Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
(Mc 6, 30-34)
Naquele tempo, os apóstolos reuniram-se com Jesus e contaram tudo o que haviam feito e ensinado. Ele lhes disse: “Vinde sozinhos para um lugar deserto, e descansai um pouco”. Havia, de fato, tanta gente chegando e saindo que não tinham tempo nem para comer. Então foram sozinhos, de barco, para um lugar deserto e afastado. Muitos os viram partir e reconheceram que eram eles. Saindo de todas as cidades, correram a pé, e chegaram lá antes deles. Ao desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas.
A Igreja proclama, neste 16.º Domingo do Tempo Comum, o Evangelho de São Marcos, capítulo 6, versículos de 30 a 34. No domingo passado, nós vimos Nosso Senhor enviar os Apóstolos em missão; e eles receberam não só o poder de agir em nome de Cristo, mas também um estilo de vida apostólico.
No Evangelho de hoje vemos que, após os Apóstolos regressarem de sua missão, Jesus os convidou a irem com Ele a um lugar deserto para se recuperar do cansaço. Porém, surgiu uma multidão tão grande, que eles não puderam descansar. Nosso Senhor então ficou comovido diante daquelas pessoas e disse que eram como “ovelhas sem pastor”. Este é, aliás, o versículo que conclui o Evangelho: “Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor. Começou, pois, a ensinar-lhes muitas coisas” (Mc 6, 34).
Primeiramente, vamos entender o porquê de a multidão parecer, aos olhos de Nosso Senhor, como ovelhas sem pastor. No Antigo Testamento, Deus escolheu e chamou o povo de Israel, entregando-lhe pastores. E quem eram esses pastores? Ora, eram os reis, os sacerdotes, os líderes do povo escolhido por Deus. No entanto, esse povo foi praticamente traído por essas autoridades. É por isso que, na Primeira Leitura, o profeta Jeremias diz: “Ai dos pastores que deixam perder-se e dispersar-se o rebanho de minha pastagem, diz o Senhor!” (Jr 23, 1).
Então, os líderes de Israel estavam deixando o povo sem pastor, à mercê da própria sorte. E o que significa um povo sem pastor? As pessoas estavam à espera do Messias: na época de Cristo, todos esperavam pelo Messias. E eis que o Messias veio, mas o que os líderes do povo disseram? Acusaram Jesus, dizendo que Ele expulsava o demônio pelo poder de Belzebu. Isto é, quando Deus finalmente enviou o verdadeiro pastor, os líderes do povo de Israel não o reconhecem e acusam-no de ser o próprio lobo em pessoa.
E o que acontece quando o povo vê-se desprovido de pastor? Algumas pessoas, diante dessa imagem das ovelhas e do pastor, têm uma visão romântica da realidade: veem as ovelhas no pasto, a comer grama; e o pastor, sentado à sombra de uma árvore, a tocar flauta. Elas imaginam uma cena bucólica, campestre, alegre. Mas, quando Deus fala de pastor, Ele está se referindo a alguém que defenderá o rebanho contra o ataque do lobo ou as investidas do inimigo. Um rebanho sem pastor é, portanto, um rebanho prestes a ser dilacerado pelo inimigo.
E por quê? Ora, aqui nós nos recordamos da fala de Nosso Senhor no capítulo 10 do Evangelho de São João: “O bom pastor dá a vida por suas ovelhas” (Jo 10, 11). Isto é, o bom pastor decide enfrentar o leão, o lobo e o urso para proteger seu rebanho.
No Antigo Testamento, o modelo do bom pastor era o próprio rei Davi. Ele, quando jovem, cuidava das ovelhas do seu pai e, para isso, tinha de enfrentar leões, lobos e também ursos. Ele as defendia com a sua funda, o seu estilingue, arremessando pedras contra o leão e outras feras, a fim de defender as ovelhas que estavam sob a sua guarda. Assim, com tal coragem, esse menino escolhido por Deus decidiu agir quando o povo de Israel foi ameaçado e escarnecido pelos inimigos filisteus, sobretudo pelo gigante Golias.
O rei Saul, legítimo monarca de Israel, não foi à guerra; ele teve medo de enfrentar Golias. Então, Davi, o pequeno pastor de ovelhas, aquela figura frágil e humilde, enfrentou e venceu o grande Golias. E Davi alcançou a vitória porque confiou em Deus. Assim, Davi é modelo do pastor que tem fé e que, corajosamente, entrega-se, dando a própria vida pelas suas ovelhas — por isso Davi tornou-se o protótipo do rei pastor.
Mas, ainda no tempo do rei Davi, o profeta Natã deu início à anunciação do Messias que viria, revelando a promessa de que o Senhor lhe daria uma descendência duradoura (cf. 2Sm 7, 5-16). A partir desse momento, então, o povo de Israel começou a esperar a vinda do rei pastor definitivo.
No entanto, enquanto eles esperavam, os pastores que estavam encarregados de guiar o povo faziam profecias às avessas, de modo que abandonaram o rebanho. Em vez de defendê-lo, procuraram os seus próprios interesses, e isso fez com que o povo se perdesse. A situação tornou-se dramática.
Assim, na época de Jesus, os fariseus, os saduceus, os sumo-sacerdotes e os escribas escravizavam o povo com as suas interpretações equivocadas das profecias. Depositavam fardos pesados sobre os ombros dos mais humildes. E, por fim, quando o verdadeiro Messias veio, eles quiseram matá-lo, pois não o reconheceram.
Antes de descrevermos a luta de Jesus, o Bom Pastor, vejamos a promessa de Deus que o profeta Jeremias apresenta na Primeira Leitura:
Suscitarei para elas novos pastores que as apascentem; não sofrerão mais o medo e a angústia, nenhuma delas se perderá, diz o Senhor. Eis que virão dias, diz o Senhor, em que farei nascer um descendente de Davi; reinará como rei e será sábio, fará valer a justiça e a retidão na terra. Naqueles dias, Judá será salvo e Israel viverá tranquilo; este é o nome com que o chamarão: ‘Senhor, nossa Justiça’ (Jr 23, 4-6).
Essa profecia é um verdadeiro bálsamo para a alma, pois nutre a nossa esperança. Deus não faz promessas em vão; o Criador não é um charlatão, que engana o povo. Deus está prometendo algo, e nós tomamos posse desta sua promessa: “Suscitarei para elas novos pastores que as apascentem”, e Ele também diz: “Farei nascer um descendente de Davi”.
É evidente que esse descendente de Davi prometido é o próprio Jesus, que é o Rei Pastor por excelência. No Evangelho de São Mateus, nós lemos a profecia de Jesus sobre o Juízo Final, no qual o rei pastor se sentará sobre o trono a fim de julgar. Ele põe, de um lado, as ovelhas; e do outro, os cabritos, que serão condenados.
Vemos um rei sentado no trono; e, se Ele separa ovelhas de cabritos, é porque Ele é também um pastor; Ele é o rei pastor que virá no fim dos tempos. Porém, entre a primeira vinda de Jesus — que nos salvou por meio da Cruz — e a sua segunda vinda — quando Ele virá para julgar os vivos e os mortos —, Deus dá aos pastores a missão de conduzir a sua Santa Igreja.
No capítulo 3 do Evangelho de São Marcos, Nosso Senhor escolheu os Doze Apóstolos: “Jesus subiu à montanha e chamou os que Ele quis” (Mc 3, 13). Vemos que Ele já tinha os seus discípulos, já há a Igreja em formação; no entanto, no meio daqueles numerosos seguidores, Nosso Senhor chamou só os que Ele quis. Jesus escolheu os Doze para estar com Ele. Por isso, a primeira missão de um bom Apóstolo, de um bom padre, é estar com Jesus, rezar, ouvir a Palavra, ter fé como Davi.
Como o jovem Davi enfrentou o gigante Golias? Davi teve fé; no entanto, se os sacerdotes não exercitam a fé, se eles não exercitam aquele ato de fé que nós chamamos de oração, como terão fé para enfrentar os inimigos?
Jesus os chamou para anunciar o Evangelho; temos, portanto, primeiro o “vinde”, depois o “ide”. A bem da verdade, temos de perceber que anunciar a Boa-Nova é uma batalha sangrenta. Nós sabemos perfeitamente que Jesus veio anunciar o Evangelho, e o mataram: “Odiaram a mim, odiarão também a vós” (Jo 15, 18). Assim, qualquer pessoa que seja um verdadeiro pastor e anuncie o Evangelho, irá enfrentar um “Golias”.
Aliás, a comparação de Davi e Golias é bastante oportuna, pois humanamente falando há uma desproporção de forças: o que é o clero católico — os padres e os bispos — frente aos poderes deste mundo? De modo realista, eles são um nada; são pequenos adolescentes, à semelhança do jovem Davi, que, diante da grandeza de Golias, aparentemente serão derrotados.
Pois bem, os Apóstolos são enviados por Nosso Senhor, que diz: “Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos” (Mt 10, 16). Esses pastores que são também ovelhas, os Apóstolos, têm de passar por uma batalha sangrenta, assim como ocorre com os sacerdotes hoje. Porém, no coração dos sacerdotes de Nosso Senhor deve reinar o que está dito no Evangelho deste domingo: Jesus teve compaixão das ovelhas, que estavam sendo dilaceradas por Satanás (cf. Mc 6, 34).
Não podemos nos esquecer de que Satanás é o pai da mentira e homicida desde o princípio; isto é, com as suas mentiras, falsidades e falsas doutrinas, ele seduz as pessoas, levando-as para a perdição. Aquele que é homicida desde o princípio leva as pessoas para onde? Não é para a morte física, pois só lhe interessa a nossa morte eterna, a nossa perdição. Assim, é evidente que o esforço do diabo é em prol de calar a voz daqueles que falam a verdade.
Frequentemente, as pessoas me perguntam: “Padre Paulo, vendo a situação da Igreja atual, o senhor acha que nós estamos no fim dos tempos?” A resposta sincera é: nós não temos como saber. No fim dos tempos já estamos faz dois mil anos, pois está escrito na Carta aos Hebreus: “Nesses tempos que são os últimos, Ele enviou o seu Filho” (Hb 1, 2); porém, se o mundo vai terminar, se virá o Juízo Final, na minha opinião sincera, não será em breve, pois as coisas ainda vão piorar muito.
De fato, a situação está ruim, mas não tão ruim quanto é descrito no Apocalipse, capítulo 18. Para que, de fato, o mundo chegue ao seu fim, a sedução será geral. De fato, já podemos ver a apostasia dentro da Igreja, isto é, as pessoas abandonando a verdadeira fé; e isso tanto entre leigos quanto entre os pastores. Há uma verdadeira deficiência da fé entre os sacerdotes da Igreja. De alguma forma, a apostasia no clero já está entre nós.
Porém, entre o povo, a grande apostasia ainda não chegou. O povo de Deus está sangrando, sendo atacado pelo diabo, pela carne e pelo mundo; mas a grande apostasia que caracterizará o fim dos tempos não chegou ainda. No Apocalipse, nós lemos que a situação será de tal maneira dramática que a Igreja aparentemente desaparecerá da face da Terra.
O que sabemos com certeza é que estamos, hoje, a viver um dos piores períodos da história da Igreja. Mas a situação vai piorar; não sabemos se nesta ou na próxima geração, mas vai piorar consideravelmente.
Com isso, Deus nos concedeu uma grande honra: fomos escolhidos por Ele para viver o pior período da história da Igreja e, ao mesmo tempo, somos também chamados a preparar o melhor período da Igreja.
É o que lemos no livro do Apocalipse sobre a queda da grande Babilônia. Cairá a Babilônia que seduziu os reis da Terra, a Babilônia que seduziu os mercadores, as pessoas que vivem em função do poder econômico e do poder político de um governo mundial. Com o seu falso profeta, a Babilônia ludibriou as pessoas com falsas doutrinas, levando-as à grande apostasia.
O capítulo 18 do Apocalipse, por três vezes, afirma: “Caiu a grande Babilônia”; e dá detalhes: “bastou uma hora para a sua ruína” (Ap 18, 10). Ou seja: toda a força de oposição à Igreja cairá subitamente. E nós somos chamados por Deus para fazer parte dessa geração; não sabemos quanto tempo isso durará, mas estamos preparando a queda da grande Babilônia. Depois dessas coisas, no capítulo 19 do Apocalipse, é entoado o grande Aleluia.
O grande Aleluia diz: “Nosso Deus reina”. Temos, portanto, a vitória dos eleitos. Nós somos chamados por Deus para viver este período — o que é uma honra. Não sabemos se estaremos vivos para ver o melhor período: o triunfo do Coração Imaculado de Maria, a vinda de Jesus e as núpcias do Cordeiro. Também não sabemos se testemunharemos todas essas coisas desde o Céu; mas elas acontecerão.
Agora, porém, o importante é que nós tenhamos compaixão desse povo que anda “como ovelhas sem pastor”. Mesmo quem é leigo, pai de família, também é chamado por Deus a ser pastor dos seus filhos, ensinando-lhes a sã doutrina. Caso contrário, eles serão dilacerados pelos lobos. Essa é a missão dos sacerdotes e dos pais de família. Temos de perseverar nessa missão com muita fé e esperança, pois virá o triunfo do Cordeiro e do Coração Imaculado de Maria.
Mas por hora, assim como Nosso Senhor, tenhamos compaixão desse povo sem pastoreio, que precisa da Palavra da Verdade para não ser dilacerado pelas mentiras de Satanás. De fato, somos poucos, somos um pequeno Davi, somos a pequena Igreja aos olhos do mundo; porém, esse é o germe do qual brotará o triunfo, o grande Aleluia, a Nova Jerusalém que descerá do Céu.
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