Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus (Mt 28, 16-20)
Naquele tempo, os onze discípulos foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado. Quando viram Jesus, prostraram-se diante dele. Ainda assim alguns duvidaram. Então Jesus aproximou-se e falou: “Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra. Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei! Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo”.
Neste domingo, celebramos a solenidade da SS. Trindade. Logo após ter comemorado Pentecostes, isto é, o Espírito Santo derramado em nossos corações, a Igreja quer contemplar o mistério trinitário inteiro. É muito difícil falar da SS. Trindade porque, uma vez que tentamos revestir de linguagem humana o mistério insondável de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, um só Deus em três pessoas realmente distintas, tendemos a olhar para ele como um conhecimento livresco e desprezível.
Foi o que aconteceu historicamente, por exemplo, com filósofos como Immanuel Kant, que diz em um de seus livros que o mistério da SS. Trindade é absolutamente inútil: se nós o compreendêssemos, ele seria inútil, quanto mais inútil ele é pelo fato de nós não o compreendermos… Kant, como se sabe, foi educado no quietismo, um movimento protestante do norte da Europa; mas ele, embora se achasse cristão, por ter abandonado a grande tradição dos santos e místicos da Igreja Católica mostrou ser um ignorante em matéria de fé.
Trata-se de um grande letrado, admirado pelo mundo inteiro, que, diante do mistério da Trindade, tem uma atitude insensata, tola e, no fundo, soberba. Aqui está o problema. Jesus mandou os Apóstolos pregarem o Evangelho e, quando eles voltaram, fez uma oração, dizendo: “Eu vos louvo, Senhor do céu e da terra, porque escondestes essas coisas aos sábios e inteligentes e revelastes aos pequeninos”. São os soberbos os que não entendem os mistérios de Deus, enquanto aos pequeninos é dado compreendê-los.
Qual é o caminho para entender a SS. Trindade? É preciso diminuir de tamanho. Em contraste com Kant, temos a semianalfabeta Ir. Lúcia de Fátima. Embora não tivesse estudado teologia e mal soubesse escrever, Lúcia teve em Tuy uma revelação da Trindade. Enquanto fazia a Hora Santa, de quinta para sexta-feira, por volta da meia noite, já muito cansada, na balaustrada que divide o presbitério da nave da igreja ela viu de repente a SS. Trindade. Ela diz ter visto um homem da cintura para cima, que era Deus Pai, depois a pomba do Espírito Santo voando e Jesus crucificado. A própria Ir. Lúcia afirmou mais tarde que, naquela ocasião, lhe foram ditas coisas a respeito do mistério que ela não poderia revelar a ninguém.
Essa experiência em Tuy é a de todos os grandes místicos, principalmente dos que chegam à Sétima Morada. Quando a alma se deixa transformar por Deus, Deus se lhe revela numa espécie de experiência, não sensorial, mas interior, que ultrapassa a inteligência e todas as nossas faculdades naturais.
Por que os pequeninos podem ter experiência da Trindade, mas não os sábios, que veem no mistério um simples quebra-cabeça?
Deus, quando quis revelar esse mistério, revelou-o enviando seu próprio Filho e o Espírito Santo ao mundo. Sim, houve fatos históricos que atestaram a manifestação de duas pessoas trinitárias, que se revelaram para nos salvar. Houve acontecimentos salvíficos: o Filho de Deus, segunda pessoa da Trindade, se fez homem igual a nós em tudo, exceto no pecado, e nisso ficamos sabendo historicamente que existe uma pessoa divina que olha para o céu e chama a Deus de Pai.
No batismo de Jesus, por exemplo, o céu se abre e o Pai do céu diz: “Eis o meu Filho muito amado” ou, em outras versões do Evangelho: “Tu és o meu Filho muito amado”. É um diálogo. No Monte Tabor, quando se transfigura perante os Apóstolos a fim de mostrar quem Ele é, Jesus mostra que, por baixo das aparências humildes de sua humanidade, reside o esplendor da glória divina. O Espírito Santo, que no batismo se manifestou como pomba, no Tabor se manifesta como nuvem, e a voz do Pai atroa novamente: “Este é o meu Filho. Escutai-o”.
Deus enviou seu Filho feito carne, ou seja, Cristo criou para si uma humanidade, corpo e alma. É um acontecimento histórico, ninguém o pode negar. Além disso, esse mesmo Filho, na Última Ceia, disse: “Convém para vós que eu vá para que venha o Espírito Santo”. Houve outro acontecimento histórico: o Espírito Santo derramado sobre os Apóstolos e a Virgem Maria no Cenáculo, no dia de Pentecostes. Foi isso que celebramos no domingo passado. É por isso que, logo depois de Pentecostes, se celebra a SS. Trindade. Porque a revelação está completa historicamente: veio o Filho, veio o Espírito Santo, como se Deus Pai enviasse do céu dois braços para nos resgatar e abraçar no mundo.
Nós agora, salvos por Jesus e santificados pelo Espírito, começamos a trilhar o caminho que o Espírito Santo vai gerando em nós, como verdadeiros membros do corpo de Cristo, gerados e transformados pouco a pouco. Essas transformações, na teologia católica, correspondem aos estágios da santidade, também chamados de Moradas. Falamos um pouco disso já na semana passada, quando vimos que o fenômeno de Pentecostes consiste em chegar, pelo menos, à Quinta Morada. Hoje, festa da SS. Trindade, cumpre dizer que, para os santos, o mistério da Trindade só se revela plenamente quando todo o processo de transformação chega ao fim, isto é, quando se alcança a Sétima Morada. É a máxima transformação que um santo pode viver na terra. É claro que o santo de Sétima Morada continua a progredir na caridade, só que não há mais uma transformação qualitativa. É apenas um progresso em grau.
O que significa tudo isso, afinal? Todos (se estamos na graça divina) temos dentro de nós a Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo, que habita nossa alma como Amigo. É o mistério da inabitação trinitária.
Sim, Deus habita nosso coração, mas não o experimentamos ainda. Sabemos que Ele está em nós, mas não o sentimos. Os santos, porém, ao progredir na caridade, se transformam e se assemelham tanto ao Coração de Jesus, que começam a ter experiência da Trindade. Eis por que a Sétima Morada é chamada também de matrimônio espiritual. A alma que está adiantada no caminho de santidade se une a tal ponto com Cristo, que passa a ter as experiências da alma de Cristo, ainda que com limites; mas começa, em todo o caso, a ver realmente, de forma experimental, o Pai, o Filho e o Espírito Santo dentro de si.
Como isso acontece? Não se trata de ver com os olhos do corpo nem com os do intelecto, porque é uma experiência que ultrapassa a inteligência humana. Não há melhor palavra para descrevê-lo do que essa: experiência. Os santos experimentam o que aprenderam no catecismo. Quando entrou na Sétima Morada, S. Teresa d’Ávila viu o mistério da SS. Trindade habitando sua alma. Até então, ela não fazia ideia de que isso existia, apesar de suas tantas experiências místicas extraordinárias. Teresa pensava que, quando recebia uma moção do Espírito, graças, consolações, êxtases etc., um raio de luz vinha do céu e a atingia de fora. Mas, ao entrar na Sétima Morada, ela viu que, na verdade, não vinha de fora, vinha de dentro. A Trindade estava lá o tempo todo, ela é que não sabia nem o experimentava. Agora, sim, ela pode dizer por experiência própria: “É verdade o que diz o catecismo. É um só Deus e três pessoas. Quando se vê uma, veem-se as outras duas e vice-versa”. Um verdadeiro mistério de amor habita a alma em graça!
Quando nós, neste domingo, nos aproximamos do mistério da SS. Trindade, não estamos celebrando um teorema matemático insolúvel que não nos diz respeito, nem estamos diante de um quebra-cabeça. O que então estamos celebrando hoje? O mistério mais íntimo do nosso próprio ser. Ele está dentro de nós, mais íntimo a nós do que nós a nós mesmos. A Trindade está na raiz do nosso ser, de onde brota tudo o que somos. Deus nos transmite o ser num mistério de amor, dando-nos não só nossa natureza específica, mas também as graças de que precisamos para viver já aqui na terra um pouco da vida da própria Trindade.
Que vida andamos levando? Ainda que estejamos em graça, olhemos para a nossa vida, para o nosso dia a dia... A maior parte de nós vive esquecida de Deus, como se Ele fosse um detalhe de que a gente se lembra de vez em quando. Isso acontece porque vivemos longe de nós mesmos, alienados, debruçados sobre coisas que nos afastam de nós, em lugares distantes do nosso próprio ser. Ora, quanto mais distante vamos de nós, mais caímos no não-ser, que é o pecado, a morte eterna.
Mas voltemos, voltemos para nós mesmos! Retomemos a vida de oração, procuremos mergulhar na verdade de Deus a nosso respeito, então veremos que, dentro de nós, Deus habita e nos convida constantemente a estar em comunhão com Ele para amá-lo. Porque Ele nos ama infinitamente. Na prática, celebrar a SS. Trindade é celebrar a nossa pátria, o lugar onde somos nós mesmos. Neste mundo cá de fora, onde vivemos agitados, irritados, preocupados com tantas coisas, somos apenas estrangeiros. Acaso não notamos que tudo o que buscamos para nos satisfazer acaba em amarga decepção e insatisfação? Quando iremos nos dar conta de que não adianta ficar batendo a cabeça, procurando fora a felicidade que, na verdade, está dentro?
S. Agostinho, que viveu uma vida devassa, promíscua, longe de Deus durante muito tempo, deu-se conta disso: “Tarde te amei, ó Beleza tão antiga, tarde te amei! Eu te buscava fora e estavas dentro”. Tudo o que Agostinho procurava fora, nas pesquisas filosóficas, na fama, na carreira, no sucesso, no dinheiro, nas mulheres, nos prazeres, tudo isso era nada… Quando ele buscou a Deus nas suas formosuras, ele mesmo saiu deformado. Deus estava dentro e o chamava o tempo todo. “Fizeste-nos para vós, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousa em vós”!
Mesmo que não tenhamos alcançado a Sétima Morada nem tenhamos ainda experiência da Trindade, todos nós, neste domingo, somos chamados a mergulhar na profundidade de nossas almas para chegar e dizer a Deus: “Meu Senhor, Pai, Filho e Espírito Santo, vós estais aqui no meu coração como amigo. Senhor, que eu não me perca nas lonjuras que me afastam de mim e de vós. Dai-me, Senhor, cada vez mais crescer na vida interior, buscando essa verdade que está dentro de mim”. O Deus de amor derramou-se em nossos corações para nos dar a felicidade, a felicidade eterna.
Somos chamados a viver a felicidade, mas não uma felicidade qualquer. Não a felicidade que Adão e Eva perderam no paraíso, mas outra, uma felicidade superior — a felicidade do Pai, a felicidade do Filho, a felicidade do Espírito Santo. E isso que os santos experimentam em parte já neste mundo, ao chegar à Sétima Morada, um dia também nós o iremos experimentar plenamente no céu. Uma dia, veremos a Trindade: veremos o Filho ser gerado na eternidade, veremos o Espírito Santo proceder do Pai e do Filho, e então a Trindade, sem deixar de ser mistério, será para nós pátria, felicidade, consolação, vida plena!
Nascemos para isso, nascemos para amar, servir e louvar a SS. Trindade por todos os séculos dos séculos sem fim.
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