Em março de 1966, durante uma entrevista, o músico John Lennon, dos Beatles, afirmou: “O cristianismo irá acabar. Ele desaparecerá e encolherá. Eu não preciso discutir isso; estou certo e isso ficará provado. Agora nós somos mais populares do que Jesus…”

Como se sabe, suas afirmações repercutiram muitíssimo mal na ocasião: no sudeste dos Estados Unidos, de forte penetração protestante, algumas estações de rádio pararam de tocar músicas dos Beatles e discos da banda foram publicamente queimados. 14 anos depois, em Nova Iorque, a própria morte de John Lennon seria tragicamente associada a esse episódio: seu assassino alegou razões religiosas para o injustificável crime e chegou a citar, em uma entrevista posterior, a polêmica frase do cantor britânico.

Os Beatles.

O fato é que, de certo modo, Lennon não estava errado. A afirmação de que o cristianismo desapareceria foi muito pretensiosa, sem dúvida — e no fim foram os Beatles que não duraram muito tempo —, mas o “encolhimento” da fé era um drama que já se desenrolava a olhos vistos aquela época. Apenas alguns anos mais tarde, mas na mesma década, um homem que depois viria a tornar-se Papa repetiria em essência a mesma “profecia”: “A Igreja diminuirá de tamanho”, disse o então jovem sacerdote Joseph Ratzinger. E foi o que aconteceu.

A popularidade dos Beatles em relação à de Cristo também tem a sua verdade. Principalmente se se leva em conta que, ao contrário dos artistas modernos, que se apresentam em palcos e congregam multidões em torno de si para fazer uma performance, Nosso Senhor ia por um caminho muito diferente, com o que o adjetivo “popular” não seria o mais apropriado para descrevê-lo.

Para demonstrar como não era essa a intenção de Jesus, basta folhear (sem ceticismo e preconceitos materialistas, é claro) as páginas dos Santos Evangelhos. De sua impopularidade e absoluta despretensão nesse sentido dão testemunho sua vida oculta até os 30 anos; seu pedido, aos que eram agraciados com milagres, para que não contassem nada do que viram a ninguém; sua recusa em “voltar atrás” quando palavras mais duras desagradavam e faziam muitos irem embora; e, por fim, prova-o de modo máximo a sentença final de sua vida, pronunciada pelo próprio povo da época, que o condenou à morte numa cruz enquanto clamava por Barrabás. Se era para ser popular aos moldes do mundo, ali o “plano” de Cristo teria fracassado definitivamente.

É claro que, depois de morto, Nosso Senhor ressuscitou e mandou que seus discípulos ensinassem pelo mundo inteiro as coisas que dele haviam aprendido, e aí, sim, o cristianismo se fez “popular”. Se observarmos porém o modo como se disseminou o Evangelho — numa época em que o homem sequer sonhava em inventar a TV e os outros meios de comunicação de que hoje dispomos —, essa popularização se revelará aos nossos olhos muito mais admirável do que o fenômeno de qualquer banda moderna de rock n’roll (ou seja lá qual for o gênero musical de sua preferência). Santo Tomás de Aquino o expõe de forma brilhante ao defender, contra os pagãos, o caráter sobrenatural da fé cristã:

Os segredos da sabedoria divina, ela mesma — que conhece tudo perfeitamente — dignou-se revelar aos homens, mostrando-lhes a sua presença, a verdade da sua doutrina, e inspirando-os, com testemunhos condizentes. Ademais, para confirmar as verdades que excedem o conhecimento natural, realizou ações visíveis que superam a capacidade de toda a natureza, como sejam a cura de doenças, ressurreição dos mortos e maravilhosas mudanças nos corpos celestes. Mais maravilhoso ainda é, inspirando as mentes humanas, ter feito que homens ignorantes e rudes, enriquecidos pelos dons do Espírito Santo, adquirissem instantaneamente tão elevada sabedoria e eloquência.

Depois de termos considerado tais fatos, acrescente-se agora, para confirmação da eficácia dos mesmos, que uma enorme multidão de homens, não só os rudes como também os sábios, acorreu para a fé cristã. Assim o fizeram, não premidos pela violência das armas, nem pela promessa de prazer, mas também — o que é maravilhoso — sofrendo a perseguição dos tiranos. Além disso, na fé cristã, são expostas as virtudes que excedem todo o intelecto humano, os prazeres são reprimidos e se ensina o desprezo das coisas do mundo. Ora, terem os espíritos humanos concordado com tudo isto é ainda maior milagre e claro efeito da inspiração divina.

Essas coisas não aconteceram de improviso ou por acaso, mas por disposição divina… (Summa contra gentiles, I, 6).

Essa reflexão de cunho simplesmente racional que o Doutor Angélico escreveu há quase 800 anos tem o poder de abrir os olhos aos incrédulos ainda hoje; poderia ter convencido, quem sabe, o próprio sr. Lennon...

“Cristo cravado na cruz”, de Vincenzo Campi.

Como um homem que morreu crucificado, numa região relativamente afastada do mundo antigo, e que reuniu em torno de si doze pobres discípulos, com pouquíssima erudição — dos quais apenas um permaneceu aos pés de sua Cruz —, pôde conquistar tantas pessoas, em tempos e lugares diversos, e ainda por cima contra todas as expectativas humanas, contra todos os apelos naturais dos sentidos? Ou seja, Jesus fez seguidores sem prometer a ninguém nem poder nem prazer nem riquezas materiais. Tampouco veio para encantar os homens com canções ou apresentações artísticas: a melodia divina que saía de seus lábios, por assim dizer, tinha as notas dissonantes de sua agonia no Horto e de um chamado insólito a que os homens tomassem a própria cruz para segui-lo. “Ora, terem os espíritos humanos concordado com tudo isto”... só por milagre mesmo poderia acontecer, e dos grandes.

Contra essa maravilha sobre a qual, infelizmente, não meditamos o suficiente, está o moderno fenômeno das massas hipnotizadas com bandas de rock, duplas sertanejas e DJs. Em um só show, esses artistas conseguem reunir muito mais pessoas do que Nosso Senhor reuniu em torno de si durante toda a vida. Na verdade, em uma só live, dentro de suas próprias casas, esses músicos conseguem congregar em frente a TVs, computadores e dispositivos móveis multidões inimagináveis para qualquer outra época da história humana. Depois dos Beatles, de fato, quantos mais não poderiam gabar-se de ser “mais populares do que Jesus”, à vista da fama e do sucesso que fazem? 

E no entanto o que geralmente move as pessoas a quase idolatrar essas personalidades senão o apelo aos sentimentos mais baixos do ser humano? É muito fácil seduzir as multidões com o iê-iê-iê, quando é justamente o iê-iê-iê o que elas querem. Difícil é apresentar aos homens a verdade nua e crua que se esconde em seu interior, repreender-lhes o pecado e mandar que mudem de vida, e ser seguido mesmo assim ao longo dos séculos. 

Não, o entusiasmo com o Evangelho nem de longe se compara ao frenesi com que as fãs dos Beatles assistiam aos seus concertos. Mas é que a atração que o Deus feito homem exerce sobre os corações não é como o furacão, o terremoto ou o fogo… O Deus todo-poderoso, podendo arrasar qualquer que seja o lugar por onde passe, prefere esconder-se na brisa ligeira e pedir o silêncio do homem para fazer-se ouvir (cf. 1Rs 19, 11–12); ao invés de palcos, microfones e alto-falantes, Ele prefere revelar-se no humilde casebre de Nazaré e soprar lenta e gradualmente ao longo da história, convocando um exército de adoradores que em número pode até ser subestimado, mas não em qualidade.

Olhando tudo isso à luz da vida eterna, importa-nos concluir dizendo que esta é, verdadeiramente, a única glória e “popularidade” que importa: pertencer ao povo de Deus; poder ser contado, um dia, entre os santos e santas do Céu. Todo o resto não passa de vaidade: vanitas vanitatum et omnia vanitas, “vaidade das vaidades, tudo é vaidade” (Ecle 1, 2)! 

Além do que, o preço a ser pago pela popularidade mundana é muito alto, nesta e na outra vida. O pobre rapaz de Liverpool a que nos referimos ao longo de todo esse texto, infelizmente, foi morto a tiros em frente ao prédio onde morava. E agora, quem sabe onde ele se encontra? A que destino foi submetido pelos séculos? Toda a fama que ganhou durante a vida de que lhe valeu na trágica hora da morte? Toda a multidão que o seguia, e os poucos que ainda o seguem, continuarão a aplaudi-lo no lugar onde ele estiver? Eis as perguntas que ficam, eis o que deve nos preocupar.

Por John Lennon, que já partiu deste mundo, só nos resta oferecer a Deus as nossas mais sinceras orações. Aos famosos que ficam, no entanto, sejam eles artistas de TV, músicos profissionais ou influenciadores digitais (com um celular na mão e uma conta no YouTube, nunca foi tão fácil ser popular), sirva de reflexão o ritual que era feito, até pouco tempo atrás, nas coroações pontifícias. O Papa recém-eleito, na sédia gestatória, partia em procissão da Basílica de São Pedro e era parado três vezes pelo mestre de cerimônias que, de joelhos, queimava na sua frente uma mecha de estopa e dizia, também por três vezes: Pater Sancte, sic transit gloria mundi! — “Santo Padre, assim passa a glória do mundo!

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