Ora, não há alguém que seja presente tanto quanto Ele. E isso porque pessoa alguma é doadora como Cristo é doador; Ele é o próprio dom. Jesus disse àquela samaritana: “Se conhecesses o dom de Deus e aquele que te diz, dá-me água de beber, tu mesmo pedirias a ele, e ele te daria água viva”. 

Em nosso interior há uma fonte de amor infinito. Só não a acessamos porque não queremos realizar atos de fé; ou, em outras palavras, porque não queremos rezar. Ora, o exercício da fé é a oração íntima. Daí a importância de rezarmos todos os dias — e rezarmos intensamente. Essa é a realidade daquilo que Santa Teresa chamava de “advertência”; isto é, nós nos advertimos, damo-nos conta dessa presença por meio de um ato de fé. No século XXI, o movimento da filosofia personalista está nos ajudando a entender essa presença no sentido pessoal, pois “pessoa” é relacionalidade. 

Fazer-se presente é se doar. No nosso interior, Jesus está se doando por inteiro, como uma fonte borbulhante de água viva — e é pela fé que nós temos acesso a isso. Assim, nossa primeira atitude é um ato de fé. Mas a oração não se resume a isso. Porque, como dissemos, a amizade é uma via de mão dupla. Ora, se estamos recebendo amor, temos de dar amor também. E fazemos isso quando rezamos. Durante a oração, muitas vezes estamos ausentes, somos egoístas pensando em nossos problemas. Mas temos de entender que a nossa oração precisa ser uma resposta ao amor de Deus. 

Embora o que conseguimos entregar a Nosso Senhor seja algo mínimo, Ele quer o nosso amor. Àquela samaritana à beira do poço, Jesus disse: “Dá-me de beber” (Jo 4, 7). E no alto da Cruz, Ele disse: “Tenho sede”. Cristo é a fonte da vida, mas é para o nosso próprio bem que Ele pede: “Dá-me de beber”. Jesus quer ser consolado por nós não por necessidade, mas porque Ele sabe que isso é melhor para nós. À vista disso, precisamos dar de beber a Cristo, ainda que a única coisa que possamos lhe oferecer seja uma esponja embebida em vinagre, isto é, o nosso ato de amor misturado com o nosso egoísmo, nossa falta de fé, nosso interesse pessoal. Mas façamos isso, demos de beber a Ele. Porque, pouco depois, uma lança traspassará o seu costado, de onde brotará água viva e sangue — eis a nossa salvação eterna. 

É preciso, portanto, corresponder ao amor de Deus. Somos convidados a olhar para a nossa vida e buscar enxergar o que ainda não entregamos a Ele. Então, o mistério da inabitação é essa relação de amizade com Deus. Ora, para que possamos crescer nessa amizade, é preciso fazer atos de fé e de amor cada vez mais intensos para que, desse modo, correspondamos ao amor divino. 

Entretanto, nenhuma dessas coisas têm validade se, em nossa vida cotidiana, não amarmos Cristo na sua presença nos irmãos. Nas outras pessoas há também uma presença divina — não é necessariamente a presença por inabitação, senão uma presença vicária, por assim dizer. Ora, Jesus se faz presente no outro, mesmo que o outro seja pagão, ímpio, pecador, pobre, miserável, bêbado, blasfemo, ingrato et caterva. Cristo está lá. Isso porque essas pessoas são uma presença vicária de Cristo. É o que diz o Evangelho de São Mateus (25, 40): “Foi a mim que o fizestes” — doando-nos a Deus nos nossos irmãos, nós crescemos nessa amizade com Ele. 

Se, tal qual aquela enfermeira da comparação que fizemos, nós nos doamos a nossos irmãos, mesmo que eles sejam pecadores, nós nos transformamos em presenças efetivas. É presença de amizade, porque implica o amor; é presença de doação mútua. Se vivemos sob essa realidade, então para nós não há solidão — que, em última análise, é falta de fé. Aqueles que vivem em estado de graça nunca estão sozinhos. É importante entender isso. Nós temos o melhor dos amigos — e se não recordarmos disso, é porque não estamos exercitando a fé. Mesmo sem sentir coisa alguma, na escuridão da fé, há um rio de água viva que transborda em nosso interior. Portanto, façamos a mesma coisa: transbordemos de amor por Ele.

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JC
July Cavalcante
25 Mai 2025

Que o amor do Espírito Santo de Deus nos ilumine para transbordarmos de amor por Ele. Muito obrigada, padre Paulo. Deus abençoe o senhor e toda a sua equipe que nos ajuda no fortalecimento e crescimento da nossa fé. Amém. 

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MB
Maria Baia
24 Mai 2025
(Editado)

Amém! Aleluia!👏🏼👏🏼👏🏼 

Bela Homilia, como sempre! Porém, capaz de nos incomodar e muito! “Estar na fonte e não beber Sua Água.” “A necessidade de se doar ao Amor pelos irmãos, por Amor ao Deus que nos Amou primeiro.” Ou seja, ser presença, pois a Divina Presença, nos capacita, a nos doarmos sem medidas! Lindoooo!!!👏🏼👏🏼👏🏼

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