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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
(Mc 16, 15-20)

Naquele tempo, Jesus se manifestou aos onze discípulos, e disse-lhes: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura! Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado. Os sinais que acompanharão aqueles que crerem serão estes: expulsarão demônios em meu nome, falarão novas línguas; se pegarem em serpentes ou beberem algum veneno mortal não lhes fará mal algum; quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados”.

Depois de falar com os discípulos, o Senhor Jesus foi levado ao céu, e sentou-se à direita de Deus. Os discípulos então saíram e pregaram por toda parte. O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra por meio dos sinais que a acompanhavam.

Celebramos neste domingo o mistério da Ascensão do Senhor. Na verdade, Jesus apareceu ressuscitado aos discípulos durante quarenta dias, ao fim dos quais subiu aos céus; ora, feitas as contas, o quadragésimo dia a contar do domingo de Páscoa cai sempre numa quinta-feira; por isso, dever-se-ia celebrar a Ascensão na última quinta-feira, e não hoje. Mas, aqui no Brasil, por não haver feriado, a Igreja transfere essa solenidade para o domingo seguinte, a fim de que os fiéis tenham chance de celebrá-la.

Em que o mistério da Ascensão diz respeito às nossas vidas? Olhemos para Cristo. Ele é quem nos conduzirá na meditação desse mistério. O Evangelho de São João, no capítulo 14, apresenta um interessante roteiro em que Jesus ensina aos discípulos tudo o que iria acontecer e o que nós temos de viver nesta solenidade. Por isso, em vez de considerar a Ascensão de forma puramente abstrata, vejamos em concreto o que o próprio Senhor nos quer ensinar com ela.

Em primeiro lugar, há um aparente paradoxo. Cristo irá ausentar-se. Durante os seus dias na terra, sua presença era visível: os Apóstolos podiam estar com Ele, vê-lo e tocá-lo; mas, ao subir aos céus, Jesus passa a ser invisível, e as palavras dele sobre sua partida deixam os Apóstolos tristes e perturbados. Afinal, todo aquele que ama quer estar junto da pessoa amada. É próprio do amor a união. 

Os discípulos, no entanto, devem alegrar-se: “Se vós me amásseis, certamente vos alegraríeis de eu ir para o Pai” (Jo 14, 28). Isso porque, com a Ascensão de Cristo e a vinda do Espírito Santo, inaugura-se uma nova forma de Ele estar presente em nosso meio. Sim, era necessário que o Senhor subisse aos céus, a fim permanecer conosco pela ação do Espírito Paráclito.

Jesus revela isso aos Apóstolos na Última Ceia, mas os Doze são incapazes de compreender, não porque o Mestre fosse mau pedagogo, mas porque aos alunos ainda faltava inteligência: “Disse-vos estas coisas, permanecendo convosco; mas o Paráclito, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, Ele vos ensinará todas as coisas, e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (Jo 14, 25s).

Noutras palavras, ainda que os Doze o vissem presente no Cenáculo, estavam de algum modo longe dele, não porque o Senhor os quisesse distantes, mas porque eles eram incapazes de compreender. Não era questão de pedagogia, pois ninguém pode dizer que Jesus não fosse um bom Mestre; mas era questão de que os alunos precisavam ser transformados. Jesus, na Eucaristia, entrega-se aos Apóstolos, aos quais, porém, Ele considera ainda despreparados. Era necessário que o Espírito Santo viesse.

Quando viesse o Espírito divino, os Apóstolos seriam transformados, unidos a Cristo de forma plena, cumprindo-se neles o que diz São Paulo de si mesmo: “Vivo, mas não eu; é Cristo quem vive em mim” (Gl 2, 22). Com a Ascensão e o envio do Paráclito, Jesus inaugura um novo modo de estar presente em nós. Não é uma presença física como a da Comunhão eucarística, mas uma que se pode chamar de virtual, no sentido de que Jesus nos dá a força (vis, em latim) de vivermos a vida divina.

Em Jo 14, 18s, lemos: “Não vos deixarei órfãos. Voltarei a vós”. À primeira vista, o Senhor parece referir-se à sua segunda vinda, em glória e majestade. Mas, não é. Eis o que vem em seguida: “Ainda um pouco de tempo, e o mundo já não me verá. Vós, porém, me tornareis a ver, porque eu vivo e vós vivereis”. Trata-se de um tempo breve, e não do Fim dos Tempos: “Ainda um pouco de tempo, e o mundo não me verá”; mas “vós me tornareis a ver, porque eu vivo” e, por esta razão, “vós vivereis”.

Os discípulos, porém, pouco ou nada entenderam. São Judas Tadeu, ao ouvir que o Mestre haveria de manifestar-se a eles, mas não ao mundo, ficou perplexo. Cristo então lhe disse: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada”. Eis a nova forma de presença de Jesus a partir da Ascensão. É uma inabitação.

Na prática, o que Jesus nos está ensinando? Ele está na Última Ceia, a poucas horas de morrer por amor a nós redimindo-nos em seu Sangue. Tendo, por sua morte de Cruz, vencido o pecado, ressuscitou, enfim, vencedor da morte e começou a aparecer aos discípulos, a fim de lhes ressuscitar a fé.

Eles ainda não tinham fé em plenitude. Cristo então subiu aos céus, e os discípulos, junto com a Virgem Maria, se reuniram durante nove dias de oração no Cenáculo. O Espírito Santo por fim foi derramado no coração deles. Aconteceu ali uma transformação, porque o Espírito Santo, derramado no coração dos discípulos, comunicou-lhes a graça e a capacidade de corresponderem ao amor de Jesus de um modo até então impossível.

Jesus nos amou. Agora, ressuscitado, envia dos céus o Espírito Santo para nos tocar. É a presença de Cristo. Sim, o mundo não o vê, mas Ele tornou a nós e, por estar vivo, comunicou-nos sua própria vida. Quando, pois, vivemos? Quando Jesus envia o Espírito Santo e toca em nós; ao tocar em nós, Ele nos transforma e, ao nos transformar, torna-nos capazes de o amar de volta. Quando o homem corresponde ao amor de Deus, Deus faz nele sua morada. Mistério de união, inabitação divina.

O Espírito Santo presente em nossos corações nos une a Jesus mais intimamente do que estavam os Apóstolos unidos a Ele neste mundo. Nesta terra, quando Jesus estava em Jerusalém, não estava em Belém; quando estava em Belém, não estava em Nazaré… Sua presença era limitada, assim como a nossa união com Ele. Agora que Ele sobe aos céus, Cristo pode nos tocar com o Espírito Santo a todo momento e a presença dele fica maior. É por isso que Ele diz: “Se vós me amásseis, certamente vos alegraríeis de eu ir para o Pai”.

Ao ir para junto do Pai, Ele pode enviar o Espírito Santo para que a sua união conosco seja mais íntima. Sim, a presença de Cristo em nós é de fato mais íntima do que a presença que dele tiveram os judeus de outrora. Há um crescimento na presença de Cristo. O Filho se encarna, torna-se Deus conosco. Que Ele tenha estado aqui conosco é já algo maravilhoso. Mas hoje Ele sobe aos céus e de lá nos toca com o Espírito Santo a todo momento, por isso a presença dele torna-se maior, e o será ainda mais quando estivermos no Céu ressuscitados e unidos a Ele.

Eis por que São Paulo, o mesmo que disse: “Vivo, mas não eu; é Cristo quem vive em mim”, diz na Carta aos Filipenses: “Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro” (Fl 1, 21). Se quem ama quer unir-se ao amado, e se amar é querer estar junto de quem se ama, então somos felizes, porque Cristo veio viver neste mundo, pela Encarnação. Somos ainda mais felizes, porque Ele subiu aos céus, sem contudo se ausentar, mas permanecendo em nós pela ação do Espírito Santo que nos enviou. E seremos plenamente felizes quando o virmos face a face no Céu. O nosso “viver é Cristo”, porque Ele está vivo em nós, “e morrer é lucro”, porque então o veremos tal como Ele é.

Vejamos agora como aplicar, na prática, os mistérios que meditamos até agora.

Você é católico. Você crê em Deus, sem dúvida nenhuma; mas precisa pedir a Deus a graça — e somente o Espírito Santo o pode realizar — de se apaixonar cada vez mais por Jesus. Cristo nos toca, e este toque do Ressuscitado, por meio da fé e da ação do Espírito Santo, é uma presença “ausente”.

Na experiência dos santos místicos, Deus, quando toca uma alma, a fere para curá-la, e cada toque da graça opera em nós algo aparentemente contraditório: por um lado, uma grande consolação de o sabermos presente; por outro, uma profunda saudade dele, como se estivesse ausente. Ele nos fere e vai embora. Sua presença é verdadeira; mas, quando se lhe percebe o toque, Ele parece já ter ido. Na verdade, o Senhor continua em nós, mas chamando-se para junto de si no Céu. Essa é a verdadeira vida do cristão.

Se somos cristãos, precisa haver dentro de nós, sempre em crescimento, um grande anseio de estar junto com Cristo, que se traduza em vida de oração. Por quê? Porque é rezando bem que se desenvolve a vontade de rezar mais e de estar com Ele.

No início, para quem não está acostumado a ter um momento íntimo com Deus, rezar é um peso: falta concentração, mas sobram distrações e desassossegos. No entanto, se a alma insistir e buscar Jesus: “Senhor, eu quero amar, eu quero estar convosco. Por favor, Senhor, ajudai-me”, os toques, pequenos e suaves, da graça a farão sentir cada vez mais necessidade de estar unida a Ele, de forma que, a certa altura, quando concluir nosso momento de oração, ela terá vontade de que chegue quanto antes o próximo, para estar com Ele outra vez. Assim cresce a vontade de se unir a Jesus, a ponto de os grandes santos dizerem: “Morro porque não morro”.

Essa frase é de uma glosa de Santa Teresa que se diz: “Vivo sem viver em mim e tão alta vida espero que morro de não morrer”, — “Vivo sin vivir en mí, y tan alta vida espero, que muero porque no muero”. É essa a vida que esperamos, uma vida com Ele no Céu:

Vivo já fora de mim
Depois que morro de amor;
Porque vivo no Senhor,
Que me escolheu para Si.
Quando o coração lhe dei,
Com terno amor lhe gravei:
Que morro de não morrer.

Esta divina prisão,
Do amor em que eu vivo,
Fez a Deus ser meu cativo,
E livre meu coração;
E causa em mim tal paixão
Ser eu de Deus a prisão,
Que morro de não morrer.

Santa Teresa descreve de forma extraordinária esta realidade: Deus é prisioneiro do nosso coração. É do mistério da inabitação que estamos falando. Jesus veio habitar em nós. Ver a Deus cativo em mim faz meu coração livre. Que coisa linda! Ele agora é prisioneiro do nosso coração; por isso, agora, sim, é livre o nosso coração, porque já não é prisioneiro das criaturas. Somos livres, e não vivemos apegados ao mundo. Por quê? Porque mora dentro de nós um um divino prisioneiro:

Ai que longa é esta vida!
Que duros estes desterros!
Este cárcere, estes ferros
Onde a alma está metida!
Só de esperar a saída
Me causa dor tão sentida,
Que morro de não morrer.

Então, ela descreve esta vida como sendo uma prisão. Apesar de ter o coração livre, quer ainda a liberdade plena junto de Deus:

Ai! Que vida tão amarga
Sem o gozo do Senhor!
Se é doce o divino amor,
Não o é a espera tão larga:
Tire-me Deus esta carga
Tão pesada de sofrer,
Que morro de não morrer.

Essa é a vida cristã. Como diz São Paulo, nossa vida está escondida com Cristo em Deus. Sim, temos vida; mas ela subiu com Criso aos céus. Ele é nossa vida, por isso andamos no mundo como estrangeiros. Sobre a consequência de Nosso Senhor ter subido aos céus, São Pedro reflete muito bem na sua Primeira Carta, ao falar da Igreja como peregrina na terra. A consequência de amarmos a Cristo é que Ele, de algum modo, já nos levou consigo para junto do Pai. Se o amamos de verdade, sabemos de sua presença no mais íntimo de nós; ao mesmo tempo, trazemos no peito um desejo de sermos arrebatados ao Céu.

Eis aí a misteriosa festa da Ascensão. É o paradoxo de ter e não ter a Cristo presente, de ser e já não ser homem inteiro. Tendo subido aos céus, inaugurou o Senhor uma nova forma de presença em nosso coração, ao mesmo tempo que o arrancou de nós para o ascender consigo aos céus. Já não somos gente, somos “pedaços” de gente, pois o mais importante de nós já está no Céu. Por isso começamos a viver antes para o Céu do que para a terra. Isso é viver o mistério da Ascensão.

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