Hoje poderíamos, queridos recém-casados, propor à vossa contemplação o quadro gracioso que a Igreja oferecia anteontem à piedade dos fiéis: uma criança, João Batista, fruto milagroso de um casamento por longo tempo estéril, e cujo nascimento foi acompanhado de tais prodígios que os amigos e conhecidos da família perguntavam-se espantados: “Que será este menino?” (Jo 1, 66).

Poderíamos também, ajoelhando-nos convosco, junto à tumba dos príncipes dos Apóstolos, cuja festa a Igreja celebrará solenemente daqui a três dias, lembrar-vos o eco dos sábios ensinamentos que davam aos fiéis de seu tempo S. Pedro (cf. 1Pd 3, 1-7), em sua primeira carta, e São Paulo, na epístola aos efésios (cf. Ef 5, 22-23).

Mas em uma época agitada, em que vos encontrais porventura inquietos pelo futuro do vosso lar recém fundado, julgamos mais útil uma palavra de alento análoga à que já em outras ocasiões, neste mesmo mês de junho, dirigimos aos recém-casados reunidos à nossa volta, para dizer-vos: “Queridos filhos e filhas, voltai-vos para o Sagrado Coração de Jesus, consagrai-vos a Ele inteiramente e vivei na serenidade e na confiança!”

Não há dúvida de que, se se quiser sair de modo perdurável da crise atual, será preciso reedificar a sociedade sobre bases menos frágeis, ou seja, mais conformes com a moral de Cristo, fonte primeira de toda verdadeira civilização. Não é menos certo que, se se quiser conseguir tal fim, será preciso começar por fazer as famílias novamente cristãs, muitas das quais se esqueceram da prática do Evangelho, da caridade que ela requer e da paz que ela traz consigo.

A família é o princípio da sociedade. Assim como o corpo humano compõe-se de células vivas, que não estão apenas justapostas umas às outras, senão que constituem um todo orgânico com suas íntimas e constantes relações, assim também a sociedade está formada não por um conglomerado de indivíduos, seres esporádicos que aparecem em um instante para desvanecer-se em seguida, mas por uma comunidade econômica e uma solidariedade moral de famílias, que, transmitindo de geração em geração a preciosa herança de um mesmo ideal, de uma mesma civilização, asseguram a coesão e a continuidade dos vínculos sociais.

Santo Agostinho o notava, há já quinze séculos, ao escrever que a família deve ser o elemento inicial e como uma célula (particula) da cidade. E como toda parte está ordenada ao fim e à integridade do todo, deduzia ele que a paz doméstica, entre quem manda e quem obedece, contribui para a concórdia entre os cidadãos (cf. De Civitate Dei, X, 16).

Disso tudo têm consciência os que, a fim de expulsar a Deus da sociedade e lançá-la na desordem, se esforçam por subtrair à família o respeito e até mesmo a lembrança das leis divinas, exaltando o divórcio e a união livre, pondo obstáculos ao papel providencial confiado aos pais com respeito aos filhos, infundindo nos esposos o temor dos cansaços materiais que implica o glorioso peso de uma prole numerosa.

Contra semelhantes perigos vos desejamos prevenir, recomendando-vos que vos consagreis ao Coração Santíssimo de Jesus.

O que faltou e ainda falta ao mundo para viver em paz é o espírito evangélico de sacrifício, e este espírito falta porque, quando a fé se debilita, prevalece o egoísmo, que destrói e torna impossível a felicidade em comum. Da fé brotam o temor de Deus e a piedade, que fazem pacíficos os homens; o amor ao trabalho, que conduz ao aumento das próprias riquezas materiais; a equidade, que ensina e assegura a reta destinação desse bens; a caridade, que repara assiduamente as inevitáveis brechas que as paixões humanas deixam abertas na justiça.

Todas estas virtudes supõem o espírito de sacrifício a que o fiel está obrigado: “Se alguém quiser vir comigo, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16, 24). Ao contrário, tanto entre os homens como entre os povos, as ambições de cada um não poderão conciliar-se nunca com o bem-estar de todos. “Donde vêm”, exclama o Apóstolo São Tiago, “as lutas e as contendas entre vós? Não vêm elas de vossas paixões, que combatem em vossos membros?” (Tg 4, 1).

Para voltar a encontrar a paz, é preciso, portanto, que os homens façam o que há séculos lhes pregam Jesus Cristo e a Igreja: sacrificar as próprias aspirações e desejos, na medida em que são incompatíveis com os direitos alheios ou com o interesse coletivo. A este fim os encaminha, por uma via doce e segura, a devoção ao Sagrado Coração.

Porque, em primeiro lugar, a imagem do divino Coração, rodeado de chamas, coroado de espinhos, aberto pela lança, recorda até que ponto Jesus amou os homens e se sacrificou por eles, ou seja, para usar suas próprias palavras, “até esgotar-se e consumir-se”. Além disso, os lamentos do Salvador pela infidelidade e ingratidão dos homens imprimem a esta devoção um caráter essencial de penitência expiatória.

“Sagrado Coração de Jesus rodeado de anjos”, por José de Páez.

Nosso grande predecessor Pio XI o explicou admiravelmente em sua encíclica “Miserentissimus Redemptor” e na oração litúrgica da festa do Sagrado Coração, onde se diz que ao devoto obséquio de nossa piedade (dovotum pietatis nostræ obsequium) deve estar associada uma digna satisfação pelos nossos pecados (dignæ satisfactionis officium). Estes dois elementos fazem a devoção ao Sagrado Coração eminentemente apta para restabelecer a ordem violada e, com isso, para preparar e promover o retorno da paz.

A grande obra de Cristo ou, para falar com São Paulo (cf. 2Cor 5, 19), a obra que Deus nele realizou consistia em conciliar o mundo consigo (Deus erat in Christo mundum reconcilians sibi), e o sangue, cujas últimas gotas brotaram do Coração de Jesus sobre a cruz, é o selo da nova Aliança (cf. 1Cor 9, 25), que reata os vínculos de amor entre Deus e os homens, desfeitos outrora pelo pecado original.

Fazei, pois, deste Coração o rei de vossa casa, e assim nela estabelecereis a paz. Tanto mais porque Ele mesmo, renovando e determinando as bênçãos de seu Pai celestial às famílias fiéis, prometeu que a paz reinaria nos lares que lhe fossem consagrados.

Oh! se todos os homens escutassem este convite e esta promessa! Dois gloriosos predecessores nossos, Leão XIII e Pio XI, como pais comuns da cristandade e guias inspirados do gênero humano, consagraram solenemente o mundo ao Coração de Jesus. Quantas almas, porém, ignoram ainda — e quantas até o desprezam — o manancial de graças que lhes foi aberto e lhes é tão facilmente acessível! Ah! que não sejais vós do número desses negligentes ou néscios que deixam fechadas ao Rei do amor as portas do lar, da cidade, da nação, e atrasam com isso o dia em que o mundo, pacificado, voltará a ter verdadeira felicidade.

Acaso fecharíeis as vossas janelas se vísseis voar lá fora, como Noé do alto da arca, a pomba com o ramo de oliveira? Pois o que promete e traz consigo o Sagrado Coração é mais do que um símbolo: é a realidade da paz. Jesus vos pede unicamente que lhe deis sinceramente o vosso coração: eis a verdadeira consagração. Tende a coragem de fazê-la, e aprendereis por experiência que Deus não se deixa nunca vencer em generosidade.

Sejam quais forem, hoje ou amanhã, as dificuldades que a vida vos impuser, não provareis mais daqueles desalentos e tristezas que conduzem ao abatimento; porque o desalento é falta de coração. Mas vós, ao contrário, tereis, em lugar de um débil coração humano, um coração conforme ao do próprio Deus. Então vereis realizar-se em vossa família, em vossa pátria, na cristandade e na humanidade inteira, a promessa que o Senhor fizera ao profeta Jeremias: “Dar-lhes-ei um coração capaz de conhecer-me e […] eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus, porque de todo o coração se voltarão a mim” (Jr 24, 7).

Referências

  • Discurso do Papa Pio XII aos recém-casados, 26 de junho de 1940. Em: Discorsi e radiomessaggi di Sua Santità Pio XII. Milano: Società Editrice “Vita e Pensiero”, vol. 2, p. 153ss (extraído de La Familia Cristiana. Trad. esp. a cargo da Ação Católica Espanhola. San Sebastián: Pax, 1943, pp. 123-129, nn. 91-95).

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