Neste dia 9 de dezembro de 2019, recordam-se os 40 anos de falecimento do Venerável Arcebispo Fulton J. Sheen. Em razão disso, iniciaremos esta aula falando sobre sua morte, porque, a partir dela, podemos depreender como foi a sua vida.
Ao ser ordenado padre, Fulton Sheen fez secretamente em seu coração duas promessas: a de todos os dias fazer uma hora santa diante do Santíssimo Sacramento; e a de todos os sábados celebrar uma Missa em honra a Nossa Senhora. Esses dois propósitos, ele os cumpriu durante toda sua vida, apesar de ter diversas ocupações, trabalhando cerca de 19 horas por dia. Ou seja, mesmo dormindo apenas 5 horas por dia, ele não abria mão de fazer sua hora santa diante do Santíssimo. Sua fidelidade foi tamanha que 40 anos atrás, o velho e alquebrado arcebispo Fulton Sheen, com seus 84 anos, foi encontrado morto, em sua capela, diante do Santíssimo Sacramento.
A partir disso, já podemos perceber o nível de santidade deste homem, que já foi atestada inclusive através de um milagre. O fato ocorreu com um casal do estado de Illinois, cujo filho recém-nascido havia sido declarado morto. Diante da notícia, eles resolveram rezar e pedir a intercessão do Venerável Fulton Sheen, e prometeram dar ao seu filho o nome de James Fulton, em homenagem ao virtuoso arcebispo. Surpreendentemente, depois de 61 minutos sem batimentos cardíacos, a criança voltou a viver. E esse é o milagre que foi utilizado em seu processo de beatificação [1].
Tendo falado de sua morte e do milagre realizado, vamos agora tratar sobre sua vida. Ele nasceu em 8 de maio de 1895, na cidade de El Paso, no estado de Illinois. Seu nome de batismo, na verdade, é Peter John Sheen; mas, como o sobrenome de sua mãe era Fulton e o do seu pai Sheen, ele escolheu ser chamado de Fulton Sheen. Quando tinha cinco anos, sua família se mudou para a cidade de Peoria, também no estado de Illinois, onde passou boa parte de sua vida.
Com 8 anos de idade, Fulton Sheen ajudou como coroinha numa Missa celebrada pelo então bispo de Peoria, Dom John Lancaster Spalding, na Catedral de Santa Maria. Durante a celebração ele acabou quebrando acidentalmente uma das galhetas, ficando profundamente preocupado com o ocorrido. Após a Missa, na sacristia, o bispo o chamou para conversar e perguntou onde ele iria estudar. Nessa conversa, Dom Spalding disse que, um dia, o pequeno Fulton Sheen estudaria em Lovaina, na Bélgica — um centro do tomismo na época —, e que seria como ele, um bispo. Essas palavras foram, de fato, proféticas, pois Fulton Sheen posteriormente estudou em Lovaina e tornou-se bispo.
Antes disso, porém, é preciso dizer que ele estudou no seminário em Minnesota, centro-oeste dos Estados Unidos, destacando-se tanto nos estudos quanto nas virtudes; e foi ordenado sacerdote, aos 24 anos, em 20 de setembro de 1919. Por ter se destacado, Fulton Sheen foi escolhido pelo bispo para estudar em Lovaina. Em 16 de julho de 1925, defendeu sua tese de doutorado em Filosofia sobre Santo Tomás de Aquino. Sua tese foi publicada em livro, nos Estados Unidos e na Inglaterra, sob o título God and Intelligence. Impressionado com o trabalho do jovem estudioso, ninguém menos que G. K. Chesterton escreveu a introdução da obra. No ano seguinte, a Universidade de Lovaina conferiu-lhe o Prêmio Internacional de Filosofia “Cardeal Mercier”, sendo o primeiro americano a ganhar esse prêmio, que era concedido uma vez a cada década [2].
Por seu grande talento intelectual, a vaidade sempre foi a grande tentação contra a qual Fulton Sheen teve de lutar. Isso pode ser constatado quando ele descreve, na sua autobiografia, o próprio desempenho na defesa de doutorado. Ele contextualiza que “se a pessoa fosse aprovada, no jantar, servia-se apenas água; se fosse aprovada com distinção, cerveja; se o fosse com louvor, servia-se vinho; e se fosse considerada extraordinária, no jantar, servia-se champagne” e, então, ele conclui: “naquela noite, a champagne estava muito saborosa” [3].
Com uma trajetória acadêmica impressionante, Fulton Sheen tinha todos os atributos para exercer a docência nas grandes universidades europeias. No entanto, o bispo de Peoria chamou-o de volta para a diocese e o designou para uma paróquia pobre e periférica da cidade, na qual ele exerceu seu ministério com grande êxito, tanto por seu ímpeto missionário quanto pela habilidade retórica que possuía.
Depois de nove meses nesta paróquia, o bispo — que até então estava provando sua obediência — nomeou-o professor na Catholic University of America, em Washington, D. C. Como professor, ele possuía muito prestígio e reconhecimento; porém, sentia-se vocacionado à pregação e era constantemente chamado a pregar em diversos lugares dos Estados Unidos. Em suas pregações na Catedral de São Patrício, em Nova York, aglomeravam-se cerca de 6 mil pessoas para ouvi-lo, de modo que a polícia precisava fechar a movimentada Quinta Avenida.
Com tamanha fama, Fulton Sheen foi convidado a dirigir um programa de rádio — na época, o principal meio de comunicação — chamado The Catholic Hour (“A hora católica”), que estreou em 2 de março de 1930, na estação WEAF, em Nova York. Por meio desse programa que se estendeu até 1952 e era reproduzido em diversos lugares dos Estados Unidos, Fulton Sheen atingiu milhões de pessoas, que lhe escreviam cartas relatando conversões.
Diante de seu êxito missionário, o Cardeal de Nova York, Francis Spellman, indicou-o para o episcopado. Então, em 11 de junho de 1951, aos 56 anos, ele foi ordenado bispo em Roma. Em fevereiro de 1952, como bispo auxiliar de Nova York, ele estreou na televisão o programa Life is Worth Living (“A vida vale a pena”), que se tornou extremamente popular, chegando a alcançar a audiência de 30 milhões de pessoas em horário nobre.
Em seus programas, embora ele falasse de Jesus e do catolicismo, a temática em si não era católica. A fim de atrair os não católicos e convertê-los, Fulton Sheen falava, por exemplo, de Marx, de Freud, de Nietzsche e de questões existenciais, mas, ao final, relacionava esses temas com a fé católica, deixando assim uma mensagem de fé aos seus espectadores. Para preparar seu programa semanal de 28 minutos, ele fazia o roteiro da apresentação, explicava-a em italiano para um amigo padre e em francês para uma senhora, a quem ele pagava para escutá-lo. Depois disso, ele estava pronto para apresentar o programa em inglês.
Para além da eficácia de suas pregações, Fulton Sheen também converteu inúmeras pessoas através do diálogo pessoal, “corpo a corpo”, por meio de argumentos racionais e do convite à oração. Foi assim com a comunista Bella Dodd, uma agente soviética infiltrada nos Estados Unidos, que admitiu ter sido responsável por infiltrar, sob ordens de Stalin, centenas de jovens nos seminários católicos. Do mesmo modo, também Henry Ford II foi convertido ao catolicismo por Fulton Sheen.
Com seu sucesso, ele recebia inúmeras doações de dinheiro, ao mesmo tempo que vivia num profundo despojamento, repartindo o que ganhava com aqueles que lhe pediam. E foi justamente a questão do dinheiro que lhe serviu como um instrumento de purificação contra a vaidade. Quando foi ordenado bispo, ele ainda lutava contra a vaidade, como se observa, em sua autobiografia, no modo como ele descreve a ordenação episcopal e os dias que se seguiram a ela:
O anel no dedo, o solidéu na cabeça, e o título de ‘bispo’ — todas essas coisas soavam dentro de mim e contribuíram para um sentido de falsa euforia que, confesso, eu tive. [...] Mas, em um tempo bem curto, eu descobri que eu era a mesma pessoa de antes, que o barro era tão frágil como antes, e que a estima que as pessoas tinham por mim não era necessariamente a forma como o Senhor olhava para mim. Levou algum tempo para descobrir que a joia do anel não necessariamente se torna uma joia na coroa do Céu [4].
Aqui, ele está confessando que, como bispo, ainda lutava contra a vaidade, de modo que havia algo nele que precisava ser purificado. E a purificação veio por meio de um conflito que exigiu de Sheen muita retidão e coragem, para resistir àquele que o havia indicado ao episcopado, o Cardeal Spellman. Tudo aconteceu porque a Associação para a Propagação da Fé, cujo presidente era Fulton Sheen, havia recebido de doação do governo uma grande quantidade de leite. O Cardeal Spellman pediu a Fulton Sheen que simulasse a “compra” desse leite da arquidiocese de Nova York e que o pagasse com o dinheiro destinado às missões. O bispo Fulton Sheen negou-se peremptoriamente a fazer isso; e o embate foi tamanho que os dois foram parar diante do Papa Pio XII, que deu razão a Fulton Sheen.
Depois desse episódio, o Cardeal Spellman não poupou esforços para prejudicar Fulton Sheen, tirando seu programa de televisão e articulando sua transferência para a inexpressiva diocese de Rochester, fato que ocorreu em 1966. Nessa diocese, ele sofreu grande resistência por parte do clero, de modo que veio a renunciar em 1969, aos 74 anos de idade. Então, o papa Paulo VI, a fim de homenageá-lo, condecorou-o arcebispo de Newport, uma sede titular no País de Gales. Assim, ele terminou sua vida como bispo emérito de Rochester e arcebispo de Newport.
Os últimos 13 anos de vida de Fulton Sheen, dos 71 aos 84, foram de intensa purificação por meio das perseguições que sofrera em virtude da sua fidelidade a Deus. A aceitação dessas perseguições, como vítima oferecida em sacrifício de amor, condiz com tudo aquilo que ele pregou, principalmente em relação ao sacerdote enquanto vítima; e também mostra o quanto ele foi profético, anos antes, ao escolher como lema episcopal a frase Da per matrem me venire (Conceda que eu possa ir a Vós através da mãe), extraída do Stabat Mater, um belíssimo hino a Nossa Senhora das Dores.
Peçamos, pois, a intercessão do Venerável Fulton Sheen, a fim de que sejamos profundamente católicos, mesmo que não esteja “na moda”; de tal modo que, sendo fiéis à fé que recebemos da Igreja, possamos ser instrumentos de Deus para a conversão de muitas pessoas. Para isso, sigamos o exemplo deste virtuoso arcebispo que, através de sua vida, ensinou-nos que as conversões são conquistadas por meio da oração, “de joelhos” diante do Santíssimo Sacramento, e oferecendo as nossas cruzes diárias, como vítimas, num sacrifício de amor.
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