“Quando deixam de acreditar em Deus, as pessoas passam a acreditar em qualquer coisa”: eis uma sentença atualíssima de G. K. Chesterton. Não é novidade para ninguém que nosso mundo, ainda que se denomine católico nesta ou naquela região, vive uma terrível perda generalizada da fé. Pessoas, famílias e sociedades que se orgulhavam de seu batismo, que se ufanavam do título de cristãs, hoje conservam dessa prática religiosa apenas uma vaga lembrança.
Não seria exato dizer, no entanto, que nos transformamos em ateus. Não. O homem é um ser essencialmente religioso, de modo que, se não adora o Deus com “d” maiúsculo, fatalmente ele molda para si outros deuses, com “d” minúsculo; se não é o Evangelho de Cristo e o Catecismo da Igreja que nossa época segue, então são as crendices, as superstições e as idolatrias que predominam.
A crença de que os mortos estão de alguma forma entre nós, por exemplo, é praticamente o ar que respiramos, principalmente no Brasil, devido às fortes influências espíritas que infelizmente recebemos da mídia e de nossos antepassados. Vários anos atrás fez muito sucesso em todo o mundo a produção O Sexto Sentido, cujo enredo reafirma justamente esta tese: a de que as pessoas que morrem, no fundo, não nos deixam, estão andando entre nós, e a algumas pessoas especiais (os chamados “médiuns”) essas almas até apareceriam com certa frequência para revelar ou pedir que sejam feitas certas coisas etc.
Como todo “bom erro”, também este se serve de elementos de verdade para convencer os incautos. Ora, que exista uma vida além desta, todo católico que vá à Missa aos domingos o confessa quando diz: “Creio na vida eterna”. Aparições de pessoas que já morreram, por sua vez, são tão velhas quanto é velha a humanidade, e até a Igreja Católica admite a sua possibilidade extraordinária. Basta pensar nas inúmeras aparições de Nossa Senhora, de Saragoça a Fátima, ou nas visitas que as almas do Purgatório vez ou outra fazem aos vivos, pedindo orações e atestando as verdades de fé que aprendemos na catequese.
Disso não se segue, porém, que não haja barreira entre vivos e mortos nem que comunicações vindas do além sejam como que o pão que comemos todas as manhãs. A sã doutrina católica ensina-nos, a propósito, em consonância com inúmeras passagens bíblicas (cf. Lv 20, 27; Dt 18, 10ss; 1Cr 10, 13; Eclo 34, 2; Is 8, 19; 44, 25; Cl 2, 18), que é pecado tentar estabelecer contato com as almas de nossos entes falecidos. Fazer disso um “dom” ou uma profissão, então, nem se fale.
Mas para Hollywood e para nossos espíritas essa suposta “sensibilidade” para falar com os falecidos seria uma espécie de “sexto sentido”. A ideia por trás é a de um órgão humano mesmo, atrofiado na maioria das pessoas, mas que seria necessário desenvolver, talvez se tornando um “médium” profissional ou coisa do gênero. E o fato de ser um sentido a mais, além dos outros cinco que possuímos — visão, audição, tato, olfato e paladar —, passa a ideia de um conhecimento transcendente, superior. Trocando em miúdos, esse é o máximo que as pessoas conseguem vislumbrar em matéria de espiritualidade, seria esse o ápice da religiosidade moderna.
O que nos ensina, porém, a fé católica? O que Jesus Cristo veio nos ensinar dois mil anos atrás com seu Evangelho? Uma verdade muito mais poderosa e elevante do que a mensagem correntemente propagada pelo espiritismo: que Deus quer nos colocar em contato com Ele mesmo; que Ele quer nos fazer íntimos não apenas de nossos consanguíneos, ou dos santos e anjos do Céu, mas dEle próprio. Por isso, Ele não previu que sua doutrina fosse revelada aos homens por meio de espíritos desencarnados, mas enviou o seu próprio Filho ao mundo — “Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não criado, consubstancial ao Pai” —, e no-lo enviou na carne, a fim de que tomássemos parte em sua natureza divina (cf. 2Pd 1, 4). Eis a grande novidade do cristianismo, à qual infelizmente a nossa cultura não tem acesso… porque não crê.
Se nos fosse permitido pegar emprestada aqui a ideia do “sexto sentido”, nós diríamos que, sim, todos os seres humanos o têm, e devem usá-lo, e devem aperfeiçoá-lo. Mas este sentido, de que se trata propriamente?
A boa teologia católica nos ensina que a graça santificante, que todos recebemos no sacramento do Batismo, gera em nós um verdadeiro organismo sobrenatural, criado por Deus na alma e com o qual nos relacionamos não com uma alma penada ou outra — pois isso, sinceramente, seria muito pouco, já que a sede de felicidade de nossa alma clama pelo infinito, clama pelo eterno, clama por Deus, e nenhuma criatura neste mundo, por mais amor que tenhamos tido por ela nesta vida, é capaz de preencher esse vazio… Com esse organismo, nós nos relacionamos com o próprio Deus vivo, que nos alimenta continuamente através da oração e dos sacramentos de sua Santa Igreja.
Isso só nos parece pouca coisa — e muitos de nós talvez gostaríamos de ter mais a presença dos próprios entes queridos que a presença de um Deus que não somos capazes de tocar, sentir, pegar etc. — porque é pouca nossa fé, e grande o nosso “sentimentalismo”. Aqui, a analogia dos sentidos precisa ser retomada para nos recordar que a experiência religiosa é fundamentalmente uma experiência que transcende, que supera, diferentemente daquilo a que temos acesso com nossa visão, nosso tato e nossos outros sentidos. Nas palavras do Apóstolo, “coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam” (1Cor 2, 9).
Nosso Senhor também, ao falar do Reino de Deus, referiu-se certa vez a um tesouro escondido que, para ser encontrado, requer que também nós nos escondamos, nos retiremos no interior do nosso coração (cf. Mt 13, 44-46). Com isso, Cristo estava a indicar-nos que precisamos sair da experiência meramente sensorial para entrar em contato com Ele. A oração cristã, quando bem compreendida e realizada, é justamente essa experiência — a respeito da qual há vários cursos disponíveis em nosso site, a propósito.
Sem oração, desenganemo-nos, nossa única familiaridade será com as coisas daqui, com as realidades deste mundo terreno e passageiro. Se não tirarmos um pedaço do nosso dia para entrarmos em contato com as verdades divinas, para nos alimentarmos com a sua Palavra, viveremos só do que conhecemos com nossos sentidos, continuaremos na carne… e nosso destino eterno será o equivalente dessa escolha terrível: pereceremos juntamente com nossos cinco sentidos.
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