É coisa óbvia hoje em dia que praticamente todas as instituições culturais estão desmoronando. É menor o número de pessoas que participam de organizações locais, clubes, igrejas, e maior o das que passam a maior parte do tempo conectadas. Entre as gerações mais jovens, esse fenômeno é ainda mais acentuado: é muito maior o número dos que buscam seus quinze minutos de fama no YouTube do que o de jovens que procuram fazer a diferença em sua comunidade. Alguns podem atribuir esse crescimento à expansão da tecnologia, da grande mídia e da má educação, mas a verdadeira raiz de tudo isso é a perda dos laços de amizade.
De acordo com uma pesquisa recente da OnePoll, o americano médio tem feito menos amigos. Outras pesquisas revelam uma crescente “epidemia de solidão”, que faz com que as pessoas tenham menos contato umas com as outras e quase nenhum relacionamento relevante. Essas descobertas sugerem, em conjunto, que a maioria das pessoas prefere se isolar e que sua comunicação é essencialmente superficial e sem sentido.
A típica resposta católica a esse fenômeno tem sido estimular tentativas de aproximação e a promoção do pastoralismo. No contexto paroquial, isso se traduz em mais refeições comunitárias, festas sazonais, estudos bíblicos, conferências para homens e mulheres, retiros para jovens e outros eventos sociais cujo objetivo é fomentar a interação entre os paroquianos e atrair visitantes. No contexto global, isso equivale à flexibilização de padrões, à suavização de definições doutrinais da Igreja e à realização de mais sínodos.
Como até os católicos otimistas podem confirmar, essas iniciativas tendem a ser insuficientes. Embora eventos sociais na paróquia sejam úteis a curto prazo, fazem pouca diferença a longo prazo. O mesmo pequeno grupo de pessoas organiza esses eventos e programas ano após ano, mas, como sempre, a grande maioria das pessoas não se compromete. As tentativas de lideranças eclesiais de “abrir” a Igreja e “caminhar” com as pessoas em sua jornada de fé podem angariar a simpatia da mídia secular e dos católicos liberais, mas, na realidade, têm afastado mais do que atraído os católicos.
Isso acontece porque afabilidade não é o mesmo que amizade, diferença ignorada e negligenciada por organizações que implementam soluções superficiais para problemas profundos.
A amizade é definida pela Sagrada Escritura e pela filosofia clássica como um relacionamento íntimo entre duas pessoas que desejam o bem uma da outra. O vínculo entre verdadeiros amigos transcende as circunstâncias, e os dois lados se envolvem ativa e igualmente. No Evangelho, Cristo chama seus discípulos de “amigos” em lugar de “servos”: são semelhantes (no contexto de seu relacionamento) que trabalham em prol do mesmo ideal e estariam dispostos a abrir mão de tudo pelo bem uns dos outros.
É importante observar que nada nessa amizade é imediatamente útil ou conveniente. Os discípulos não são colegas de classe, de trabalho ou membros da mesma tribo cujos caminhos simplesmente se entrecruzam em determinado momento. Na verdade, uma das condições para a existência dessa amizade é a superação desses rótulos. Se a amizade fosse fundamentada em qualquer coisa inferior a isso, como é o caso de muitas delas, seria antes um exemplo de coleguismo, isto é, algo dependente de uma situação externa.
Algumas pessoas podem experimentar a verdadeira amizade, mas não é o caso da maioria. Ao contrário, elas fazem e desfazem ao longo da vida muitas supostas amizades. O contexto (escola, trabalho etc.) exigia tais “amizades” e, tão logo passavam por ele, os amigos desapareciam. Compreende-se que a perda de amigos e do círculo social é uma experiência comum para adultos que estão na casa dos vinte e estão saindo da faculdade ou de casa.
Na verdade, amizades são ativas e requerem tempo e esforço. Entre outras coisas, amigos devem estar dispostos a falar, escutar, planejar, acolher, visitar, aprender, confiar e ser confiáveis. Uma pessoa vaidosa, egoísta, impaciente, temperamental ou desonesta jamais fará amigos. Em contrapartida, uma pessoa humilde, equilibrada, aberta, justa e honesta (para ter uma referência, leiam-se as bem-aventuranças) terá amizades sólidas e gratificantes.
Neste momento, vale a pena sublinhar a diferença entre ser popular e ter amigos. Não são expressões de modo algum sinônimas, mas na cultura de hoje recebem o mesmo tratamento. Uma pessoa popular tem “seguidores”: pessoas que podem gostar dela, mas não a conhecem realmente nem interagem com ela. O que mantém unidos esses seguidores é uma agenda comum ou uma preferência em comum. Como diz a escritora de comédias Keri Smith num artigo sobre a cultura do cancelamento, a pessoa popular “não tem amigos, tem aliados”. Quando alguém se desvia, o vínculo é prontamente dissolvido.
No entanto, uma pessoa com amigos é alguém entre iguais. Um grupo de amigos é necessariamente pequeno, já que conhecer verdadeiramente outra pessoa requer tempo e esforço, que são bens limitados. O que importa é a pessoa, não sua agenda política ou suas preferências. Fé e moralidade comuns podem aprimorar uma amizade, mas ela ainda é possível sem ambas. Com o passar do tempo, um verdadeiro amigo aprende a amar o pecador e a odiar o pecado; um aliado ou seguidor faz o oposto ou nenhuma dessas coisas.
A amizade é para a Igreja um bem indiscutível e algo que tanto o clero como o laicato devem fomentar juntos. Para sacerdotes e bispos, trata-se de pregar sobre o tema e mostrar o vínculo entre as exigências da amizade e as do discipulado cristão. Nenhum católico deveria se sentir confortável em rejeitar uma amizade por preguiça ou medo. Tampouco se deveria terceirizar para organizações seculares o convívio social relevante.
Para os leigos, fazer amizade significa primeiro remover as barreiras que a desestimulam. Para a maioria das pessoas, e eu me incluo nesse grupo, significa deixar de lado os aparelhos eletrônicos, pois eles não apenas tiram nosso tempo como também enfraquecem o desejo de fazer amigos. Muitas vezes a gratificação instantânea do entretenimento digital aniquila a gratificação tardia que vem do cultivo de uma amizade.
Tão logo haja tempo disponível, temos de nos esforçar para socializar. Como argumenta a escritora católica Leah Libresco em seu livro Building the Benedict Option [‘Construindo a Opção Beneditina’], esse passo é fundamental para a construção de uma comunidade católica autêntica. Em espírito de amizade, os católicos deveriam organizar noites de jogos, formar clubes de ensaios (uma alternativa mais fácil do que clubes de livros) e oferecer jantares. As primeiras tentativas serão um pouco forçadas e nem sempre correspondidas, mas de modo geral, com tempo e persistência, os relacionamentos se tornarão melhores.
Além disso, esses planos deveriam começar com as pessoas mais próximas: familiares, colegas de trabalho e escola e membros da paróquia. Embora proximidade e responsabilidades compartilhadas não sejam o único fundamento de uma amizade, podem e deveriam facilitá-la. A caridade telescópica (amor aos estranhos distantes mais do que aos familiares próximos) ficou mais popular depois da globalização, mas para os cristãos é tão hipócrita e prejudicial hoje quanto na época em que Charles Dickens escreveu sobre ela.
Quando amizades sólidas são constituídas, sua bondade inevitavelmente se irradia para a comunidade. Muitos evangelizadores progressistas não compreendem que as pessoas que estão fora da Igreja são atraídas por amizades verdadeiras, não por uma lábia de vendedor ou por constantes afirmações feitas do alto do púlpito. As pessoas se sentem atraídas por famílias que comem juntas, homens que bebem juntos, mães que organizam dias para seus filhos brincarem juntos e crianças que brincam juntas. Por isso, em diversas ocasiões, Santo Agostinho exalta as bênçãos da amizade, reconhecendo-a como caminho para a santidade e fonte de rejuvenescimento para uma Igreja moribunda.
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