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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 10, 27-30)

Naquele tempo, disse Jesus: "As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem. Eu dou-lhes a vida eterna e elas jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão. Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai. Eu e o Pai somos um".

Neste 4º Domingo da Páscoa, a Igreja celebra o chamado Domingo do Bom Pastor. E neste dia tradicionalmente, como em todos os anos, o Evangelho anunciado é o de São João, capítulo 10, versículos de 27 a 30, no qual Nosso Senhor nos conta a belíssima Parábola do Bom Pastor. Hoje, todos nós somos também chamados a rezar pelos sacerdotes e, especialmente, pelas vocações sacerdotais, para que não faltem pastores no cuidado com o rebanho de Deus. Assim, faremos nossa reflexão tendo em mente Nosso Senhor, o Bom Pastor — mas também os nossos sacerdotes, que são nossos pastores.  

O Evangelho deste domingo é curtíssimo: apenas três versículos. Assim, para que possamos interpretar essa passagem, é preciso que observemos o contexto de todo o capítulo 10 do Evangelho de São João. Isso porque Nosso Senhor explica a realidade por trás da Parábola do Bom Pastor no início do capítulo — dos versículos 1 a 18. Assim, para entendermos o Evangelho de hoje, é preciso situá-lo no contexto do capítulo 10 de São João. 

E aqui, Jesus retoma o tema do seu relacionamento com as ovelhas alguns versículos à frente — embora em outro contexto. Isso foi feito porque Jesus já nos ensinou que Ele é o Bom Pastor, mas agora — diante de um debate com os fariseus — Cristo quer mostrar na prática o que foi ensinado. 

Quando Jesus apresenta a realidade do Bom Pastor, a primeira imagem que vem à mente de algumas pessoas é um quadro bucólico, com ovelhas correndo por campos verdejantes em volta daquele que as guia. De fato, a relação entre o pastor e as ovelhas é uma relação de confiança; contudo, isso é apenas um lado da verdade. Nós temos de notar que o contexto geral dessa parábola é dramático, ou seja, o que é narrado no capítulo 10 de São João está muito distante de ser um quadro idílico de Nosso Senhor a passear com as ovelhas à sua volta. A bem da verdade, trata-se de um duelo de vida e de morte — é a realidade daquilo que Cristo viveu na Páscoa. 

Dessa maneira, a Cruz de Cristo e a sua Ressurreição são a chave de leitura para este Evangelho — daí o sentido de o proclamarmos no Tempo Pascal. O drama de vida e de morte é precisamente aquele da possibilidade de as ovelhas serem salvas ou condenadas eternamente. Eis o grande drama. Há a realidade do Inferno; se não entendermos isso, jamais compreenderemos a mensagem do Bom Pastor. Isso porque a ovelha é, naturalmente, um animal indefeso diante dos perigos; portanto, necessita de um pastor que, com poder, enfrente tais perigos.  

Vejamos, desde o início do capítulo, quais são esses perigos. O primeiro perigo que Nosso Senhor nos apresenta não é outro senão o ladrão. No versículo 10, Ele diz: “O ladrão vem só para roubar, matar e destruir”. Trata-se, evidentemente, de Satanás. E aqui está implicado também o perigo da morte eterna — quando nos afastamos do Bom Pastor e, com isso, somos arrebatados impiedosamente por esse ladrão. Eis o porquê de lermos no Evangelho de hoje: “elas [as ovelhas] jamais se perderão. E ninguém vai arrancá-las de minha mão” (Jo 10, 28). 

Mas, ao contrário do inimigo, o Bom Pastor concede às suas ovelhas a vida eterna. Jesus diz: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” — quando cantamos esse versículo na Missa, muitas pessoas não atinam para o fato de que vida em abundância significa vida eterna, no Céu. No original grego, a realidade da mensagem é bastante clara: Jesus usa o substantivo “zoé” para vida eterna, não “bios”, de vida biológica. O Evangelho de hoje é translúcido: “Eu lhes dou a vida eterna”. Eis, portanto, o primeiro drama: a morte que é trazida pelo ladrão e a vida que é dada pelo Bom Pastor. 

E é por meio da escuta da Palavra que nós recebemos a vida concedida pelo Bom Pastor. A propósito, é o que Ele mesmo diz claramente: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem” (Jo 10, 27). Portanto, essa dinâmica de intimidade, de ouvir a voz do pastor, é o que nos dá a vida eterna. Mas àqueles que duvidam, os versículos iniciais do Evangelho deixam isso bastante claro: “[...] os ladrões e os assaltantes também eles falam com as ovelhas”. Porém, no versículo 8, é dito: “As ovelhas não os escutam”. Desse modo, para perdermos a vida eterna, basta darmos ouvidos a Satanás — mas a voz do Bom Pastor nos conduz para o Céu. 

Agora, vamos aplicar isso concretamente em nossa vida. Para ganharmos a vida eterna, para verdadeiramente estarmos na presença do Bom Pastor e, com isso, estabelecermos um relacionamento com Jesus, é preciso meditar sua Palavra. Esse ato contínuo de estar em contato com a Palavra de Deus alimenta a nossa fé. Isso é sumamente importante, pois “sem fé não se pode agradar a Deus”, como nos diz São Paulo na Carta aos Romanos. O Apóstolo diz também que “o justo viverá pela fé”; e nós precisamos crescer de fé em fé. Geralmente, as pessoas que não entendem esse processo me acusam de ser um padre “intelectualista”, porque chamo a atenção para a importância do exercício racional de meditar a Palavra — são essas as pessoas que dizem preferir uma relação “afetiva” com Nosso Senhor.  

Mas há um problema com essa interpretação. Vejamos: como nós recebemos amor de uma pessoa? Um animal irracional não recebe amor — carinho físico não é amor. Amor é quando damos a vida; é quando nós nos entregamos. Diante disso, nós refletimos sobre essa entrega. Nós somos capazes de refletir sobre o sofrimento da nossa mãe, por exemplo, precisamente porque somos providos de razão. Reflexão que um cão não é capaz de fazer — por mais que derramemos nosso sangue pelo nosso animal de estimação. 

A verdade é que nós só vamos ter acesso ao infinito amor de Cristo se verdadeiramente ruminarmos a sua Palavra, que é o alimento espiritual que nos dá vida em abundância. Há uma união entre a Palavra e a vida eterna. E é a voz do Bom Pastor que nos dá essa vida eterna, é a sua voz que nos põe em contato com o amor superabundante de Deus — mas a voz do ladrão nos conduz à miséria, ao egoísmo e, por fim, à destruição. 

Esse não é o único drama; não há apenas o ladrão, existe também o mercenário, que está subentendido no Evangelho deste domingo. Isso porque as palavras de Nosso Senhor aqui nestes três versículos integram um diálogo com os fariseus, e estes são os mercenários, os maus pastores — isso além do ladrão e do lobo. 

Vejamos a realidade dos mercenários: o Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas, “Bonus pastor ponit animant suam” — “vida”, aqui, não quer dizer “vida eterna”; Jesus não perdeu a vida eterna na Cruz, apenas a vida humana, em grego “psychēn”. O mercenário, entretanto, não faz isso, ele não se entrega em sacrifício porque ele não é o senhor das ovelhas. No Evangelho está escrito: “[...] meu Pai me deu estas ovelhas”. Ou seja, Cristo é o “Dominus”, o “Kyrios”, o Senhor, o Bom Pastor — Jesus não é um assalariado, um mercenário, por isso Ele pode livremente dar a vida por suas ovelhas. 

Dessa forma, temos a seguinte realidade maravilhosa: para nos dar a vida eterna, “zoé”, Jesus perdeu a sua vida humana, “psiqué”. Eis o duelo de vida e morte que, hoje, nós contemplamos no Evangelho. O Bom Pastor dá a vida para as ovelhas, no sentido de vida eterna; e dá a vida pelas ovelhas, no sentido de vida humana. Ao dar a vida para as ovelhas, Nosso Senhor destrói o ladrão; e, ao dar a vida pelas ovelhas, Ele mostra que não é um mercenário. 

No panorama do Evangelho de hoje, há dois dramas: o perigo do ladrão, que é Satanás e seus demônios, os lobos; e o perigo dentro da própria Igreja, os maus pastores, os mercenários. Temos, assim, um perigo interno e um perigo externo. Eis o duelo, “Mors et vita duello conflixére mirando”, a morte e a vida fizeram um duelo admirável. Esse é o tema da Sequência Pascal que vemos aplicado aqui neste Evangelho. 

Quando falamos no Bom Pastor é difícil não trazermos à mente a imagem do Rei Davi, o rei pastor que cuidou das suas ovelhas — pelas quais chegou a enfrentar um leão e um urso, com a assistência de Deus. Do Céu, também lhe veio a assistência para matar Golias. E esse é o drama do pastoreio dentro da Igreja. 

Neste Domingo do Bom Pastor, nós somos chamados a rezar para que tenhamos santas e verdadeiras vocações. Com efeito, um sacerdote não é um funcionário da Igreja, senão um homem que, por meio do Sacramento da Ordem, configura-se a Cristo. E isso para que, no âmbito dessa configuração, ele dê aos seus fiéis a vida eterna — mas a eficácia do ministério do sacerdote só vai acontecer se ele entregar a sua própria vida; ou seja, ele dará a vida eterna se, antes, ele der a sua própria vida. 

Porém, sabemos que, infelizmente, ao longo da história da Igreja, houve pastores que, diante da ameaça dos lobos, bateram em retirada. Por isso, é nosso dever pedir a Deus que cuide do seu rebanho. Assim, nós poderemos experienciar aquela confiança plena das ovelhas, que é narrada no Salmo 23, o salmo do Bom Pastor: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum”. E tal confiança advém do fato de que nós não estamos sob o comando de um mercenário, mas sim do Pastor, que é o Senhor.

De fato, é dramática essa realidade do pastor. Nós somos indefesos e presas fáceis do ladrão e dos lobos. E isso porque somos ovelhas tolas, facilmente seduzidas. Mas devemos querer ouvir tão-somente a voz daquele que, verdadeiramente, entregou-se por nós. 

Assim, o poder que Ele tem sobre nós, como mostra o Evangelho, não pode ser arrebatado de suas mãos. Nosso Senhor manifesta o seu poder humildemente. Ele não se apresenta com alarido. Quando Jesus vem a fim de cuidar das suas ovelhas, Ele o faz com simplicidade e mansidão — como o pequeno Davi.

Por isso, peçamos a Deus padres numerosos, que sejam santos e humildes e, com essa humildade, façam tremer os portões do Inferno. Nós não queremos sacerdotes que criam suas próprias doutrinas, à revelia da Tradição e do Catecismo da Igreja. Queremos padres que não se deixem seduzir pelo mundo, mas que sejam homens humildes e fiéis, como o pequenino Davi. Assim, Golias irá cair e, diante da vitória certa, cantaremos exultantes, pois o Senhor está conosco.

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