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Texto do episódio
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
(Jo 5,33-36)

Naquele tempo, Jesus disse aos judeus: “Vós mandastes mensageiros a João, e ele deu testemunho da verdade. Eu, porém, não dependo do testemunho de um ser humano. Mas falo assim para a vossa salvação. João era uma lâmpada que estava acesa e a brilhar, e vós com prazer vos alegrastes por um tempo com a sua luz. Mas eu tenho um testemunho maior que o de João; as obras que o Pai me concedeu realizar. As obras que eu faço dão testemunho de mim, mostrando que o Pai me enviou”.

No Evangelho de hoje, Jesus nos fala mais uma vez de João Batista, mas já começa a falar de sua transitoriedade. Nós vemos a luz de João Batista e nos alegramos com ela, mas Jesus é muito mais do que João Batista.

Que significa isso para a nossa vida espiritual? São João Batista representa a vida ascética, o que quer dizer o seguinte: nossos esforços, tudo o que nós fazemos para preparar o caminho de Deus, tem seu valor, mas é importante recordar o primado da graça de Cristo, sob pena de nos transformarmos em pelagianos.

Que é um pelagiano? Pelágio foi um monge irlandês muito virtuoso que queria ser santo, mas pensava que Jesus nos deixara apenas um “exemplo”. Para ele, era necessário e suficiente seguir o “exemplo” de Cristo; bastava ter boa vontade, ser bem educado, ter disciplina… e pronto, chegava-se a ser santo.

Mas Santo Agostinho, que viveu trinta e dois anos sob a escravidão do pecado, viu que isso não era católico.

A fé católica diz que nós, sem o auxílio da graça, somos impotentes diante do mal e do pecado. Se sentimos que não damos conta de vencer o pecado nem nos libertar de suas cadeias, saibamos: não é impressão, é verdade!

Somos libertos por Cristo, é a graça de Cristo que nos salva. No entanto, é preciso pedir essa graça. No Tempo do Advento, marcado pelo “Vem, Senhor Jesus”, nós podemos dizer: “Vem, Senhor, com tua graça! Nós esperamos tua graça. Das alturas orvalhem os céus, que venha a justiça, que venha a santidade para nós. Que venha verdadeiramente a graça que nos faz capazes de amar, senão seremos homens acorrentados ao egoísmo, incapazes do mínimo ato bom” [1].

Portanto, a ascese vivida e pregada por São João Batista, ou seja, tudo o que nós precisamos fazer e estamos fazendo neste Tempo do Advento — jejuns, vigílias e penitências —, é necessário, mas antes disso já existe o suave toque da graça, embora não a estejamos sentindo.

A graça está aí, inquietando-nos o coração. A graça já está sustentando esses atos, de forma que, se fizermos alguma coisa virtuosa, não fiquemos nos pavoneando nem dizendo: “Nossa, olhe como já estou ficando santo!”

Não, isso é uma tolice; nós não somos capazes. Nós somos os mesmos de sempre, é Cristo quem vive e age em nós. Aqui está a realidade! João Batista, aquele homem de boa vontade que está dentro de nós, fazendo esforços ascéticos para ser santo, tem de diminuir para dar espaço à graça.

Não é que devamos parar com a ascese, não; é que nos devemos dar conta de que não somos capazes do mínimo ato ascético, do mínimo gesto de amor. Nosso coração é paralítico, incapaz de mover-se, se o Cristo não vier com o suave toque da graça.

O Evangelho de hoje nos coloca, pois, diante dessa verdade: João Batista veio e nos alegrou. É necessário começarmos um processo ascético de conversão e mudança de vida. Porém, é hora de reconhecer que o Cristo estava lá desde o princípio e que não fomos nós, por nossos méritos, que mudamos de vida, mas foi Cristo quem veio configurar nossa vida à sua. Por isso, se damos passos em frente, é porque “vivo, mas não eu; é Cristo quem vive em mim”.

Nós, por nós mesmos, não somos dignos do céu; no entanto, Ele quer nos conduzir para lá. Eis a graça do Natal que se aproxima!

* * * 

COMENTÁRIO EXEGÉTICO

Testemunho de João Batista (v. 33ss). — João Batista atestou claramente minha missão divina, como vós mesmos o sabeis (cf. 1,23-27). Eu, porém, não recebo o testemunho do homem, i.e., não dependo do testemunho dos homens; mas digo-vos estas coisas, a fim de que sejais salvos, i.e., não quero invocar o de João, pois não preciso de testemunhos humanos para saber quem sou (o Messias, o Filho de Deus), mas vos proponho estas coisas em vista de vossa salvação, pois estaríeis dispostos a crer antes nele do que em mim. (É, ao que parece, a interpretação mais coerente, adotada por muitos autores contemporâneos.)

João era uma lâmpada (ὁ λύχνος, cf. 1,8) acesa (ὁ καιόμενος, a arder [de zelo, caridade etc.]) e brilhante (καὶ φαίνων = a luzir [em sabedoria, dons proféticos etc.]), i.e., João brilhou diante dos homens, a fim de reconhecerem o Messias (cf. 1,7); e vós poucos momentos (πρὸς ὥραν = lit. ‘por uma hora’, i.e., por breve tempo: cf. 2Cor 7,8; Gl 2,5) quisestes gozar (gr. ἀγαλλιαθῆναι, lt. exsultare = lit. ‘saltar’, ‘pular’) na sua luz.

Para Schanz [2], a metáfora alude ao costume das crianças de brincar em volta de fogueiras ou luzes, ou, segundo Lino Murillo y Osinaga, aos bailes noturnos que o povo costumava celebrar com grande solenidade à luz do candelabro do Templo. Seja como for, significa a fugaz alegria do povo pelo surgimento de um novo profeta e a vã esperança da glória temporal do reino messiânico, já amplamente difundida no início da pregação do santo Precursor.

O testemunho do Pai (vv. 36-40) é o bastante para Cristo. Está comprovado:

a) Nas obras de Cristo (v. 36). — Após uma digressão sobre o ofício de João, Cristo dá continuidade ao que começara a dizer no v. 34: Mas eu tenho um testemunho maior do que João (μείζω[ν] τοῦ Ἰωάννου = μείζω[ν] τῆς τοῦ Ἰωάννου μαρτυρίας, maior que o testemunho de João; comparativo abreviado), qual seja, as obras que meu Pai me deu que cumprisse (ἵνα τελειώσω, que levasse a cabo), estas mesmas…, i.e., os milagres, a pregação, o exemplo de vida, tudo enfim que diz respeito ao cumprimento do múnus messiânico. Com efeito, estas obras são de tal natureza, que não podem ser feitas senão por ordem, concurso e aprovação de Deus e, consequentemente, demonstram ser enviado de Deus aquele que as realiza.

Eis por que Cristo apela com frequência à força probatória de sua obras em geral (cf. 10,25.32.38; 14,11s; 15,24) e, em particular, à dos milagres (cf. Mt 9,2-8; 11,2-6.20-24; 12,28). Por isso a Igreja católica reconhece a existência de “feitos divinos como sinais certíssimos” da divindade de Nosso Senhor e “da origem divina da religião cristã” (Juramento antimodernista, §2: AAS 2 [1910] 670; DH 3539).

Notas

  1. Como se estuda no Tratado da Graça, o homem em estado de natureza decaída não pode, por suas próprias forças, evitar sem o auxílio da graça todos os pecados e vencer todas as tentações em ordem à vida eterna, i.e., meritoriamente; pode, não obstante, por suas próprias forças, realizar atos de virtude naturalmente bons e evitar alguns pecados e tentações, embora isso não se lhe impute a título de mérito sobrenatural. Para evitar todos os pecados coletivamente e por longo tempo, necessita o homem não só de auxílios atuais, mas, antes e radicalmente, ser sanado pela graça habitual. Portanto, quando se diz que, sem a graça, o homem é incapaz “do mínimo ato bom”, entenda-se isso tanto dos atos meritórios quanto do bem moral em conjunto (i.e., do cumprimento integral e prolongado da lei natural).
  2. Cf. P. Schanz, Commentar über das Evangelium des heiligen Johannes (Tubinga, 1885) §16, p. 253;

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