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Texto do episódio
12

Na memória litúrgica de S. João Maria Vianney, temos a grande alegria de apresentar a todos os fiéis essa personagem tão ilustre da história cristã, que ainda hoje continua a cativar inúmeras almas para Nosso Senhor Jesus Cristo. E é da obra magnífica de Francis Trochu, cuja leitura recomendamos especialmente aos sacerdotes e seminaristas diocesanos, que vamos recolher as mais belas páginas da biografia do Cura d’Ars [1].

Infância. — A vida de João Maria Vianney foi concebida durante um período bastante conturbado da história universal. Sexto filho de um casal de camponeses, nasceu em Dardilly, um pequeno povoado francês, no ano de 1796, ou seja, às vésperas da grande revolução que levaria a primogênita da Igreja a um caldeirão de sangue e perseguições aos católicos.

A Revolução Francesa teve um impacto profundo na infância do santo. Pelo lado religioso, a família não aceitou os chamados “padres juramentados”, que haviam traído Roma para ficarem ao lado da Constituição. Por isso, ele cresceu vendo o testemunho corajoso de vários sacerdotes refratários, cujo sacrifício para se manterem fiéis à Igreja fez Vianney entender cedo a importância dos sacramentos e da oração. E, pelo lado escolar, a sua formação foi bastante prejudicada, porque ele também não pôde ir à escola, uma vez que os professores estavam sob o mesmo juramento infame. Essa deficiência lhe custaria grandes sofrimentos anos depois, durante a formação sacerdotal.

Em todo o caso, o menino Vianney revelou-se rapidamente uma alma muito sensível às coisas sagradas, nutrindo um amor puríssimo por Maria Santíssima. Futuramente, iria declarar que começara a amar a Mãe de Deus mesmo antes de conhecê-la. De fato, a mãe de Vianney o presenteou com uma imagenzinha de Nossa Senhora, que o pequeno adotou com grande fervor, construindo-lhe pequenos altares, onde ele podia venerá-la. Um dia, a senhora Vianney chegou a encontrar o filho “perdido” em oração no estábulo da casa, diante da sua imagem da Virgem. Essa mesma piedade se estendia para a hora das refeições, chegando ele, certa feita, a não abrir a boca para comer enquanto os pais não fizessem a bênção das refeições.

Os anos foram-se passando e Vianney foi crescendo “em estatura e graça”. Já como pastor do rebanho da família, ele ia com os amigos para o campo, onde sempre reservava o tempo da sesta para suas orações. Nas horas vagas, brincava com os demais de procissões e pregações, exercendo um sério apostolado. Foi, então, nesse período, com 11 anos de idade, que fez a sua primeira confissão, aproveitando a estadia de um padre que passava pela região. Vianney guardou a lembrança daquele dia para o resto da vida. Depois, fez a primeira comunhão de forma clandestina, a fim de que os policiais não descobrissem. Enquanto a cerimônia acontecia dentro da casa, alguns homens passavam com feno na frente das janelas, para evitar que alguém visse o que estava acontecendo.

O ponto admirável da primeira comunhão de S. João Maria Vianney foi a sua ação de graças. Após comungar, ele passou mais um tempo recolhido, agradecendo a Deus por tê-lo recebido no Santíssimo Sacramento. Isso depois teria uma influência tremenda em seu ministério sacerdotal, numa época em que a comunhão eucarística não era nada frequente. Em oposição ao jansenismo dominante, o padre Vianney exortava seus fiéis a comungarem todos os domingos, quando o máximo que um católico comungava naquele tempo era quatro vezes ao ano. Esse exemplo deve nos fazer meditar bastante sobre o modo como estamos preparando nossos filhos para a primeira comunhão. Um santo não se improvisa, mas deve ser educado e forjado desde o berço. O amor do Cura d’Ars pela Eucaristia era tanto que ele muitas vezes se emocionava ao administrar o Sacramento em sua paróquia.

O seminário. — Com 17 anos, Vianney recebeu o sacramento da Crisma e foi nessa ocasião que decidiu acrescentar “Batista” ao seu nome, por devoção a S. João Batista. A partir disso, começou a manifestar mais claramente o desejo de entrar no seminário. Sua mãe acolheu prontamente o desejo do filho, mas seu pai, por outro lado, não cedeu tão facilmente, pois acreditava que teria um gasto muito grande. Vianney aceitou a decisão do pai, como um filho obediente. Mais tarde, no entanto, o senhor Vianney mesmo viu que a vocação do filho era o sacerdócio e decidiu deixá-lo ingressar nos estudos. Assim, o jovem mudou-se para Ecully, onde teria formação com o padre Balley.

A formação de Vianney foi bastante dura, especialmente na disciplina do latim. Ele ainda precisou aprender francês, porque conhecia apenas o dialeto de sua região. Como não conseguisse gravar o vocabulário latino, decidiu fazer uma peregrinação de 100km, a pé e mendigando, até o Santuário de Louvesc, dedicado a S. Francisco Régis. No caminho, sofreu grandes perigos diante de uma população que já não tinha mais formação cristã. Quando chegou ao local, confessou-se e o cura do santuário mudou sua pena, fazendo-o retornar para Ecully, agora dando esmola. Os esforços renderam-lhe uma facilidade maior com o idioma clássico e também com a filosofia, outra barreira que ele enfrentou, num contexto bastante marcado pelo cartesianismo.

Todavia, os estudos do jovem seminarista acabaram interrompidos por uma inesperada convocação ao exército. Por pertencer à diocese de Lyon, ele deveria estar dispensado desse serviço, graças ao privilégio que Napoleão concedeu ao bispo da região, que era seu tio, o cardeal Fesch. Mas, por algum erro, o nome de Vianney surgiu na lista e ele precisou apresentar-se na convocação.

No dia da apresentação, Vianney parou pelo caminho para rezar em uma capela. Tomado pela oração, porém, acabou perdendo o horário, de modo que a tropa já havia se retirado. Vianney tentou apresentar-se de novo, mas desistiu, por estar debilitado, e acabou unindo-se a um desertor, embora não o soubesse. Os dois foram à vila de Noes e por ali ficaram um tempo escondidos, uma vez que a deserção era punida com a morte. Nesse tempo, Vianney cativou os habitantes do local, convidando-os para uma fé católica mais profunda. No fim das contas, o exército aceitou que um irmão de Vianney se apresentasse em seu lugar. Esse irmão, infelizmente, faleceu durante o conflito, o que deixou uma marca bem profunda no jovem Vianney.

Com esse desfecho, o seminarista Vianney pôde retornar aos estudos no seminário de Verrieres, onde permaneceu por seis meses. O latim, porém, voltou a assombrá-lo durante os exames, em que ele tinha de responder a uma banca bastante exigente. Por não entender corretamente as questões, não conseguiu expressar-se adequadamente, o que lhe rendeu uma nota baixíssima. Ele acabou dispensado do seminário, mas o padre Balley, confiando na vocação do jovem, intercedeu por ele ao vigário geral da diocese, conseguindo mantê-lo como candidato ao sacerdócio.

Vianney finalmente recebeu a aprovação de sua ordenação, após tanto sofrimento. Como a diocese de Lyon estivesse vacante, Vianney foi a pé até Grenoble, para ser ordenado lá, vestindo apenas uma batina e carregando uma mochila com sua alva e demais paramentos. Foi ordenado sacerdote sozinho, no dia 13 de agosto de 1815.

O sacerdócio. — Nos primeiros anos de sacerdócio, o padre Vianney foi designado vigário paroquial do padre Belley. Os dois, então, começaram uma “competição” santa, crescendo juntos na perfeição das virtudes. Era tamanha a vida de ascese que levavam que ambos acabavam delatando um ao outro para o bispo, preocupados com o rigor das penitências. Depois que o padre Belley faleceu, o pobre padre Vianney, homem tão desapegado, apegou-se a um espelho de seu ex-pároco. Quando lhe perguntavam por que guardava aquele objeto, ele respondia: “É porque esse espelho um dia refletiu o rosto do padre Belley”.

Seja como for, a experiência ao lado do padre Belley serviu-lhe de preparação para a grande missão na comunidade de Ars. Inicialmente, foi designado capelão do vilarejo. Para adverti-lo do imenso trabalho que teria, o bispo disse ao padre Vianney: “Não há muito amor a Deus naquela paróquia”. De fato, a pequena aldeia de Ars, com apenas 230 habitantes, havia sofrido muito com a nova cultura da Revolução Francesa. A ignorância religiosa era muito comum, de modo que não respeitavam mais os dias santos nem os domingos. Além disso, tinham o costume de fazer bailes, onde toda sorte de pecados acontecia. O Cura d’Ars teria de enfrentar tudo isso.

A caminho da igreja, percebendo que estava um pouco perdido, ele pediu instrução a um pequeno pastor. O menino o ajudou prontamente. Em resposta, padre Vianney lhe disse: “Você me ensinou o caminho de Ars, eu vou ensinar-lhe o caminho do Céu”. Hoje, na entrada da cidade, existe um monumento em recordação a esse episódio. Chegando ao destino, padre Vianney entrou na igreja e disse em tom profético: “Essa igreja não será capaz de conter as pessoas que virão aqui”.

O projeto pastoral do padre Vianney não demorou muito para ser executado. Tão logo ele percebeu os efeitos ruins da secularização, já se pôs ao trabalho. Vianney havia constatado o seguinte: “Deixe os homens sem padre e em pouco tempo adorarão as feras”.

Por isso, a primeira tarefa empreendida por ele foi fazer penitência pela conversão dos seus fiéis. De fato, costumava ser um homem extremamente penitente, ao ponto de dizer, nos anos seguintes, que havia feito loucuras da juventude: dormiu tanto no chão, que chegou a desenvolver uma nevralgia. Mas a verdade é que ele se dispôs a sofrer tudo pela conversão de seu rebanho, como ele mesmo rezava. Nesse sentido, tinha uma dieta bastante rude de comer apenas batatas cozidas. Quando se permitia comer mais que uma, procurava logo se confessar. Também se flagelava a ponto de arrancar-se sangue. Não poupava esforço nenhum pela salvação dos pecadores.

Quando um padre de outra paróquia veio pedir-lhe conselhos para a evangelização, o Cura d’Ars advertiu-o: “Rezaste, choraste, gemeste, suspiraste. Mas porventura jejuaste, fizeste vigílias, dormiste sobre o chão duro, fizeste penitências corporais? Enquanto não o fizeres, não julgues ter feito tudo”. A respeito dessas palavras, o Papa São João XXIII indicou que todos os sacerdotes deveriam fazer um grave exame de consciência sobre os esforços empreendidos em suas paróquias, pela conversão dos pecadores [2]. 

Os sacerdotes, dentro do carisma e da identidade própria de cada um, devem ter uma vida ascética, de penitência, tanto pelo crescimento nas virtudes como pelo bem das almas. Infelizmente, aqueles que não se dispõem a sofrer minimamente pela santidade própria e dos outros acabam perdendo a vocação.

Além disso, S. João Maria Vianney tinha outro instrumento pastoral importantíssimo: a oração. Ainda de madrugada, ele saía da casa paroquial para a igreja, a fim de rezar e preparar-se para a Santa Missa. Encerrada a celebração, ele ficava até meio-dia em ação de graças, de modo que seus paroquianos, quando queriam encontrá-lo, iam logo na igreja, e não na casa paroquial. Aproveitava todas as ocasiões para dirigir os pensamentos a Deus, inclusive seus momentos de passeio. Mas era mesmo na Santa Missa que o Cura d’Ars tinha o encontro mais íntimo com Jesus, celebrando-a com grande piedade.

É importante frisar, nesse sentido, que, embora fosse um sacerdote bastante austero, Vianney não economizava na hora de comprar paramentos e vasos litúrgicos. Ele sempre queria as peças mais belas, ainda que fossem as mais caras. Ele é, com efeito, um modelo exemplar para os sacerdotes, especialmente em nossa época. Vianney mostra que é possível ter uma vida de oração intensa e piedade eucarística, mesmo com tantas atividades e necessidades. Os sacerdotes, portanto, precisam aprender a desmarcar alguns compromissos para atenderem ao primeiro dos compromissos, que é a oração, o encontro íntimo com Jesus.

No fim da vida, S. João Maria Vianney já havia se tornado uma celebridade, atraindo pessoas de todo o país, que iam até Ars para se confessar. A fama dele de grande confessor começou por ter atendido a outras paróquias vizinhas, encantando os fiéis. Depois, o próprio governo precisou instalar uma linha de trem para Ars, tamanho era o fluxo de gente indo ao pequeno vilarejo. O Cura d’Ars tinha o dom de ler os corações, o que o ajudava a dar bons conselhos e, em casos especiais, até a negar a absolvição, se não visse o arrependimento das pessoas. No começo de seu ministério, quando Ars ainda estava mergulhada no pecado, ele foi bem severo em suas pregações e no atendimento das confissões. Mas isso porque ele cria na verdadeira misericórdia, que afasta as pessoas do perigo do inferno.

A eficiência do trabalho pastoral de S. João Maria Vianney era tanta, que o diabo mesmo vinha atormentá-lo, a fim de diminuir sua determinação. Mas o inimigo nada podia contra o santo cura, uma vez que o padre Vianney em tudo se consagrava à Virgem Maria, como aprendeu no método de S. Luís de Montfort. Com o tempo, milagres começaram a acontecer com frequência, embora ele sempre os atribuísse a S. Filomena. Uma vez, um cidadão curioso foi a Ars apenas para saber quem era o tal sacerdote e acabou voltando de lá convertido. “Eu vi Deus num homem”, disse a seu amigo. 

S. João Maria Vianney faleceu no dia 4 de agosto de 1859, em odor de santidade, por ter feito de sua vida inteira um ato de amor a Jesus, como ele mesmo rezava:

Eu Vos amo, ó meu Deus,
e amar-Vos até o último suspiro
da minha vida é meu único desejo.

Eu Vos amo, ó Deus infinitamente amável,
e prefiro morrer amando-Vos
a viver um só instante sem Vos amar.

Eu Vos amo, ó meu Deus, e não desejo o céu
senão para ter a alegria
de Vos amar perfeitamente.

Eu Vos amo, ó meu Deus,
e temo o inferno porque lá jamais
haverá a suave consolação de Vos amar.

Ó meu Deus, se a minha língua
não pode dizer-Vos a todo momento
que Vos amo, quero ao menos
que meu coração Vo-lo repita tantas vezes quanto suspiro.

Concedei-me a graça de sofrer amando-Vos,
de amar-Vos sofrendo e de expirar um dia
amando-Vos e sentindo que Vos amo.
E quanto mais me aproximo do meu fim,
mais Vos imploro que aumenteis
o meu amor e o aperfeiçoeis.

Referências

  1. Cf. Francis Trochu, O Santo Cura d’Ars, 3.ª ed., Contagem: Líttera Maciel, 1997.
  2. Cf. Papa S. João XXIII, Carta Encíclica Sacerdotii nostri primordia, 1.º ago. 1959.
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