Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 12, 54-59)
Naquele tempo, Jesus dizia às multidões: “Quando vedes uma nuvem vinda do ocidente, logo dizeis que vem chuva. E assim acontece. Quando sentis soprar o vento do sul, logo dizeis que vai fazer calor. E assim acontece. Hipócritas! Vós sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu. Como é que não sabeis interpretar o tempo presente? Por que não julgais por vós mesmos o que é justo?
Quando, pois, tu vais com o teu adversário apresentar-te diante do magistrado, procura resolver o caso com ele enquanto estais a caminho. Senão ele te levará ao juiz, o juiz te entregará ao guarda, e o guarda te jogará na cadeia. Eu te digo: daí tu não sairás, enquanto não pagares o último centavo”.
O Evangelho de hoje nos propõe um discernimento sobre os tempos dessa vida. Jesus parte de uma comparação tomada do tempo atmosférico e das estações do ano: Quando vedes uma nuvem vinda do ocidente, logo dizeis que vem chuva. E assim acontece. Quando sentis soprar o vento do sul, logo dizeis que vai fazer calor. E assim acontece. A palavra “tempo”, em português, pode ser interpretada como tempo atmosférico — tempo chuvoso, seco, frio, quente etc. —, mas também como estação climática — o tempo de chuvas, o tempo de seca, o tempo de flores etc.
É a esse último sentido que Jesus se refere, a fim de advertir as multidões da época e também aos fiéis de hoje: Hipócritas!, isto é, “Fingidos! Fazeis de conta que não conheceis os tempos de Deus, quando em verdade sabeis ler até o tempo atmosférico”, expressão que, no lecionário do Brasil, está traduzido como o aspecto da terra e do céu, embora se leia em grego prosopon (πρόσωπον), isto é, a personalidade do céu e da terra, seu aspecto externo, sua máscara etc. O Senhor prossegue: Como é que não sabeis interpretar o tempo presente?, onde “tempo presente” está por καιρός, que significa “tempo oportuno”, quando eventos bem determinados e decisivos têm lugar.
Em outras palavras, os judeus sabiam interpretar o tempo natural, físico e humano, mas fechavam os olhos para o que não queriam interpretar nem entender. É como se Cristo lhes dissesse: “Fingis não entender o que vos digo, mas mostrais saber julgar das coisas normalmente. Tendes inteligência para distinguir os tempos e aproveitá-los quando são oportunos, mas simulais não saber que um dia haveis de prestar contas a Deus de tudo o que houverdes feito no mundo”.
Também nós estamos a caminho do juízo, mais próximo a cada dia que passa. O agora é o tempo propício para negociar porque, quando estivermos cara a cara com o Juiz, não haverá apelação, somente a sentença. É o que Jesus diz por meio de outra comparação: Quando, pois, tu vais com teu adversário apresentar-se diante do magistrado, procura resolver o caso com ele, enquanto estais a caminho.
O tempo passa, o tempo se esgota, e então o Juiz aparece, como de assalto. Muitos se iludem, pensando: “Ah, eu me converto amanhã”. Mas quem disse que chegará o amanhã? Quanta gente se deita à noite feliz e contente, para não acordar nunca mais? Quantas pessoas cheias de saúde saem para se divertir no final de semana, e nunca mais voltam à casa? Quantos doentes estão hoje hospitalizados, sem que jamais lhes tenha passado pela cabeça que um dia estariam às portas da eternidade? Quantos têm agora os seus corpos num necrotério ou numa funerária, onde nunca pensaram que estariam alguma vez? Se não pensaram, eram insensatos, pois podiam e deviam tê-lo meditado muito seriamente.
Deixemos a hipocrisia de lado. Todos sabemos que, mais dia menos dias, iremos encarar a morte. A vida é frágil, qualquer um o sabe. Ninguém é super-homem; o que de ruim acontece com os outros pode muito bem acontecer conosco. Daí a necessidade de estar preparado. “Ah”, dirá alguém, “mas Deus é bom. Ele vai me perdoar”. Ora, não pode haver perdão se não há arrependimento, e que garantia temos de que nos sobrará um “tempinho” para nos arrepender? Há quem caia inconsciente nos chão e chegue à UTI já morto, sem ter tido a chance (embora Deus lha tenha oferecido muitas vezes) de fazer um pequeno ato de contrição. “Mas Deus é misericórdia infinita!” Sim, e é também justiça infinita, e não é justo que passe a eternidade na presença do Amor quem passou o tempo todo amando-se apenas a si mesmo.
Esta vida tem prazo de validade, e não há kairós mais oportuno para entregá-la limpa na hora da morte do que o agora, enquanto ainda estamos a caminho. Peçamos perdão diante do Juiz misericordioso do tribunal da Confissão, antes que tenhamos de nos apresentar diante do justo Juiz, que nos dará a sentença definitiva. O tempo é agora, pois não sabemos se teremos um amanhã.
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