Luís IX, rei da França, modelo perfeito de virtude para todos os príncipes, nasceu em Poissy, em 1215. Tendo perdido precocemente o seu pai, Luís VIII, sua mãe, Branca, matrona célebre por suas virtudes e magnanimidade, fez com que o ungissem rei, mal ele tinha completado doze anos. Razões importantes a motivaram, embora ela tenha permanecido como regente durante a menoridade do rei.
A esta piedosa rainha e mãe, São Luís ficou muito a dever a sua piedade, pois ela o conduziu pelo caminho da verdadeira fidelidade a Deus, sabendo que disso dependia o bem-estar de toda a nação. Nos primeiros anos de sua infância, imprimiu-lhe no espírito o temor do Senhor e uma grande aversão pelo pecado: “Querido filho”, dizia-lhe, “prefiro ver-te cair morto aos meus pés na inocência do que cometendo um único pecado mortal.” Luís gravou tão profundamente no coração estas palavras, que sempre abominou o pecado mais do que todos os outros males. Para ilustrá-lo, basta dizer que, segundo o testemunho dos seus confessores, Luís nunca manchou a alma com um pecado mortal que seja.
O mesmo temor ele procurava incutir nos outros. Um dia, ao ver um homem atingido pela lepra, perguntou a um de seus cortesãos se preferia sofrer esta doença ou cometer um pecado mortal. Tendo o cortesão respondido que preferia cem pecados mortais na alma à lepra no corpo, o santo rei indignou-se e respondeu-lhe: “Na verdade, não compreendes o que significa estar em desgraça perante o Todo-Poderoso. Aprende que um pecado mortal é mais temível do que todos os males da terra.”
Igual ao medo que tinha de pecar era o seu zelo em praticar boas obras e viver as virtudes cristãs. Assistia diariamente à Santa Missa, sempre com a maior devoção, e nunca permitia leviandade alguma, seja na igreja, seja em seus cortesãos ou domésticos. Consagrava certas horas do dia à oração. A graça do santo Batismo e da fé cristã era mais importante do que a coroa real para Luís. Valia-lhe mais o título de cristão do que o reinado da França; por isso, chamava-se geralmente Luís de Poissy, pois nesta cidade fora batizado. Era tão sólida sua fé que, um dia, quando lhe contaram que Cristo estava visível na Santíssima Eucaristia, sob a forma miraculosa de uma adorável criança, ele respondeu: “Creio que Cristo Senhor está presente na Santíssima Eucaristia, e é tão firme esta minha fé, que não preciso vê-lo com meus olhos.”
Honrava muito as relíquias sagradas: assim, quando o imperador de Constantinopla Balduíno II lhe apresentou a coroa de espinhos de nosso Salvador, ele saiu com toda a sua corte e o clero, percorreu cinco milhas para encontrá-la e depois a seguiu com grande devoção até Paris. Levou o tesouro sagrado, com os pés descalços e a cabeça descoberta, até a Catedral de Notre Dame, e daí para a capela de São Nicolau, onde a relíquia foi depositada com toda reverência.
Em relação a si próprio, demonstrava uma austeridade que dificilmente os conventos poderiam superar. Trajava quase sempre um tosco cilício, jejuava todas as sextas-feiras e durante o Advento inteiro. Nunca se permitiu dispensa penitencial alguma na Quaresma. Antes dos quinze anos, gostava muito de caçar, pescar e outros divertimentos inofensivos, mas depois renunciou a todos eles, para dedicar todo o seu tempo à oração e ao cuidado de seu governo.
Seu amor pelos pobres era tão grande que não só lhes dava grandes esmolas, como também os visitava na enfermidade, lavava os pés a alguns todos os sábados, alimentava diariamente a 120 deles em seu palácio e sempre recebia três deles à mesa, servindo-os com as próprias mãos. Alguns de seus cortesãos diziam que tal gesto não convinha a um rei, mas ele respondia: “Reconheço e honro nos pobres o próprio Cristo, que disse: ‘O que fizerdes ao menor deles, foi a mim que o fizestes’” (cf. Mt 25, 40). Noutra ocasião, disse: “Os pobres devem ganhar o Céu pela paciência; os ricos, pela esmola”. Construiu muitos abrigos e outras casas para o cuidado dos pobres, e ergueu um número ainda maior de igrejas e conventos para a honra de Deus e a salvação das almas.
Assim, porém, como provou ser um rei piedoso, São Luís também mostrou ser um digno governante, incansável em promover o bem-estar do seu povo, ou no que quer que dissesse respeito à justiça e à proteção da Igreja. Promulgou leis e decretos ordenando a todos os funcionários do Estado que fizessem justiça sem demora e que tomassem todos os cuidados possíveis com seus súditos. Aqueles que desobedeciam eram severamente punidos.
Designou dois dias na semana para que todas as pessoas, mesmo as mais pobres e humildes, tivessem livre acesso a ele e pudessem apresentar-lhe as suas queixas. Trabalhou de modo especial em erradicar os vícios que atraem a ira e a maldição divinas sobre uma nação. Por isso, ordenou por lei que os blasfemos fossem marcados com o ferrete pelo carrasco público e, um dia, quando foram lhe pedir indulgência a um nobre, culpado por este crime, o santo rei recusou-o dizendo: “Eu deixaria que os meus próprios lábios fossem trespassados com um ferro em brasa, se, por este meio, pudesse impedir qualquer blasfêmia em meus domínios [i].”
Sua coragem na guerra era tão grande quanto seu zelo pela justiça e seus esforços por erradicar todos os vícios. Neste rei piedoso e heroico, o mundo inteiro tinha uma prova de que a valentia e a piedade podem estar bem unidas no coração humano. Sobre os albigenses, os mais amargos inimigos do Estado e da Igreja, ele obteve uma vitória decisiva e completa. Alguns vassalos rebeldes, que lhe tinham feito guerra quando subiu ao trono pela primeira vez, e que eram ajudados por uma potência estrangeira, foram derrotados e postos de novo debaixo de seu cetro. Estas e muitas outras vitórias aumentaram sua estima e respeito entre todos os monarcas estrangeiros.
Mas nada prova mais eficazmente o grande zelo deste santo rei pela verdadeira Igreja do que as cruzadas que empreendeu para recuperar a Terra Santa e ajudar os cristãos oprimidos que nela viviam. A princípio, sua primeira expedição prometia grande sucesso, mas com o decorrer do tempo, pelos inescrutáveis decretos da Providência, a maior parte de seu exército foi vitimada por doenças e o próprio rei foi feito prisioneiro. Neste infortúnio, foi tão grande e heroica sua paciência, que encheu de admiração até mesmo os seus inimigos. Submeteu-se, sem qualquer queixa, à vontade divina, e continuou as suas orações, jejuns e exercícios piedosos, como se estivesse em seu palácio em Paris. Acabou por ser libertado mediante o pagamento de 800 mil ducados e a devolução das cidades que tomara. Selou assim uma trégua de dez anos com os sarracenos.
Tendo obtido a sua liberdade nestas condições, permaneceu mais algum tempo na Terra Santa, visitou com grande devoção os lugares sacralizados pela presença de nosso Salvador, resgatou muitos prisioneiros, deu abundantes esmolas e fortificou as poucas cidades que haviam permanecido sob o domínio dos cristãos.
Neste ínterim, a santa Rainha Branca, sua mãe, morreu em Paris. Assim que a notícia chegou aos ouvidos do santo, ele regressou imediatamente à França.
Alguns anos mais tarde, quando soube que os cristãos do Oriente estavam mais oprimidos do que nunca pelos infiéis, resolveu empreender uma segunda cruzada para os ajudar. A princípio, o exército do rei foi bem sucedido, mas o grande calor do clima, a falta de provisões e de água saudável, infectou todo o exército com uma epidemia, matando um grande número de pessoas, entre elas um dos filhos do rei. Por fim, o próprio São Luís foi atingido pela doença e, sem se deixar perturbar por ela, preparou-se para a sua última hora com a oração e a recepção devota dos santos sacramentos.
Depois disso, deu ao príncipe herdeiro, que estava com ele, instruções, em parte verbais e em parte escritas, ditadas pela sabedoria cristã e real, as quais serão apresentadas logo a seguir. Por fim, deixou de lado todos os assuntos mundanos e procurou ocupar-se apenas com Deus, a cuja santa vontade ele se submetera inteiramente. Chegada a sua última hora, manifestou o desejo de ser vestido com uma roupa penitencial e deitar-se num leito coberto de cinzas. Feito isto, tomou o crucifixo, beijou-o devotamente e continuou em oração e atos de piedade, até expirar calmamente, no ano de Nosso Senhor de 1270, com 56 anos de idade. Suas últimas palavras foram as do Salmo 5: Introibo in domum tuam: adorabo ad templum sanctum tuum in timore tuo — “Entrarei na tua casa, prostrar-me-ei no teu santo templo com a reverência que te é devida” (v. 8). Assim, São Luís foi transferido de um reino temporal para o reino eterno.
Verdadeiramente, ele foi um rei grande e santo: grande, por causa de seu valor na guerra; maior, ainda, por sua magnanimidade cristã na adversidade; o maior de todos, porém, pelas muitas virtudes que nele refulgiram, desde sua infância até a última hora de sua vida, e que o impediram de cometer um único pecado mortal. As instruções que deu ao herdeiro de sua coroa, e que ele próprio havia constantemente observado, dão testemunho de sua grande santidade. São as seguintes:
- Ama a Deus Todo-Poderoso acima de todas as coisas.
- Foge do pecado mais rápido que se foge de uma serpente.
- Não desanimes na adversidade.
- Não te ensoberbeças nos dias prósperos.
- Mostra frequentemente as feridas de tua alma ao médico espiritual, e não recuses nenhum remédio para curá-las, por mais amargo que seja.
- Reza com diligência.
- Sê compassivo e generoso para com os pobres.
- Se tiveres a mente assediada por dúvidas, consulta um homem devoto.
- Mantém bem próximos de ti os conselheiros fiéis e piedosos, e afasta os que são maus.
- Retém tudo o que for bom e descarta tudo o que for mau.
- Escuta com atenção os que falam de Deus.
- Não dês ouvido aos que caluniam e difamam.
- Não deixes que fiquem impunes, em teu reinado, os que blasfemam contra Deus e os santos.
- Agradece primeiro a Deus e só depois aos homens.
- Ama e protege a justiça, e não negligencies nem desprezes as queixas dos necessitados.
- Em teus negócios, quando as coisas não estiverem perfeitamente claras, fala e age contra ti próprio.
- Restitui imediatamente os bens dos outros.
- Protege o clero.
- Ama e honra os teus pais.
- Se fores obrigado a travar guerra contra os cristãos, poupa as igrejas e os conventos.
- Esforça-te por terminar com bondade todas as contendas.
- Guarda com olhar vigilante todos que estão sob a tua responsabilidade.
- Mostra sempre a devida reverência para com o Papa.
- Não ultrapasses os limites da moderação nas tuas despesas.
- Quando eu tiver partido, reza orações e Missas pelo repouso de minha alma.
Estas foram as últimas admoestações do santo rei.
Considerações práticas
Quantos exemplos gloriosos das mais nobres virtudes se encontram na vida deste rei admirável! Considere-os bem e esforce-se por imitar alguns deles, especialmente sua reverência na igreja, sua devoção em assistir à Santa Missa, seu grande apreço pela verdadeira doutrina, sua fé inabalável na presença de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento, seu fervor contínuo na oração, sua veneração às relíquias sagradas, sua penitência, sua exatidão na observância dos jejuns, sua generosa caridade para com os pobres e prisioneiros e, enfim, seu zelo pela honra de Deus (manifesto na fundação de igrejas e conventos, na erradicação dos vícios e na defesa da religião verdadeira).
Considere também a invencível paciência de Luís em meio à adversidade; sua perfeita resignação à vontade divina, nos muitos acontecimentos infelizes de sua vida; e, finalmente, a santa preparação que ele fez para deixar este mundo. Todos estes exemplos podem servir para cobrir-nos de confusão e, ao mesmo tempo, estimular-nos a imitá-lo.
De todos os pontos acima, no entanto, colocarei apenas dois mais particularmente diante dos nossos olhos.
I. “Tu não compreendes o que significa estar em desgraça perante o Todo-Poderoso. Aprende que um pecado mortal é mais temível do que todos os males da terra”, disse o santo rei. Eis aqui a perfeita consciência e horror que São Luís tinha do pecado. Disto ele era devedor à sua santa mãe, a qual lhe dissera repetidas vezes que preferia vê-lo morto do que contaminado por um só pecado mortal. Com isso, ela queria dizer que o pecado era mais temível do que a morte.
Oxalá todos os pais gravassem esta verdade no coração de seus filhos! Mas a maioria das pessoas não compreende, ou não quer compreender, a porção de maldade contida em um único pecado. E, no entanto, é certo: o pecado é um mal maior do que todos os outros neste mundo; pois não há nenhum que nos possa ferir tanto na alma e no corpo como este. Se não perdêssemos nada com o pecado, a não ser a amizade e o favor de Deus, só isso deveria ser suficiente para nos impedir de cometê-lo. Talvez você não leve isso em conta, porque não compreende o que é estar em desgraça perante Deus, ou o que significa tê-lo por inimigo. Certamente, a maior infelicidade dos condenados é o fato de terem a Deus como inimigo, pois esta é a fonte de todas as suas outras misérias.
E você, por que se preocupa tão pouco com o favor divino? Por que atrai tão levianamente sobre você o desagrado de Deus, cometendo grandes iniquidades? Por que permanece tanto tempo neste estado de desgraça, sem qualquer esforço por reconciliar-se com Deus? Reze fervorosamente ao Todo-Poderoso, para que lhe dê uma consciência exata da maldade do pecado, pois a isto rapidamente se seguirão o ódio ao pecado e o arrependimento dele.
II. Quando jovem, este santo rei gostava de caçar e pescar, e de ir a peças de teatro; mas, depois de completar quinze anos, passou a abster-se de tais diversões, que ele poderia muito bem ter desfrutado sem ofender o Céu, e sacrificou-as ao Altíssimo.
Quando o Rei Davi se recusou a aplacar a própria sede com a água que lhe era trazida da cisterna de Belém (cf. 2Sm 23, 13ss), os Santos Padres consideram que seu sacrifício a Deus foi muito mais precioso do que muitas outras penitências e vitórias com que este santo rei havia honrado o Todo-Poderoso. Tão alto quanto este deve ser estimado o gesto de São Luís! Ele podia ter gozado tais divertimentos sem pecar; mas venceu-se a si mesmo e, movido por santas intenções, absteve-se deles. Assim devem agir todos os verdadeiros servos de Deus, todos os verdadeiros penitentes. Não só devem abster-se dos prazeres ilícitos, mas também dos inocentes, de modo a oferecer a Deus um sacrifício agradável.
Certamente se apresentam a você, ainda que em pequenas coisas, talvez, muitas ocasiões de fazer tais sacrifícios. Pois bem, não as deixe passar em vão. Mais razões tem você de fazê-los do que São Luís, já que, por seus pecados, você procurou e experimentou prazeres ilícitos. Diz São Gregório: “Quem se lembra de ter provado prazeres ilícitos, deve abster-se por vezes dos que lhe são permitidos, a fim de dar, pelo menos em parte, satisfação ao seu Criador.”
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Hoje, mais velho, gostaria de ter conhecido muito mais sobre a vida dos grandes Santos como a desse rei e santo. Ótimo trabalho o de vcs!
Deus os abençoe.