Em algumas paróquias que celebram a Missa no rito de Paulo VI (às vezes chamado de rito ordinário ou Novus Ordo), a parte chamada de “Liturgia da Palavra”, composta de duas leituras, um salmo, um canto de aleluia, um evangelho, uma homilia que expõe as leituras, o Credo e a Oração dos Fiéis, se estende por um período consideravelmente mais longo do que a parte chamada “Liturgia Eucarística”, principalmente quando se escolhe a menor oração eucarística, a segunda.
Em geral, podemos dizer que esse estado de coisas é muito lamentável. Do ponto de vista prático, pode parecer que se esteja dizendo — de forma subliminar ou, talvez, até explicitamente — que a Missa é, fundamentalmente, para ouvir as Escrituras e sua explicação, e que a Santa Eucaristia consiste em um atrativo a mais, como um enfeite ou um “ponto de exclamação” para realçar a ação principal.
Quando isso acontece, presenciamos nada menos do que uma inversão total da ordem e proporção próprias das duas partes básicas da Missa. Não seria exagero chamar essa inversão de “protestantização”. Para os protestantes, a “Palavra de Deus” é um texto escrito em um livro sobre o qual eles se debruçam em suas “devoções”, trazem para a igreja, ouvem a leitura, ouvem pregações e levam para casa novamente, como se esse livro fosse o lugar exclusivo da Aliança de Deus. Mas isso não é o que Jesus realmente nos disse: “Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue, que é derramado por vós” (Lc 22, 20). Portanto, a Nova Aliança é algo que existe na forma de um banquete de sacrifício. É quando participamos do seu Corpo e Sangue que nos encontramos mais perfeitamente com o próprio Cristo, da maneira que Ele se nos deixou.
A Palavra de Deus não é, primária e principalmente, um livro — nem mesmo os Evangelhos. Ela é o próprio Jesus Cristo: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus [...]. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1, 1.14). A Liturgia da Palavra (escrita) existe em função da Liturgia Eucarística, na qual a Palavra Encarnada, “para nós homens e para nossa salvação”, entrega-se a nós, fazendo-nos participantes da sua divindade. A proclamação das Escrituras na Missa tem o propósito de preparar os adoradores para a comunhão com a Palavra encarnada, que é a fonte da palavra escrita, aquele de quem as Escrituras dão testemunho.
A liturgia — na Santa Missa, no Ofício Divino ou em qualquer outro rito sacramental — não consiste em um grupo de estudos bíblicos, não é uma oportunidade para folhear o Livro Sagrado e dar-lhe alguma atenção mais digna. A Escritura é proclamada para pregar “Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado” (1Cor 2, 2). É por isso que, em todos os santuários católicos adequadamente construídos, os olhos são atraídos para um crucifixo proeminente; e se a liturgia estiver bem ordenada, todos estaremos na mesma direção, voltados para o altar, o crucifixo, a abside e o Oriente, pois todos esses elementos simbolizam Cristo, que é o altar, a vítima, o Rei celestial, o norte de nossas vidas, aquele que foi, é e há de vir.
O objetivo de ler e pregar as Escrituras é acolher a Palavra, não a palavra escrita no papel, nem mesmo a palavra interior escrita no coração, mas, sim, Nosso Senhor Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado, que é “o poder e a sabedoria de Deus” (cf. 1Cor 1, 24). Essa realidade, expressou-a muito bem Louis Evely, ao afirmar:
A palavra de Deus não só revela, mas também age, ilumina e transforma. Ela é sacramentalmente eficaz. Toda semana nos reunimos solenemente para participar da eficácia de uma palavra singular de Deus. A verdadeira palavra da Missa não é a leitura das epístolas e do Evangelho. Estes são uma preparação e uma orientação para o mistério central. A verdadeira palavra da Missa é dita no momento da consagração.
“Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado”: quando o sacrifício, único e superabundante, do Calvário se faz presente em nosso meio pela consagração do pão e do vinho sobre o altar, nesse momento a Palavra de Deus — concebida pela Virgem Maria, pelo poder do Espírito Santo — é “proclamada” em sua realidade mais completa: o Verbo feito carne, o pão dos anjos, crucificado pelos nossos pecados, e ressuscitado para a nossa salvação.
Na Missa, se a “Liturgia da Palavra” não estiver em plena continuidade com a “Liturgia Eucarística”; se as leituras e a homilia não estiverem implícita ou explicitamente ordenadas ao mistério transcendente da fé, renovado sobre o altar e compartilhado pelos fiéis em sua comunhão mística com o Senhor, é certo que, em algum nível, a natureza da liturgia e suas partes não foi compreendida ou, pior ainda, foi propositalmente distorcida por causa de uma teologia errônea.
Da perspectiva correta, a Liturgia da Palavra — ou como era chamada, e ainda deveria ser, a “Missa dos Catecúmenos”, daqueles que devem ser instruídos no caminho da vida cristã — é uma antessala, uma promessa, uma preparação, um cultivo do terreno, um chamado para estar desperto e atento à voz de Jesus Cristo, a fim de nos prepararmos para recebê-lo em seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. “Eis o Cordeiro de Deus”: eis aquele que a Escritura proclama nos profetas e nos salmos, nas epístolas e nos evangelhos. É por isso que a segunda parte da Liturgia era tradicionalmente chamada de “Missa dos Fiéis”, ou seja, daqueles que já creem nas palavras da Verdade, que são batizados em Cristo e estão prontos, agora, para receber o mysterium fidei, o mistério da fé: o próprio Cristo, em Pessoa, em seu Corpo glorioso.
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