Doenças, pragas, ciclones, terremotos, conflitos políticos e sociais. Talvez seja o cenário ideal para um filme apocalíptico... mas é só a realidade mesmo. Desde que os primeiros casos de coronavírus surgiram, em dezembro de 2019, o mundo parece ter mergulhado num abismo sem fundo. Notícias perturbadoras chegam a cada minuto, disseminando pânico, irritação e o que nos leva à seguinte pergunta: estaríamos vivendo os momentos finais da história humana?

Se considerarmos apenas o que fala Jesus, no Evangelho de São Mateus, sobre o fim dos tempos, a resposta é não: “De fato, há de se levantar nação contra nação e reino contra reino. Haverá fome e terremotos em vários lugares. Tudo isso é o começo das dores” (24, 8). Acontecimentos infaustos, por mais graves que sejam, não indicam necessariamente a iminência do Juízo Final. Eles, na verdade, são um aviso de que devemos estar sempre preparados para o retorno de Nosso Senhor, que “virá como um ladrão” (1Pe 3, 10). Por isso, a nossa atenção deveria voltar-se, antes de tudo, para a santificação de nossas almas, a fim de que, quando Ele vier, nos encontre “puros e santos”.

Isso, porém, não quer dizer que não devamos estar atentos aos sinais dos tempos. Se, por um lado, não sabemos que dia será o fim do mundo podemos, por outro, ter certeza de que estamos no “tempo das dores”, na medida em que o cerco se vai fechando contra os filhos da luz, seja por projetos que pretendem nos levar aos tribunais, seja por perseguições explícitas nas ruas. O mundo moderno odeia tanto ou mais o cristianismo quanto um dia o odiou o Império Romano e demais opositores do Evangelho ao longo de dois milênios. As dores da Igreja, de fato, começaram no Calvário, e o que vemos em nossos dias é, por assim dizer, mais um capítulo dramático da grande batalha entre as forças de Deus e a prepotência do diabo. E essa batalha só vai terminar quando se tiver completado o número dos eleitos, pelo que “Ele está usando de paciência para convosco, pois não deseja que ninguém se perca” (1Pe 3, 9).

A “peste”, a “fome” e a “guerra” estão, biblicamente, ligadas à purificação pela qual os homens precisam passar, sobretudo quando aumenta entre eles a iniquidade e a idolatria. E é exatamente essa a condição atual do gênero humano: vemos coisas escandalosas acontecerem onde menos se esperaria. Em razão disso, o respeitado exorcista Pe. Duarte Sousa Lara recomenda, para estes tempos, um sério aprofundamento sobre os textos proféticos e as mensagens de Nossa Senhora, em sintonia com o Magistério da Igreja e os fatos históricos, a partir dos quais todo fiel pode formar um reto juízo sobre o que deve fazer para agradar a Deus e sobreviver às investidas do inimigo. “O coronavírus foi apenas um aperitivo” e, consequentemente, “devemos estar atentos ao que está acontecendo à nossa volta e ao que Deus nos diz”, adverte o sacerdote.

Todo esse quadro traz à tona um dos textos bíblicos mais comentados entre cristãos e não-cristãos: o Apocalipse de São João tem, sem dúvida, uma mensagem impressionante, sendo constantemente citado em livros, filmes, séries e novelas. Embora não seja uma obra propriamente “profética”, ela apresenta tal conjunto de “símbolos”, “imagens” e “exortações”, que é impossível não pensar nela neste estado de calamidade causado pela pandemia. Nesse sentido, e segundo a proposta do Pe. Duarte Sousa Lara, é importante conhecer mais esse texto bíblico, que fala abertamente da “peste”, da “fome” e da “guerra” que se abaterão sobre os homens, como uma “grande tribulação”, em consequência de seus pecados.

A interpretação do Apocalipse. — O livro do Apocalipse (do grego apokálypsis, “revelação”) foi escrito pelo Apóstolo São João, por volta do fim do séc. I, quando ele se encontrava na ilha grega de Patmos, por conta da perseguição de Domiciano. É preciso conhecer bem esse contexto para compreendermos a mensagem do livro. Não se trata de uma obra para anunciar desgraças, mas de uma composição literária que, tendo como pano de fundo o acossamento dos cristãos naquele período, recapitula a história da humanidade e da Igreja por meio de “símbolos” e “imagens”, cujo fio condutor é a luta entre o Cordeiro de Deus e a antiga serpente. Por isso, o livro do Apocalipse é o livro da esperança cristã, porque revela a mão providente de Deus, que governa o mundo e se aproveita até das artimanhas do maligno para conduzir o gênero humano à salvação eterna.

Com efeito, grande parte dos exegetas tende a adotar a “teoria da recapitulação”, proposta pelo dominicano Pe. Ernest-Bernard Allo, no livro Saint Jean, L’Apocalypse, como a mais adequada para interpretar o último livro da Sagrada Escritura. Segundo essa teoria, os números, símbolos e imagens que São João apresenta não se devem entender de forma literal, mas como uma composição literária lógica pela qual o Apóstolo, cujo estilo é o de uma águia sobrevoando a presa, vai encaminhando pouco a pouco o leitor até o destino desejado: a certeza de que Deus está no controle de todas as coisas. “Levando em conta essa peculiaridade de estilo”, explica Dom Estêvão Bettencourt, “podemos dizer que o autor sagrado não expõe os sucessivos acontecimentos concretos da história do cristianismo, mas apresenta a realidade invisível que se vai afirmando constantemente por detrás dos episódios visíveis da história”.

A estrutura que o Apocalipse segue, de maneira geral, é a da descrição por septenários: as sete igrejas, os sete selos, as sete trombetas e as sete taças. O sete é um número que indica perfeição e se refere também à totalidade ou plenitude das coisas mencionadas por São João. A partir do cap. 6, temos o “septenário dos selos”, em que aparecem as figuras dos quatro cavaleiros, cuja simbologia muito nos interessa. É nesse capítulo que São João descreve minuciosamente como Deus atua com relação aos acontecimentos da história humana e como a ação do maligno no mundo, por meio da “peste”, da “fome” e da “guerra”, não é algo absoluto, mas que está limitado pela própria vontade divina, que age silenciosamente para fazer com que tudo concorra para o bem dos que amam a Deus.

Os quatro cavaleiros do Apocalipse. — De início, o coração dos leitores já é consolado pela afirmação de que “o Cordeiro abriu o primeiro dos setes selos”. Toda a mensagem que se segue deve, portanto, ser entendida a partir do alto, porque o Cordeiro é Nosso Senhor. Nessa passagem, temos também a figura do primeiro dos quatro animais — o leão, segundo Ap 4, 7 —, que diz: “Vem”. É tradição interpretar os quatro animais como figuras dos quatro evangelistas, que anunciam a vinda de Cristo. E surge, em resposta ao chamado do primeiro animal, o cavalo branco e seu cavaleiro. “Tinha um arco e foi lhe dada uma coroa”, completa São João, dizendo: “Saiu vencendo, e para vencer ainda mais”.

Destaque de “Morte num cavalo amarelo”, de Benjamin West.

Alguns querem ver nesse cavaleiro branco a imagem do Anticristo. Todavia, uma leitura canônica tende a nos convencer do contrário: o cavaleiro branco é ninguém menos que Jesus glorioso, que desce do Céu para pôr fim às maquinações do inimigo de Deus. O arco que São João menciona aparece no livro das Lamentações, quando o escritor sagrado menciona a fúria do Senhor contra a idolatria de Israel (cf. 2, 4). Também em Deuteronômio se pinta o retrato de Deus como um guerreiro que afia a espada para se vingar de seus inimigos e dar a paga aos que o odeiam (cf. 32, 41). São João tinha um conhecimento profundo do Antigo Testamento, de modo que muitas imagens presentes no Apocalipse são retiradas de lá. Finalmente, a própria revelação de São João, no cap. 19, mostra quem é o guerreiro misterioso: “Vi então o Céu aberto, e apareceu um cavalo branco. Aquele que o montava chama-se Fiel e Verdadeiro: ele julga e combate com justiça” (v. 11).

Após essa visão, São João fala da abertura do segundo selo e do pedido do segundo animal, o touro: “Vem”. Esse pedido não pode ser interpretado como uma súplica por calamidades, mas como a aceitação do plano de Deus, que permite a ação do mal para misteriosamente revelar a soberania do bem. Vem, por isso, o cavalo vermelho, e ao seu cavaleiro é “dado o poder de tirar a paz da terra”. Notem que o poder do cavaleiro não procede dele mesmo. Como na história de Jó, o diabo recebe permissão de Deus para atormentar a humanidade. A cor vermelha indica o derramamento de sangue e as perturbações provocadas pela guerra. É também a cor do dragão (cf. Ap 12, 3) e das vestes da mulher prostituta (cf. Ap 17, 13). A guerra que esse cavaleiro provoca tem mais um caráter de guerra civil que de um conflito entre nações. Como lemos no texto, a sua incitação leva os homens a se matarem uns aos outros.

Do mesmo modo, depois da abertura do terceiro selo, o terceiro animal, o homem, pede e o cavalo preto vem. A este é dada a permissão para atacar as colheitas da primavera (trigo e cevada), mas não as do outono (azeite e vinho). O seu poder, como o do cavaleiro vermelho, é igualmente limitado. Todavia, a cor preta e a balança são símbolos da morte provocada pela fome, que chega em decorrência da guerra e da destruição das plantações.

Outro detalhe do mesmo quadro de Benjamin West.

O último animal, a águia, acompanha a abertura do quarto selo e a vinda do cavalo verde. “O seu cavaleiro era chamado ‘a morte’, e o ‘Hades’ o acompanhava”, diz o texto do Apocalipse. A cor verde é a dos cadáveres em decomposição, dos milhares de mortos, “a quarta parte da terra”, conta São João, “pela espada, pela fome e pela peste”. Com essas figuras, o Apóstolo retoma os três flagelos contra a humanidade rebelde, que a Sagrada Escritura geralmente menciona em diferentes passagens (cf. Lv 26, 23–29; Dt 32, 24s; Ez 5, 17; 6, 11–12; 7, 15; 12, 16).

O desfecho do cap. 6 e o que se segue nos caps. 7 e 8 mostram, finalmente, a diferença entre os que se mantêm fiéis à promessa de Deus e os que renegam a fé diante da calamidade. Estes últimos, “os reis da terra, os epígonos e os chefes militares, os ricos, os poderosos” etc., fogem apavorados, pedindo aos montes para esconderem seus rostos “da face daquele que está sentado no trono e da ira do cordeiro” (6, 15); aqueles, por outro lado, recebem a marca de “servos do Senhor” e saem da “grande tribulação” com suas túnicas lavadas e alvejadas no sangue do Cordeiro. E eles “nunca mais terão fome, nem sede, nem os molestará o sol, nem algum calor ardente”, revela São João, “porque o Cordeiro, que está no meio do trono, será o seu pastor e os conduzirá às fontes das águas da vida” (7, 16–17). Em outras palavras, o cavaleiro branco, que vem para vencer, não permite que nada de mau lhes aconteça, concedendo-lhes a graça para suportarem qualquer tribulação. E o septenário é finalizado com a abertura do sétimo selo e o silêncio contemplativo da corte celeste diante da obra de Deus (8, 1).

O número dos eleitos, 144 mil, é símbolo da universalidade da salvação de Deus, que não faz distinção de pessoas: a Igreja é católica e, por isso, reúne santos dos quatro cantos da terra, das doze tribos de Israel à geração dos doze Apóstolos. Multiplicados um pelo outro e por mil, representam “a multidão imensa, que ninguém podia contar, gente de todas as nações, tribos, povos e línguas”, que estarão de pé no Juízo Final para proclamar: “A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao cordeiro” (6, 9).

O Apocalipse da pandemia. — Esse “septenário dos selos” é, de acordo com Dom Estêvão Bettencourt, o “mais sóbrio e nítido, que, pode-se dizer, resume o livro inteiro”. A partir desse texto, podemos identificar os quatro cavaleiros que também vieram em nosso tempo, neste momento de pandemia, e fazer a nossa profissão de fé no guerreiro branco, que vem para vencer. Como nos conforta a visão do Apocalipse de São João, pois em cada infortúnio da história humana se esconde um propósito divino, ao qual devemos nos aferrar para sobrevivermos espiritualmente à “grande tribulação” infligida a nós pelas mãos do inimigo de Deus. 

Se esta será objetivamente a última tragédia antes da vinda definitiva de Nosso Senhor é coisa que não podemos saber, nem deve nos interessar tanto quanto a necessidade de formarmos um coração profundamente dócil e conformado ao Sagrado Coração de Jesus. Porque, se não estamos na iminência do Juízo Final, isso não nos exclui da possibilidade imediata de um juízo particular, considerando o grande número de vítimas do coronavírus e de outras pestes.

“Sede sóbrios e vigiai”, aconselha-nos São Pedro. Porque, de fato, o nosso adversário, o diabo, está nos rodeando “como um leão a rugir, procurando a quem devorar”. E é somente “firmes na fé”, certos de que iguais sofrimentos atingem também nossos irmãos pelo mundo, que poderemos, nesta vida, resistir às suas maquinações, sejam elas “guerras”, “pestes” ou “fome” (cf 1Pe 5, 6–11). Ao fim, o que importa é sermos incluídos entre os bem-aventurados que lavam suas vestes no Preciosíssimo Sangue do Cordeiro; só eles “poderão fruir da árvore da vida e entrar na cidade pelas portas” (Ap 22, 14).

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