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Christo Nihil Præponere"A nada dar mais valor do que a Cristo"
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Texto do episódio
01

A festa da Páscoa, que está às portas, é a passagem da morte de Cristo, celebrada neste Domingo da Paixão, à sua nova vida, lembrada no Domingo da Ressurreição. O marco dessa passagem é o escândalo da Cruz (cf. 1Cor 1, 23), que, na liturgia deste ano, é narrado pelo evangelista São Lucas.

A Paixão segundo Lucas possui algumas características especiais, que não foram anotadas pelos outros evangelistas, e sobre as quais vale a pena nos determos nesta meditação.

1. Jesus chora sobre Jerusalém

Quando Jesus se aproximou de Jerusalém e viu a cidade, começou a chorar. E disse: “Se tu também compreendesses hoje o que te pode trazer a paz! Agora, porém, está escondido aos teus olhos!... Não reconheceste o tempo em que foste visitada (καιρὸν τῆς ἐπισκοπῆς)” (Lc 19, 41-42.44).

O que viu o Senhor quando chorou sobre a Cidade Santa? Ele anteviu a verdadeira Jerusalém, que é a Igreja, e começou já ali a sofrer por seus membros indignos, que somos nós. Sofreu voluntariamente, escolheu passar pelos mais variados tipos de dores e torturas, fez-se frágil de modo inefável: tudo, a fim de remir completamente cada ser humano, com todas as potências de sua alma e com todos os seus sentimentos e paixões. Ninguém lhe tira a vida, diz o Senhor, é Ele mesmo que se entrega livremente (cf. Jo 10, 18); sofre a Paixão (do verbo latino pati, que significa, lit., “passar por algo”, “sofrer”, “padecer”) justamente a fim de purificar as nossas paixões.

2. Jesus é assistido por um anjo e sua sangue no Horto das Oliveiras

Apareceu-lhe um anjo do céu, que o fortalecia. (...) Seu suor tornou-se como gotas de sangue que caíam no chão” (Lc 22, 43-44).

Santa Teresinha do Menino Jesus, Doutor da Igreja, faz um belo comentário a essa passagem em uma poesia sobre a vida de Cristo. Diz ela ao Senhor:

Lembra-te de que na noite de tua agonia,

Ao teu sangue, misturaram-se as lágrimas.

Orvalho de amor, o seu infinito valor

Fez germinar flores virginais.

Um Anjo, mostrando-te esta colheita escolhida,

Fez renascer a alegria em tua Face bendita (Poesia XXIV 21).

As flores que nascem no jardim divino, germinadas pelo sangue e pelas lágrimas do Redentor, são as almas eleitas de Deus. É a visão delas, oferecida pelo anjo, que consola Jesus agonizante no Horto. Por isso, cada um de nós pode dizer: assim como Cristo suou sangue vendo o meu pecado, Ele também se alegrou vendo a minha conversão. Ao entregar-se, de fato, Jesus não remiu o gênero humano de modo genérico, mas individualmente e, assim como teve diante de si os pecados pessoais de cada um dos que remiu, não exultou simplesmente com a salvação geral dos eleitos, mas com a mudança de vida de cada homem em particular. Há alegria na alma de Cristo — diz também São Lucas — por um só pecador que se converte (cf. Lc 15, 7). Por isso, unamo-nos ao anjo do Horto e consolemos também nós o Senhor, com nossos atos de amor e pequenas mortificações!

3. Jesus rezava enquanto era crucificado

Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, ali crucificaram Jesus e os malfeitores: um à sua direita e outro à sua esquerda. Jesus dizia: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lc 23, 33-34).

Cristo orante não pretendia apenas servir de exemplo para nós, mas também pedir eficazmente a Deus pela nossa salvação. É graças à intercessão dele que somos verdadeiramente remidos. Isso fica muito claro quando Ele diz a Pedro: “Simão! Simão! Satanás pediu permissão para peneirar-vos, como se faz com o trigo. Eu, porém, orei por ti, para que tua fé não desfaleça” (Lc 22, 31-32). Ao olhar para o primeiro Papa e pronunciar estas palavras, Ele se dirigia também a cada um de nós. Quando as suas benditas mãos eram cravadas no madeiro da Cruz e Ele pedia perdão aos que o matavam — o original grego sugere que Cristo rezava continuamente, de modo repetido, como uma súplica —, era por nós que Ele suplicava. Como não pedir o perdão de Deus, quando Jesus pede perdão por nós? Como ficar indiferente a Jesus que perde perdão por mim, no meu lugar?

4. Jesus acolhe o ladrão arrependido

Um dos malfeitores crucificados o insultava, dizendo: “Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!” Mas o outro o repreendeu, dizendo: “Nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação? Para nós, é justo, porque estamos recebendo o que merecemos; mas ele não fez nada de mal”. E acrescentou: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado”. Jesus lhe respondeu: “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 39-43).

Ao lado de Cristo são crucificados dois malfeitores, que morrem junto com Ele. Um deles, porém, arrependido dos seus crimes, diferentemente do ladrão impenitente que blasfemava e se juntava aos escarnecedores de Cristo, faz um sublime ato de fé. Ele se volta para Cristo e, mesmo vendo um quase cadáver diante de si, não se engana com os olhos da carne: crê em seu coração que Ele é Rei e pede-lhe para ter parte no seu reino. Jesus, por sua vez, promete a esse homem o paraíso. 

A sua justificação, porém, torna o seu interior, já antes da morte, o jardim das delícias de Deus (cf. Pr 8, 31) — assim é chamada por Santa Teresa d’Ávila a alma do justo que ama a Deus (cf. Moradas I 1). Façamos, pois, também nós a oração do bom ladrão, pedindo ao Senhor que se lembre de nós, apesar de nosso esquecimento e de nossa ingratidão, e venha habitar em nosso coração, conforme a promessa que Ele mesmo fizera aos discípulos: “Se alguém me ama… meu Pai o amará, nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14, 23).

5. Jesus entrega o espírito

Jesus deu um forte grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Dizendo isso, expirou (Lc 23, 46).

Por fim, assim como o filho pródigo se lança ao abraço de seu pai, Cristo abandona-se inteiramente nos braços do Pai. Com isso, Ele nos mostra com que atitude devemos nos aproximar dele: contritos, mas também confiantes; arrependidos, mas também esperando o perdão.

Nesta Semana Santa, imitemos os gestos de amor daquela pecadora pública que se põe aos pés do Redentor e, chorando, lava-lhe os pés (cf. Lc 7, 36-50). Conhecendo, pela Paixão de Cristo, o quanto Deus nos ama, sejamos impulsionados a amá-lo também, completando a obra da nossa salvação.

Referências

  1. In: Obras completas: escritos e últimos colóquios. São Paulo: Paulus, 2002, p. 575.
  2. In: Escritos de Teresa de Ávila. São Paulo: Loyola, 2001, p. 441.
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